Solenidade do Sagrado Coração de Jesus 2021 - Homilia de Dom Virgílio

SOLENIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS – 2021
IGREJA PAROQUIAL DA MEALHADA

Caríssimos irmãos!

Estamos a procurar sair de um tempo difícil a todos os títulos. Tanto nós, bispo, presbíteros e diáconos, como as comunidades constituídas por homens e mulheres cristãos ou não, famílias e instituições, vivemos situações dramáticas, que nos marcarão para sempre. As forças humanas aliadas à graça da fé, os recursos provenientes da nossa humanidade e, no nosso caso, bem enraizados na fé, dão-nos a possibilidade de nos refazermos e ajudarmos as comunidades a reencontrarem-se na busca dos caminhos sempre abertos à nossa frente.

Sem deixarmos esquecidas as dores que nos marcam, importa sobretudo que nos fixemos nas verdadeiras alegrias que fazem parte da nossa condição, que a fé em Cristo Ressuscitado suscita em nós e que nada nem ninguém pode arrebatar dos nossos corações. Se há alguém que deve ser mensageiro da esperança e da alegria, somos nós. Se alguém deve ir à frente a abrir rotas de futuro são os discípulos de Jesus, são os que receberam a vocação de compreender e ajudar a compreender “a largura, o comprimento, a altura e a profundidade do amor de Cristo”, como ouvíamos na leitura da Epístola aos Efésios.

Acontece que também nós participamos da mesma fragilidade de todos os homens e, não raro, dada a nossa condição de vida, sentimos ainda mais forte a falta do apoio humano. Acontece que também nós participamos da debilidade interior de todos os homens e podemos sentir as inquietudes da solidão e da ausência de solidariedade da instituição que servimos, das comunidades a que fomos enviados ou dos que connosco partilham a vocação e a missão.

Estes sentimentos, quer tenham um fundamento real, quer sejam fruto do nosso estado de espírito e da nossa imaginação, causam o mesmo mal estar; estes sentimentos, quer sejam fruto da ausência e negligência dos outros, quer sejam construção nossa e consequência de um fechamento sobre nós mesmos ou de um complexo de abandono e vitimização, causam mal estar e põem em risco a alegria de crer, de esperar e de amar, a alegria de servir a Igreja, o entusiasmo de evangelizar, a disponibilidade para alimentar os laços de comunhão fraterna.

Sejam quais forem as causas e as motivações, é necessário que ensaiemos novas vias de saída, que fortaleçamos os laços que nos unem a Deus, os laços que nos unem às comunidades que servimos e os laços de comunhão selados pelo Espírito que nos põem em sintonia de coração e de ação uns com os outros, enquanto ministros ordenados nesta Igreja Diocesana de Coimbra.

 

A Solenidade do Sagrado Coração de Jesus leva-nos a escutar o grito do coração de Deus, abundantemente revelado nas sagradas Escrituras, agora proclamadas, como o nosso amparo, o nosso refúgio e nosso único aconchego, capaz de transformar os nossos próprios corações em corações de carne animada pelo Espírito de comunhão e de vida.

Não somos indiferentes às palavras de Oseias que, profeticamente, nos abrem à única revelação de Deus por meio de Jesus e que nos asseguram o modo de ser do mesmo Deus: “O meu coração agita-se dentro de Mim, estremece de compaixão”. Acreditamos que também nós estamos no coração do Deus cujo nome é misericórdia; também nós somos queridos por Ele; também a nós Ele ensina a andar, leva nos braços, alimenta e acolhe com vínculos de amor.

Precisamos de reconstruir o nosso coração humano para fazer dele um coração de irmãos e de amigos, um coração solidário e disponível, um coração de simpatia e de amor.

Precisamos de reconstruir o nosso coração de crentes, fazendo apelo à fé que recebemos, à vocação a que fomos chamados e ao sentido de missão em que fomos investidos, não como indivíduos que se somam a outros indivíduos para fazer um número.

Precisamos de reconstruir o nosso coração de presbitério e de diaconia como membros de um corpo, que tem a sua dimensão humana e social, mas que, mais ainda, nasce do coração santo de Deus e, por isso, se sente envolvido pela torrente de sangue e água que jorra do lado trespassado de Jesus Cristo.

 

A segunda leitura desta Solenidade oferece-nos sólidos fundamentos para nos refazermos espiritualmente e caminharmos uns com os outros, como Igreja, santa e pecadora, mas sempre sinal da salvação de Deus para todos, para nós e para os outros.

Em primeiro lugar, a humildade proclamada pelo apóstolo, quando se considera o “último de todos os santos” a quem “foi concedida a graça de anunciar aos gentios a insondável riqueza de Cristo”. Quando nos reconhecemos como o último dos santificados pela graça do batismo e da vocação a que fomos chamados, não temos autoridade para criticar os outros nem para os menosprezar. Temos sim, a oportunidade de, a todos, dar a conhecer Cristo como o Senhor, o Santo de Deus; temos a missão de reconhecer a grandeza dos outros, mesmo que, porventura, ofuscada pelos mesmos defeitos e pecados que nos mancham a nós.

Em segundo lugar, a certeza de que “é por meio da Igreja que se dá a conhecer... a sabedoria de Deus”. Faz-nos bem sentir que somos o que Deus nos chama a ser na Igreja, que a obra não é nossa, mas de Deus, e que somos servos da mesma Igreja, daquela que é o sacramento eficaz da realização da obra de Deus. Passar da auto-referência para a eclesio-referência leva-nos a estar abertos à comunhão na mesma fé, na mesma doutrina e nas mesmas referências pastorais iluminadas pelo Espírito Santo e discernidas nos caminhos de sinodalidade.

Em terceiro lugar, a disponibilidade para que “Cristo habite pela fé nos nossos corações”. Passar de uma compreensão do ministério como uma função e da própria Igreja como uma estrutura humana para o ministério como o serviço de Cristo e para a Igreja como mistério de comunhão, conduz-nos a viver da fé como cristãos, como diáconos e como presbíteros. A nossa conversão exige-nos estar em Cristo como a verdadeira raiz da nossa identidade e como o único que deve configurar a nossa ação.

Em último lugar, Paulo diz-nos que havemos de viver “profundamente enraizados na caridade”, que é o amor de Deus, revelado por Jesus Cristo. Remete-nos, com certeza, para o programa de vida cristã e sacerdotal, que será a marca da nossa fidelidade, ou seja, para aquela caridade que é paciente e benigna, que não é invejosa, nem altiva, nem orgulhosa, que não é inconveniente nem procura o próprio interesse, que não se irrita nem guarda ressentimento, que não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade, que tudo desculpa, tudo crê, tudo espera e tudo suporta (cf 1 Cor 13, 4-7). Grande é o convite para que vivamos em tudo e sempre na caridade, especialmente no exercício do ministério que nos foi confiado em favor dos irmãos e nas relações que vivemos entre nós, aqueles que Cristo amou, escolheu, chamou e enviou a “manifestar a todos como se realiza o mistério escondido, desde toda a eternidade”.

A vida cristã, em geral, e a vida dos pastores, em particular, é a nossa única fonte de alegria e de esperança, mas está também recheada de sacrifícios e dores, quando assumida com fidelidade e amor. É caminho de cruz a apontar para alvores de ressurreição.

Guardemos este tesouro nos vasos de barro, que somos. Tenhamos a humildade de ir à frente, embora reconhecendo que somos os últimos, tenhamos a ousadia de “primeirear”, como discípulos missionários “que se envolvem, que acompanham, que frutificam e festejam... que tomam a iniciativa!”, como nos disse o papa Francisco na Evangelii gaudium (24).

Temos um lugar no coração de Cristo, o Bom Pastor, e teremos também lugar no coração uns dos outros como pastores, na comunhão de fé e de missão a que nos chamou.

Mealhada, 11 de junho de 2021
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

 

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