QUARTA-FEIRA DE CINZAS

“Convertei-vos a mim de todo o coração”, diz-nos o Senhor no início deste tempo sagrado tempo da Quaresma.

Este foi o grito incessante de Deus ao Povo transviado, vítima do procedimento errado e causador de sofrimento e ruína. Afastar-se de Deus, origem de todo o bem, para ceder ao mal, levou, segundo a experiência bíblica, a muitas formas de degradação da pessoa, da família e da sociedade.

Segundo a história da revelação bíblica, a voz dos profetas, enviados de Deus, não podia calar-se face à leitura que faziam da realidade humana, social, económica e política. Ao verem de forma inteligente e crítica o sofrimento, por um lado, e a degradação moral, por outro, só podiam assumir a sua vocação de arautos da necessidade da mudança e da conversão, tal como ouvíamos no texto da Profecia de Joel, há pouco escutado.

Nesse mesmo sentido havemos de entender o chamamento à conversão feito pela liturgia da quarta-feira de cinzas, o pórtico de um chamamento que se vai prolongar por quarenta dias, número que na Sagrada Escritura significa o tempo necessário para a realização do processo de nos voltarmos para Deus, de nos convertermos. Foi, aliás, desse modo, que Jesus iniciou o Seu ministério público, junto ao Jordão, o pórtico de toda a sua pregação, que se prolongará até ao momento da Sua entrega ao Pai, em favor de todos os homens, sempre necessitados de conversão.

Significa, por isso, que toda a nossa vida cristã, é um caminho de mudança e de conversão. A quaresma, vivida anualmente, tem como finalidade recordar-nos esse dinamismo que há-de existir sempre em nós e provocar um esforço intensivo nesse sentido. Significa também que a nossa vida pessoal e de comunidade cristã tem de estar dotada do mesmo tom profético. Também nós reconhecemos que os cristãos e a sociedade precisam de escutar a voz profética de Deus, precisam de mudar no seu proceder e dar novas perspectivas ao mundo. Não será que muitos dos males que sofremos são precisamente o fruto da ausência forçada de Deus e o fruto das nossas opções erradas, mesmo que comummente aceites e referendadas?

Diante da situação dura em que nos encontramos, Igreja e sociedade, demos atenção à palavra do Senhor, que nos diz: “Converta-se o homem do seu mau caminho e viverá”.

O que significa, então, converter-se? Em primeiro lugar significa voltarmo-nos para Deus em quem acreditamos, com uma fé mais forte e capaz de reorientar a totalidade da nossa vida. Converter-se leva à fé que se manifesta na comunhão com o Deus, que se escuta, a quem se fala e com quem se sente. Converter-se significa abrir-se à fé enquanto adesão da inteligência e da vontade ao Deus Trindade, permitir a sintonia do nosso coração pecador com o coração misericordioso de Deus.

Um convertido é alguém que não vive segundo a sua natureza, nem segundo os critérios comuns do sucesso ou segundo as filosofias e os valores escolhidos pela sociedade, mas segundo a vontade de Deus expressa na Sua Palavra revelada por meio de Jesus Cristo.

As leituras de hoje fornecem-nos indicações bem claras sobre os caminhos a percorrer em ordem à conversão e, por isso, os elementos fundamentais para o nosso programa da Quaresma. Não há conversão sem o reconhecimento de que Deus “é clemente e compassivo, paciente e misericordioso”, ou seja, de que Deus nos ama com um amor eterno, apesar da nossa pobreza espiritual e do nosso pecado. É preciso olhar para a vida que temos e reconhecer nela tantos dos sinais desse amor de Deus; olhar para Jesus Cristo crucificado e ver n’Ele a grandeza do Seu singular amor por nós.

Não há conversão sem reconhecimento do próprio pecado, sem arrependimento e sem acolhimento do perdão, que Deus nos oferece. “Perdoai, Senhor, perdoai ao vosso povo”, dizia a profecia de Joel; “pecámos, Senhor, tende compaixão de nós”, dizia o Salmo 50 - duas expressões verbais dessa atitude, que havemos de ter no coração no momento de manifestarmos o arrependimento e a decisão de mudar de vida.

A oração sincera, do coração e da vida, referida no evangelho de Mateus, é meio privilegiado em ordem à conversão. No diálogo tu a tu, na meditação da Palavra da Escritura, usando a liturgia das horas, nos momentos de adoração eucarística, na devoção mariana ou no silêncio dos desertos que criamos, mergulhamos na intimidade com Deus, confrontamo-nos com o Deus Amor, três vezes santo, abrimo-nos à vida do Seu Santo Espírito em nós. O homem orante é, por excelência, o homem em processo contínuo de conversão, porque é, por excelência, o homem aberto ao Espírito que converte.

Se o reconhecimento do pecado nos centra em nós e a oração nos centra em Deus, a prática da caridade, igualmente referida pelo texto do Evangelho escutado, centra-nos nos outros, lembra-nos a dimensão comunitária e social da nossa vida. Ao falar do “dar esmola”, a Palavra de Deus alerta-nos para um gesto tão presente na tradição cristã e tão expressivo da atenção aos outros, particularmente aos pobres, por quem Jesus manifestou sempre um carinho especial e em favor dos quais a Igreja tem obrigações concretas. De forma organizada por meio dos Centros de Acção Social ou por iniciativa pessoal e em maior proximidade, a caridade para com o próximo é meio privilegiado de conversão a Deus.

 

Esta Quaresma há-de ter um lugar único na vida de cada um de nós e das nossas comunidades. Face à situação que se vive na Igreja, no meio de tanta pobreza de fé e de tantos sintomas de vazio de Deus, entremos em profundidade no caminho do reencontro com Ele. Reconheceremos que é fonte inesgotável a tornar fértil o terreno árido que nós somos.

Face à situação em que se encontra a sociedade, carente de esperança e de futuro, consequência das erradas escolhas, da incapacidade de reconhecimento dos seus erros e pecados, procuremos dar sinais de uma vida cheia de sentido e feliz, porque reconciliada consigo, com os outros e com Deus.

Que o caminho do deserto nos permita, desde já, vislumbrar as paisagens verdejantes da páscoa de Jesus Cristo e que a conversão quaresmal, que agora vivemos, abra as portas à nossa páscoa da eternidade.

 

Sé Nova de Coimbra, 22 de Fevereiro de 2012

Virgílio do Nascimento Antunes

Bispo de Coimbra

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