Solenidade Santa Isabel de Portugal - Homilia de Dom Virgílio

SOLENIDADE DE SANTA ISABEL DE PORTUGAL
IGREJA DE SANTA CLARA A NOVA

Caríssimos irmãos e irmãs!

Celebramos de novo a solenidade de Santa Isabel de Portugal em contexto de pandemia e sem as habituais expressões de piedade popular, tão caraterísticas da nossa cidade desde há muitos séculos e tão mobilizadoras de multidões de fiéis. Temos pena de não ter as manifestações exteriores de caráter religioso, cultural e popular de culto da nossa padroeira, mas mais nos preocupa a impossibilidade de aproveitar esses momentos para uma forma de evangelização bem enraizada na nossa comunidade.

De facto, tudo o que fazemos em Igreja, seja na dimensão estritamente litúrgica, seja na catequese, nas ações pastorais ou na piedade popular marcada pela dimensão cultural e social, tem de ter uma intenção evangelizadora. Anunciar Jesus Cristo morto e ressuscitado, salvador e caminho da humanidade, é a nossa vocação eclesial e nada pode ficar de fora desta missão e deste mandato que nos foi deixado. Frequentemente focamo-nos mais nas multidões que se juntam para participar ou para ver do que na dimensão celebrativa da fé ou na catequese e evangelização que nos deve conduzir.

A fé cristã tem sempre uma dimensão celebrativa, particularmente centrada na Eucaristia e nos outros sacramentos, uma dimensão profética, ou seja, de anúncio de Jesus Cristo, e uma dimensão testemunhal, que se exprime pelo modo como se vive e pela caridade com que se serve a todos, de um modo especial os mais pobres no âmbito material, espiritual, social, sanitário ou outro, seja ele qual for.

A perda temporária de alguns aspetos destas três dimensões não pode impedir-nos de realizar os outros; antes pelo contrário, deve levar-nos a valorizar adequadamente o que é possível, e que, neste caso, é o mais importante, pois está no centro da afirmação da nossa identidade de Igreja de Cristo, que celebra os mistérios da fé, anuncia a Palavra do Evangelho e testemunha a caridade.

A Solenidade de Santa Isabel de Portugal, vivida em tempos difíceis e diferentes, vem ajudar-nos a pensar o presente e o futuro da nossa fé, a conhecer e interiorizar de forma mais clara os seus alicerces e a discernir melhor as suas manifestações. Temos repetido que não podemos sair desta situação como entrámos nela, mas reforçados na nossa fé, na coesão e comunhão da nossa Igreja e mais envolvidos num sério testemunho que opere mudanças no nosso mundo.

Havemos de retomar a centralidade da fé na nossa vida de cristãos. Ela não pode ser alguma coisa a mais, um conjunto de ritos ou práticas cíclicas, um calendário de festas, um refúgio nos perigos e medos da vida, uma tradição cultural no meio de tantas outras.

A fé cristã, como dom de Deus, que vem ao nosso encontro e nos dá a graça de O encontrarmos na profundidade do nosso ser, gera uma relação de confiança e de amor, que não rivaliza com nada nem com ninguém porque tem o primeiro lugar em nós, mobiliza todas as dimensões da nossa realidade pessoal, gera o nosso rumo e o nosso ritmo de vida.

Como ouvimos, na segunda leitura, nós passámos da morte à vida, porque conhecemos o amor de Deus e amamos os nossos irmãos. Trata-se da fé em Deus, revelado por Jesus Cristo, que nos faz passar da morte à vida e, dessa forma, revalorizar todas as nossas realidades. Somos convidados a dar à fé a centralidade única, procurando purifica-la cada vez mais de todas as poeiras que a podem obscurecer e tornar pouco relevante.

Santa Isabel, na sua condição social, cultural e religiosa, oferece-nos esse imenso testemunho de alguém que se deixou seduzir por Deus, se centrou no seu amor conhecido e acolhido, e fez da fé cristã o caminho único da sua vida.

Havemos de retomar a centralidade do Evangelho como a nossa inspiração de vida. Enquanto Palavra de Jesus Cristo Salvador, o Evangelho tem poder transformador de toda a nossa pessoa e de todas as realidades que dela fazem parte a nível pessoal, social, cultural e religioso.

Dia após dia, pela escuta comunitária, pela leitura orante, pela meditação silenciosa, procuramos que ele entre em nós, procuramos o discernimento adequado de todas as situações e acolher a sua verdade com a nossa referência fundamental.

O Evangelho de Jesus Cristo não é para nós uma visão do mundo entre muitas outras, nem sugere um estilo de vida que rivalize com outros que o mundo nos propõe, mas, sendo de Jesus Cristo e, em sentido mais pleno, o próprio Cristo, Palavra ou Verbo de Deus feito Homem, é a verdade, como refere de modo explícito em várias das suas passagens.

Somos chamados a viver do Evangelho e, como nos disse recentemente o Papa Francisco, a encher o nosso mundo de Evangelho. Para cumprir o mandato de o anunciar a todos os povos da terra, como nos manda o Senhor, é preciso que o tenhamos acolhido de todo o coração e que ele nos transforme por dentro e por fora.

O percurso cristão não pode assentar somente em generalidades ou num conjunto de ideias nascidas a partir do Evangelho de Jesus ao longo da história, mas precisa de nos levar diretamente às fontes da Palavra de revelada, ao âmago do coração de Deus que nela se comunica por meio de Jesus Cristo.

Santa Isabel de Portugal, bem enraizada na tradição e na chamada cultura cristã, encontrou-se com a Palavra salvadora do Evangelho, foi ao âmago da fé que está para além de todas as suas roupagens, foi às fontes do coração de Deus e deixou que nela fossem regadas as sementes de santidade.

A liturgia de hoje, em que seguimos as propostas do lecionário dedicado às pessoas que se distinguiram em santidade pelas obras de amor ao próximo, conduzem-nos à centralidade da caridade como linha central da nossa condição de cristãos. Tanto a profecia de Isaías como o Evangelho de São Mateus nos impelem a purificar a fé pela via da caridade, a manifestação do coração de Deus na ação do coração humano.

É evidente para nós que o exercício da única caridade evangélica, reflexo da caridade de Deus e alicerçada na fé cristã, se reveste das modalidades concretas adequadas ao nosso tempo. Da atenção a cada pessoa nas suas debilidades à assistência social organizada, do amor familiar ao sentido de oferta de si mesmo em âmbito laboral, cultural, político, económico, cada um e todos temos à nossa frente uma vastidão de lugares, tempos e modos de exprimir o amor de Deus infundido nos nossos corações.

A expressão forte de Jesus, “Quantas vezes o fizestes
a um dos meus irmãos mais pequeninos,
a Mim o fizestes”, tem um alcance muito vasto e inclui as situações mais diversas. Dirigindo-se aos jovens, o Papa Francisco atualiza o sentido da caridade do Evangelho, propondo-lhes a expressão “ser para os outros”, como atitude plenamente humana e plenamente cristã.

Santa Isabel emerge no seu tempo e honramo-la no nosso tempo como a mulher da caridade cristã, que acolhe e testemunha de modo exemplar este ir ao encontro dos mais pequeninos, este “ser para os outros”.

Fica-nos, hoje, caríssimos irmãos e irmãs - confraria, devotos em geral, comunidade cristã aqui reunida - este desafio grande e belo da liturgia e da santidade de Isabel de Portugal: cresçamos na fé, alimentemo-nos da Palavra de Deus e testemunhemos a caridade.

Coimbra, 04 de julho de 2021
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

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