COMUNIDADE DE DISCÍPULOS CORRESPONSÁVEIS - Nota Pastoral para o ano 2015-2016

NOTA PASTORAL 2015-2016

 COMUNIDADE DE DISCÍPULOS CORRESPONSÁVEIS

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

O ano pastoral de 2015-2016, o terceiro de realização do Plano Pastoral dado à Diocese de Coimbra, tem como tema central Comunidade de Discípulos Corresponsáveis. Conscientes de que a Igreja Diocesana é comunidade em caminho, com passado, presente e futuro, esperamos a adesão de todos os seus membros e comunidades, para que sintonizemos com o ritmo do Concílio Vaticano II, o grande momento do Espírito Santo, que nos legou uma convicção mais viva acerca da corresponsabilidade eclesial.

Como introdução geral ao Plano Pastoral apresentei a todos uma Carta Pastoral, intitulada Comunidade de Discípulos para o Anúncio do Evangelho, que traçou as linhas de base para a ação ao longo destes três anos. Nesse primeiro ano centrámo-nos na concretização do primeiro objetivo do Plano: Proporcionar o encontro pessoal com Cristo através do primeiro anúncio. Para além de tomarmos consciência de que são muitos aqueles que precisam de acolher um primeiro anúncio da fé, realizaram-se ações variadas no sentido de lhes proporcionar esse encontro pessoal e marcante com Cristo, que está na origem da caminhada dos que aceitam o desafio de ser seus discípulos.

O ano passado, para sublinhar a missão fundamental da Igreja, escrevi uma Nota Pastoral subordinada ao tema Comunidade de Discípulos Missionários. Impulsionados pela palavra do Papa Francisco na Exortação Apostólica A Alegria do Evangelho, voltámos à experiência fundamental do Novo Testamento, onde todo o discípulo de Jesus sente o impulso evangelizador, ou seja, o impulso missionário. Procurámos, por isso, implementar de forma especial o segundo objetivo do Plano Pastoral: criar o dinamismo de discipulado missionário.

No ano em que agora entramos, pretendemos fazer caminho de concretização do terceiro e quarto objetivos do Plano Pastoral, a saber: desenvolver nos cristãos o sentido de pertença eclesial; e fomentar a corresponsabilidade pastoral nas unidades pastorais. Trata-se de duas realidades estreitamente ligadas, uma vez que, da consciência de pertença à Igreja nasce em todo o cristão a disponibilidade para se assumir ativamente corresponsável na sua construção. Dado que estamos num processo de reflexão acerca das estruturas eclesiais mais aptas para a realização da missão da Igreja no contexto atual, daremos um lugar de destaque à criação das unidades pastorais, um dos lugares de vivência concreta da corresponsabilidade pastoral.

Inspira-nos a palavra de S. Paulo, que nos convida a trabalhar para o crescimento do Corpo de Cristo de uma forma ajustada e harmoniosa, quando diz: “É a partir dele (Cristo) que o Corpo inteiro, bem ajustado e unido, por meio de toda a espécie de junturas que o sustentam, segundo uma força à medida de cada uma das partes, realiza o seu crescimento como Corpo, para se construir a si próprio no amor” (Ef 4, 16)

Este tema de grande atualidade encontra a sua especial fundamentação no Concílio Vaticano II que, por meio da Constituição Dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium, foi protagonista de uma nova forma de entender a Igreja, o sentido de pertença dos seus membros, e a sua responsabilidade na ação dentro da comunidade e no mundo.

Grande passo constituiu também o Decreto sobre o Apostolado dos Leigos, Apostolicam actuositatem, do mesmo Concílio Vaticano II, por valorizar os leigos, a grande massa do Povo de Deus, e o seu papel na construção da Igreja e transformação evangélica das realidades temporais.

Outros documentos posteriores explicitaram aspetos dessa nova perspetiva, sendo um dos mais importantes a Exortação Apostólica Pós-Sinodal de João Paulo II, Vocação e Missão dos Leigos na Igreja e no  Mundo, de 1987, que reúne a reflexão, os desafios e o caminho já feito depois do Concílio.

A este propósito e de forma sintética, o Papa Bento XVI confiou um grande desafio à Igreja em Portugal, dizendo: “A palavra de ordem era, e é, construir caminhos de comunhão. É preciso mudar o estilo de organização da comunidade eclesial portuguesa e a mentalidade dos seus membros para se ter uma Igreja ao ritmo do Concílio Vaticano II, na qual esteja bem estabelecida a função do clero e do laicado, tendo em conta que todos somos um, desde quando fomos batizados e integrados na família dos filhos de Deus, e todos somos corresponsáveis pelo crescimento da Igreja” (BENTO XVI, Discurso aos Bispos da Conferência Episcopal Portuguesa por ocasião da visita ad limina apostolorum, 2007).

A partir desta palavra programática do Papa Bento XVI, acolhida pela Conferência Episcopal Portuguesa e pela nossa Diocese de Coimbra, que deu origem a uma séria reflexão intitulada Repensar a pastoral da Igreja em Portugal, proponho agora esta Nota Pastoral para o ano de 2015-2016.

 

Ao anunciar o Jubileu da Misericórdia, que terá lugar de 8 de dezembro de 2015 a 20 de novembro de 2016, o papa Francisco, na Bula Misericordiae vultus, recorda o grande acontecimento do Espírito que foi o Concílio Vaticano II, dizendo: “A Igreja sente a necessidade de manter vivo aquele acontecimento. Começava então, para ela, um percurso novo da sua história. Os Padres, reunidos no Concílio, tinham sentido forte, como um verdadeiro sopro do Espírito, a exigência de falar de Deus aos homens do seu tempo de modo mais compreensível. Derrubadas as muralhas que, por demasiado tempo, tinham encerrado a Igreja numa cidadela privilegiada, chegara o tempo de anunciar o Evangelho de maneira nova. Uma nova etapa na evangelização de sempre. Um novo compromisso para todos os cristãos de testemunharem, com mais entusiasmo e convicção, a sua fé. A Igreja sentia a responsabilidade de ser, no mundo, o sinal vivo do amor do Pai”.

Com a misericórdia de Deus como pano de fundo de toda a nossa vida diocesana deste ano, ganharemos uma nova paixão pela renovação da Igreja para que ela seja um verdadeiro rosto de misericórdia para o mundo. O testemunho da fé com mais entusiasmo e mais convicção, dará um novo impulso à «nova evangelização» e um novo estilo a todas as estruturas eclesiais que queremos renovar para melhor servirem o desígnio salvífico de Deus.

 

 

2. CONSTRUIR CAMINHOS DE COMUNHÃO

 

Igreja, mistério de comunhão

O grande desafio deixado pelo Concílio Vaticano II, que ainda estamos longe de alcançar, consiste em construir caminhos de comunhão, pois esta constitui o mistério da Igreja, segundo a célebre frase de S. Cipriano, citada pela Lumen Gentium, 4: a Igreja Universal constitui “um povo unido pela unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo”.

Há um dinamismo trinitário e espiritual que nos envolve e nos revela todo o mistério de comunhão que vincula o Senhor com os seus discípulos, Cristo com os batizados. É uma comunhão viva e vivificante pela qual os cristãos deixam de pertencer a si mesmos para se tornarem membros de Cristo, propriedade de Cristo.

“A comunhão dos cristãos com Jesus tem por modelo, fonte e meta a mesma comunhão do Filho com o Pai no dom do Espírito Santo: unidos ao Filho no vínculo amoroso do Espírito, os cristãos estão unidos ao Pai” (Christifideles laici, 18).

É desta comunhão dos cristãos com Cristo que brota a comunhão dos cristãos entre si: todos são vides de uma única videira que é Cristo. Esta comunhão fraterna é o reflexo e a misteriosa participação na vida íntima do Pai, do Filho e do Espírito Santo, pela qual Jesus reza: “que todos sejam um, como Tu, ó Pai, estás em Mim e Eu em Ti, que também eles estejam em nós” (Jo 17, 21) (cf. CL 18).

Acontece que, quando nos definimos como Igreja, usando qualquer uma das imagens bíblicas, como Povo de Deus, Corpo de Cristo, comunidade dos filhos de Deus, fica frequentemente na sombra a realidade mais profunda da comunhão com Cristo e, por Ele, com a Santíssima Trindade. A identidade da Igreja enquanto mistério de comunhão é, facilmente, substituída pela compreensão da Igreja como comunidade humana de homens e mulheres que passaram por um ritual de incorporação, pela Igreja enquanto estrutura organizada segundo um conjunto de regras, pela Igreja sociedade constituída por pessoas que acreditam em Jesus Cristo e se identificam com um conjunto de valores espirituais, morais e humanos de matriz judeo-cristã.

Embora a Igreja Católica tenha todas estas marcas impressas no rosto visto pelo mundo, a sua identidade mais profunda, da ordem do invisível, consiste em ser mistério de comunhão com Deus.

Esta comunhão nasce em primeiro lugar da Palavra de Deus e dos Sacramentos: o batismo como porta e fundamento da comunhão na Igreja, e a eucaristia como fonte e cume de toda a vida cristã, pois a comunhão do Corpo de Cristo eucarístico significa e realiza a comunhão de todos os fiéis no Corpo de Cristo, que é a Igreja (cf. Christifideles laici 19)).

Em segundo lugar, a comunhão da Igreja é sempre comunhão dos Santos, numa dupla vertente: a incorporação dos cristãos na vida de Cristo; e a circulação dessa vida entre os fiéis, no tempo em que agora vivem e, depois, na eternidade. Trata-se da união a Cristo e em Cristo, e da união entre os irmãos, em Igreja.

Torna-se, assim, bem clara a diferença entre falar do mistério da comunhão eclesial neste sentido teológico e falar de qualquer outra forma de união ou comunhão entendida em sentido psicológico ou sociológico. Falar de Igreja-comunhão é, por isso, falar do plano divino de salvação da humanidade, é falar da Igreja como o sacramento, o sinal e o instrumento da união com Deus e da unidade de todo o género humano.

Construir caminhos de comunhão significa fazer este percurso doutrinal rompendo com tantas formas distorcidas de entender a Igreja; significa igualmente assimilar a eclesiologia do Concílio Vaticano II para fazer dela realidade vivificante da comunidade cristã e tirar dela todas as consequência para o modo de ser e agir da Igreja.

 

 

3. ESTILO DE ORGANIZAÇÃO DA COMUNIDADE

 

No seu discurso programático atrás citado, o Papa Bento XVI falou-nos da necessidade de desenvolver um novo estilo de organização da comunidade cristã e uma nova mentalidade para sermos uma Igreja ao ritmo do Concílio Vaticano II.

A Diocese de Coimbra já deu passos muito significativos a este respeito: criou o Conselho Presbiteral e o Conselho Pastoral Diocesano; incentivou a criação dos Conselhos Pastorais Paroquiais; promoveu a participação laical tanto nos ministérios, serviços e funções dentro da comunidade cristã, como na inserção no mundo; realizou o Congresso de Leigos, em 1992, e o XII Sínodo Diocesano, em 1999, dois momentos altos da reflexão e do acolhimento do novo rosto da Igreja conciliar. Há ainda um longo caminho a percorrer para que realizemos de forma mais adequada a renovação proposta há cinquenta anos.

Dos vários aspetos enunciados pela eclesiologia do Concílio Vaticano II, destacarei alguns que têm uma importância maior no momento de pensarmos o novo estilo de organização da comunidade eclesial.

 

Igreja, Povo de Deus

 Somos herdeiros de uma mentalidade comum que começa por afirmar a essencial diferença entre os membros da Igreja, que insiste na hierarquização dos ministérios e vocações e, sobretudo, na subordinação real e concreta do laicado ao ministério ordenado.

Ao oferecer a doutrina de sempre acerca da relação entre sacerdócio comum dos fiéis e sacerdócio ministerial, a Lumen gentium não pretende acentuar a diferença, mas a unidade e comunhão de todos os membros do Povo de Deus, quando diz: “O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico, embora se diferenciem essencialmente e não apenas em grau, ordenam-se mutuamente um ao outro; pois um e outro participam, a seu modo, do único sacerdócio de Cristo” (Lumen gentium 10).

Mais adiante, no capítulo sobre os leigos, declara efetivamente aquilo que lhes é comum: “Um só é, pois, o Povo de Deus: «um só Senhor, uma só fé, um só Baptismo (Ef 4, 5); comum é a dignidade dos membros, pela regeneração em Cristo; comum a graça de filhos, comum a vocação à perfeição; uma só salvação, uma só esperança e uma caridade indivisa” (Lumen gentium, 32).

Embora usemos frequentemente a expressão Povo de Deus para falar da Igreja e insistamos na afirmação da igual dignidade de todos os seus membros, continuamos a agir nas comunidades cristãs com base numa dicotomia que atribui a uns responsabilidade e, porventura mesmo, poder sobre os outros. Deste modo, a escassa minoria de ministros ordenados continua a ter sobre os seus ombros a imensa maioria de responsabilidade no que toca à construção das comunidades cristãs.

Ao pensarmos o estilo de organização da comunidade cristã nos seus diferentes níveis ou expressões, como são a diocese e a paróquia, mas também o arciprestado e a unidade pastoral, as estruturas de serviço litúrgico, evangelizador, caritativo ou outras, temos de partir desta afirmação da igual dignidade de toda a família de Deus, constituída em povo, numa comunhão orgânica segundo a qual todos se orientam para os outros.

 

Unidade e diversidade de dons, carismas e ministérios

A Bíblia usa diversas imagens para nos falar da realidade da Igreja-comunhão, enquanto comunhão dos cristãos com Cristo e dos cristãos entre si. As imagens do redil, do rebanho, da videira, do edifício espiritual, da cidade santa… O Concílio Vaticano II repropõe particularmente a imagem do Corpo, a partir dos escritos de S. Paulo e a imagem de Povo de Deus, enquanto corpo vivo e atuante por meio da diversidade e complementaridade das vocações, condições de vida, ministérios, carismas, responsabilidades e funções.

É fundamental esta consciência de que dons, carismas e ministérios têm a sua origem no Espírito Santo em ordem à comunhão, vida e missão da Igreja. Sejam eles quais forem, nunca são um suplemento de dignidade, mas sempre uma especial e complementar habilitação para o serviço. Existem sempre na comunhão e para a comunhão eclesial, fundada na comunhão trinitária.

Todo o ministério na Igreja é participação no ministério de Jesus Cristo, o Bom Pastor, que dá a vida pelas suas ovelhas.

É importante que colhamos de Jesus, cheio de ternura pela humanidade, as principais intuições que hão de orientar a vida daqueles que são chamados a um serviço ministerial na Igreja. É a partir deste olhar de Cristo que ganha sentido toda a ação evangelizadora, todo o serviço da Igreja a uma humanidade perdida, que procura caminhos de vida, mas embate constantemente com caminhos de desagregação e de morte.

O olhar misericordioso de Jesus Cristo, que vê os homens como ovelhas sem pastor, suscita toda a ação eclesial de serviço ao mundo como colaboração com essa única missão. Não é necessária uma Igreja que se situa no centro da realidade e pretende, numa atitude proselitismo, agregar a si cada vez mais pessoas, para oferecer estatísticas favoráveis. É necessária uma Igreja que, de forma humilde, e como serva da comunhão e da unidade, se dá, se sacrifica, se dispõe a perder em números, em reputação, em tudo, para ser Sacramento da Salvação Universal.

Para Jesus Cristo, mais do que o Pastor contam as ovelhas; mais do que a sua vida, conta a vida dos outros; mais do que a sua pessoa, conta a pessoa daqueles que o Pai quer salvar. Não pode ser de outra forma para a Igreja com todos os seus membros.

Esta identificação com Cristo exige uma contínua atitude de conversão da mente e do coração, sem a qual não se chega a querer para a Igreja e para o mundo o que o Senhor e único Pastor quer para eles.

A partir do Novo Testamento sabemos que, desde o início, os ministérios, os dons e as funções eclesiais são variados, mas estão todos e sempre ao serviço da mesma finalidade: a “edificação do Corpo de Cristo, até que cheguemos todos à unidade da fé e do conhecimento do Filho de Deus, ao estado do homem perfeito, à medida da estatura completa de Cristo” (Ef 4, 7).

Toda a identidade cristã encontra precisamente na Santíssima Trindade a sua fonte, uma vez que todo o cristão se define por ser chamado a viver a comunhão com Deus enquanto realidade constitutiva do seu ser de cristão, e a manifestá-la e comunicá-la na história – dimensão missionária. É na Igreja, mistério de comunhão trinitária em tensão missionária, que se revela toda a identidade cristã de cada um.

Também neste caso havemos de retirar todas as consequências para definir o estilo de organização das nossas comunidades cristãs: somos comunidade enriquecida com dons, carismas e ministérios em função da santidade de todo o Povo de Deus e da salvação do género humano.

 

Igreja, família dos filhos de Deus: clérigos e leigos

Uma das questões mais relevantes para a Igreja de hoje tem a ver com o lugar que nela ocupam os clérigos e os leigos, com a clarificação da identidade de uns e outros, com o modo como agem, se relacionam e cooperam ao serviço da comunidade cristã.

Como referiu o Papa Francisco na Evangelii gaudium, 102, “A imensa maioria do povo de Deus é constituída por leigos. Ao seu serviço, está uma minoria: os ministros ordenados. Cresceu a consciência da identidade e da missão dos leigos na Igreja. Embora não suficiente, pode-se contar com um numeroso laicado, dotado de um arreigado sentido de comunidade e uma grande fidelidade ao compromisso da caridade, da catequese, da celebração da fé. Mas, a tomada de consciência desta responsabilidade laical que nasce do batismo e da confirmação não se manifesta de igual modo em toda a parte; nalguns casos, porque não se formaram para assumir responsabilidades importantes, noutros por não encontrarem espaço nas suas Igrejas particulares para poderem exprimir-se e agir por causa dum excessivo clericalismo que os mantém à margem das decisões”.

Todos filhos de Deus e membros da Igreja, tanto clérigos como leigos hão de sentir-se irmãos com vocações diferentes, mas orientadas para o mesmo bem de todo o Povo de Deus, sem necessidade de laicizar os sacerdotes ou de clericalizar os leigos.

Nos bispos e presbíteros, seus colaboradores, está presente o Senhor Jesus Cristo, pois são ministros de Cristo e dispensadores dos mistérios de Deus. Cabe-lhes, em nome de Cristo, anunciar a Palavra de Deus a todos os povos, administrar aos crentes os sacramentos da fé, incorporar novos membros ao Corpo de Cristo, orientar o Povo de Deus e apascentar o rebanho que lhes foi confiado (cf. Lumen gentium 21).

Leigos são “os fiéis que, incorporados em Cristo pelo Batismo, constituídos em Povo de Deus e tornados participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética e real de Cristo, exercem, pela parte que lhes toca, a missão de todo o Povo cristão na Igreja e no mundo” (Lumen gentium 31).

Cabe aos leigos procurar o Reino de Deus, ocupando-se das realidades temporais para as ordenar e transformar segundo Deus. Vivem no mundo, onde procuram, por meio do testemunho de vida e conduzidos pelo espírito evangélico, santificar o mesmo mundo, agindo como fermento no meio da massa.

Os leigos são também chamados a dar o seu contributo para o crescimento e santificação da Igreja, juntamente com todos os outros fiéis cristãos. Por meio do chamado apostolado dos leigos, “todo e qualquer leigo, pelos dons que lhe foram concedidos, é ao mesmo tempo testemunha e instrumento vivo da missão da própria Igreja” (Lumen gentium 33).

A Igreja do Concílio Vaticano II é, sem dúvida, a Igreja onde se valoriza e reconhece a dignidade de cada vocação como dom de Deus para o bem de todo o Povo. Este caminho já iniciado precisa de ter continuidade e não pode ser interrompido, pois, como disse a Lumen Gentium, “Muitos bens se devem esperar destas relações confiantes entre leigos e pastores: é que assim se fortalece nos leigos o sentido da própria responsabilidade, fomenta-se o seu empenho e mais facilmente se associam nas suas energias à obra dos pastores” (37).

No momento de pensar o estilo de organização da comunidade eclesial, havemos de partir da consciência de que somos a Igreja onde há diversas vocações, que participam da mesma dignidade dos filhos de Deus recebida no batismo e na confirmação. Neste sentido, não somos uma Igreja clerical nem laical, mas somos Igreja Povo de Deus onde cada um tem o lugar que lhe é próprio de acordo com o dom que recebeu.

 

 

4. CORRESPONSÁVEIS PELO CRESCIMENTO DA IGREJA

 

Tudo aquilo que se faz na Igreja e que a Igreja faz no sentido de conduzir o Povo de Deus às fontes da salvação, como a evangelização do mundo, a santificação dos fiéis, a construção da comunidade cristã, tem como sujeito a própria Igreja e inclui todos os seus membros, numa perspetiva de complementaridade e de respeito pela vocação e estado de vida de cada um.

A corresponsabilidade pastoral não nasce de nós, da nossa generosidade ou espírito de serviço, mas nasce de Cristo, é ação de Cristo, Pastor do seu povo, na Igreja e através da Igreja. Ser corresponsáveis significa aceitar a proposta que nos é feita de partilhar a missão de Cristo, Pastor da Igreja. A corresponsabilidade pastoral tem os seus fundamentos numa outra corresponsabilidade mais abrangente, a corresponsabilidade eclesial.

Toda a corresponsabilidade na Igreja nasce da comunhão eclesial que “se configura mais precisamente, como uma comunhão «orgânica», análoga à de um corpo vivo e operante: ela, de facto, caracteriza-se pela presença simultânea da diversidade e da complementaridade das vocações e condições de vida, dos ministérios, carismas e responsabilidades” (Christifideles laici 20).

Todos os membros da Igreja são chamados a dar o seu contributo para a edificação do Corpo de Cristo, numa atitude de responsabilidade que é ao mesmo tempo um direito e um dever. Tanto os ministros ordenados como os leigos ou aqueles que receberam o dom para uma especial consagração na vida religiosa ou secular devem sentir-se harmoniosamente integrados, dando aquilo que receberam e pondo ao serviço dos outros a sua reflexão, a sua espiritualidade, a sua fé e a sua ação.

S. Paulo desenvolveu abundantemente esta doutrina, depois acolhida pelo Concílio, quando aplicou à Igreja a imagem do Corpo constituído por muitos membros diferentes: assim como todos os membros do corpo humano, apesar de serem muitos, formam no entanto um só corpo, assim também os fiéis em Cristo (cf. 1 Cor 12, 12).

Apesar de hoje se usar a expressão corresponsabilidade pastoral sobretudo para falar dos leigos e os chamar a assumir a vocação e missão que lhes assistem enquanto membros do Povo de Deus, ela tem de usar-se para falar de todos, incluindo os consagrados e os ministros ordenados. De facto, o mesmo dever nasce para todos da mesma condição de cristãos, da comum vocação de filhos de Deus, do mesmo batismo e igual pertença à Igreja. De forma clara, o Concílio explica que, apesar da diversidade “reina, porém, igualdade entre todos quanto à dignidade e quanto à atuação, comum a todos os fiéis, em favor da edificação do corpo de Cristo” (Lumen gentium 32).

É doutrina da Tradição da Igreja a afirmação de que a missão de Cristo, sacerdote, profeta e rei, continua na Igreja e de que todo o Povo de Deus participa nesse tríplice múnus.

Deste modo, à sua maneira, tanto os ministros ordenados como os leigos participam do múnus sacerdotal “pelo qual Jesus se ofereceu a Si mesmo sobre a cruz e continuamente se oferece na celebração da Eucaristia para glória do Pai e para salvação da humanidade”; participam do múnus profético, que os “habilita e empenha a aceitar, na fé, o Evangelho e a anunciá-lo com a palavra e com as obras”; participam do múnus real, “sobretudo no combate espiritual para vencerem dentro de si o reino do pecado, e depois, mediante o dom de si, para servirem, na caridade e na justiça, o próprio Jesus presente em todos os seus irmãos, sobretudo nos mais pequeninos” (Christifideles laici 14).

 

5. DIMENSÕES DA CORRESPONSABILIDADE PASTORAL

 

Corresponsabilidade na liturgia

A renovação da liturgia promovida pelo Concílio ensinou-nos que as ações litúrgicas são celebrações da Igreja e que “por isso, tais ações pertencem a todo o Corpo da Igreja, manifestam-no, atingindo, porém, cada um dos membros de modo diverso, segundo a variedade de estados, funções e participação atual” (Lumen gentium 26).

Nesse sentido, entende-se que todos são, a seu modo, participantes da mesma ação, que manifesta a unidade da Igreja celebrante. Por isso, na liturgia, cada um deve exercer o seu ofício e fazer tudo e só o que é da sua competência (cf. Sacrosanctum concilium 28).

O próprio conceito de ministério litúrgico alargou seu significado e passou a incluir todo o múnus específico exercido na celebração, por parte dos servem ao altar, dos leitores, dos comentadores, dos membros do grupo coral, dos que distribuem aos fiéis a sagrada comunhão ou outros (cf. Sacrosanctum concilium 29).

A dimensão litúrgica constitui uma daquelas em que se fizeram mais progressos entre nós, na sequência da renovação conciliar. De facto, como reconheceu quase duas décadas mais tarde a Exortação Apostólica Sobre a Vocação e Missão dos Leigos na Igreja, “os próprios fiéis leigos, tomando mais viva consciência das tarefas que lhes pertencem na assembleia litúrgica e na sua preparação, tornaram-se largamente disponíveis no seu desempenho: a celebração litúrgica, com efeito, é uma ação sagrada, não só do clero, mas de toda a assembleia. É, portanto, natural que as tarefas que não são exclusivas dos ministros ordenados, sejam desempenhadas pelos fiéis leigos. Torna-se assim espontânea a passagem de um efetivo envolvimento dos fiéis leigos na ação litúrgica para o anúncio da Palavra de Deus e para a cura pastoral” (Christifideles laici 23).

A maior beleza e expressividade da celebração litúrgica encontra-se precisamente numa assembleia em que todos participam ativamente na sua realização, exercendo os ministérios que lhes foram confiados, sejam os que nascem do sacramento da Ordem, sejam os que brotam dos sacramentos da iniciação cristã.

A Igreja reconhece hoje muitos casos em que é necessário conferir aos leigos ofícios, funções e ministérios ligados ao ministério dos pastores, que não exigem o sacramento da Ordem. Desse modo, podemos contar com um elevado número de homens e mulheres que realizam uma ação verdadeiramente notável em comunhão com os pastores da Igreja, fazendo chegar a Palavra de Deus e a comunhão eucarística a muitos que de outra forma ficariam privados desse alimento da fé e da vida. Do mesmo modo, em casos onde a escassez de sacerdotes é grande, pode hoje contar-se com os leigos devidamente mandatados para orientar a assembleia dominical, para acompanhar as exéquias cristãs e mesmo para batizar ou assistir em nome da Igreja ao sacramento do matrimónio.

 

Corresponsabilidade na evangelização

A missão da Igreja consiste em evangelizar. “Cada um dos batizados, independentemente da própria função na Igreja e do grau de instrução da sua fé, é um sujeito ativo de evangelização, e seria inapropriado pensar num esquema de evangelização realizado por agentes qualificados enquanto o resto do povo fiel seria apenas recetor das suas ações” (Evangelii gaudium 120).

A nova evangelização deve implicar um novo protagonismo de cada um dos batizados. Nenhum cristão está fora desta missão comum, pois todo o que recebe a Boa Nova da salvação e se torna discípulo de Jesus Cristo é evangelizador ou missionário. Todo o cristão é discípulo-missionário, como tem ensinado o Papa Francisco.

Na Nota Pastoral que introduziu o passado ano pastoral, intitulada Comunidade de discípulos missionários, procurei evidenciar a importância da evangelização ao serviço do encontro pessoal com Cristo, da abertura da porta da fé aos que estavam longe, do crescimento da Igreja pela aquisição de novos filhos e da renovação das comunidades cristãs.

A evangelização reveste-se de diversas modalidades, é tarefa de todos e acessível a todos os que se encontraram com Cristo como o tesouro das suas vidas. Desde o testemunho pessoal, por palavras e por obras, passando pela transformação da sociedade onde o cristão é sal, fermento e luz, até às formas organizadas pela comunidade cristã e que fazem parte do seu projeto contextualizado no espaço e no tempo, da iniciativa pessoal à iniciativa comunitária, em momentos programados ou nas circunstâncias quotidianas de vida, são inúmeras as possibilidades e os desafios à evangelização.

As comunidades cristãs, de forma orgânica, com agentes devidamente formados na teologia e na pedagogia, dando lugar à novidade que o Espírito Santo sempre traz à Igreja, devem responder alegre e entusiasticamente ao mandato do Senhor, que envia os seus discípulos a anunciar a Boa Nova a todos os povos da terra.

 

Corresponsabilidade na caridade

A caridade cristã faz parte integrante da missão da Igreja e, sem ela, soam a vazio as palavras, os gestos, os rituais, o culto e as congregações da assembleia comunitária, particularmente para a celebração da Eucaristia, o sacramento da comunhão e da partilha, tal como conclui o Apóstolo no hino à caridade: “se não tiver caridade, nada sou” (1 Cor 13, 2).

O Papa Bento XVI, na Encíclica Deus caritas est, 20, sintetizou a doutrina sobre a corresponsabilidade na caridade, dizendo: “o amor do próximo, radicado no amor de Deus, é um dever antes de mais para cada um dos fiéis, mas é-o também para a comunidade eclesial inteira, e isto a todos os seus níveis: desde a comunidade local passando pela Igreja particular até à Igreja universal na sua globalidade. A Igreja também enquanto comunidade deve praticar o amor”.

O nosso tempo é testemunha de um novo dinamismo caritativo da Igreja, não como um suplemento periférico da sua ação no mundo e em favor da humanidade, mas como um imperativo da fé, da comunhão com Deus e com os irmãos.

O facto de o Papa Francisco trazer de novo à Igreja o grande apelo evangélico do serviço aos pobres deste mundo, contribuiu muito para que nos sintamos mais corresponsáveis na caridade.

Por outro lado, na Evangelii gaudium, o Papa Francisco ajudou-nos a compreender que o termo caridade tem uma amplitude de significado muito mais vasta do que lhe damos no uso quotidiano. Hoje, caridade significa trabalho pela inclusão social; empenho na prática da justiça; defesa dos direitos humanos; reconhecimento da igual dignidade de todos os povos e pessoas; fomentar o acesso à cultura, à prosperidade, ao desenvolvimento e à civilização; promoção de uma cultura da paz e da vida; fomento da solidariedade entre pessoas e povos, países ricos e pobres, como reconhecimento da função social da propriedade e do destino universal dos bens do mundo.

Se estamos já a trabalhar ativamente na ajuda pessoal e institucional a muitos homens e mulheres materialmente carenciados, por meio da iniciativa privada ou associativa e dos organismos eclesiais, falta-nos em grande parte uma intervenção mais enérgica e profética a outros níveis. Somos possuidores de um autêntico tesouro de sabedoria, que é a Doutrina Social da Igreja, desenvolvida por meio de uma reflexão multisecular e ancorada nas palavras revolucionárias do Evangelho, que é urgente propor a todos os homens de boa vontade.

As comunidades cristãs não podem alhear-se desta dimensão da vida cristã e são convidadas a exercer também aí a difícil missão da corresponsabilidade.

 

Corresponsabilidade na construção da comunidade

A construção da Igreja enquanto comunidade dos fiéis, unidos a Cristo, é tarefa de todos os seus membros, que devem pôr a render os dons que receberam em favor do bem comum. Neste sentido se entende a teologia paulina dos carismas e ministérios, que não adornos pessoais ou para benefício próprio, mas sempre dons para o bem comum e para a edificação da Igreja.

Superada em parte a dicotomia entre a Igreja que ensina e a Igreja que aprende, entre a Igreja que pensa e decide e a Igreja que age, todo o Povo de Deus tem o direito e o dever de participar no processo de discernimento da realidade, na reflexão sobre a vida da Igreja e das comunidades, na tomada das decisões e, depois, na ação.

A sinodalidade constitui um novo modo de ser Igreja, marcado pela capacidade que havemos de ter de fazer caminho juntos, de acordo com o significado da palavra sínodo, fortemente retomada e valorizada pelo Concílio, pela Igreja universal e pelas Igrejas particulares, mesmo entre nós. Todos são necessários, todos têm um lugar e uma missão, todos estão a caminho.

Não se entende uma Igreja que privilegie o ritmo de alguns e esqueça o ritmo de outros, que não procure acertar os ritmos de todos, a fim de que todos e não apenas alguns cheguem à meta: ministros ordenados, consagrados, leigos, movimentos, estruturas – para ser uma Igreja que conta com todos, serve a todos, é de todos e para todos, ou seja, verdadeiramente universal.

 

 

6. CORRESPONSABILIDADE E SENTIDO DE PERTENÇA ECLESIAL

 

Não haverá corresponsabilidade por parte dos fiéis cristãos sem uma correta compreensão do que significa e implica a expressão sentido de pertença eclesial. Quem vê a Igreja como uma entidade a que recorre em algumas ocasiões da vida, como uma instituição da qual pode beneficiar quando precisa de ajuda espiritual, como um grupo para com o qual tem um conjunto de obrigações e deveres, não se empenha nela de coração. Quem não sente a Igreja como a sua casa, como o seu povo, como a sua comunidade de vida, sente-a como um estrangeiro, como uma imposição, como uma repartição, que não só não o compromete como da qual porventura quer libertar-se.

O marcado individualismo da cultura moderna, que entrou também na vida dos cristãos, leva a que muitos não estejam disponíveis para nenhum tipo de compromisso com a Igreja, preferindo ficar livres de todos os laços visíveis, renunciar à sua condição de membros ativos na comunidade cristã. Continuam a dizer-se cristãos e pessoas de fé, mas não se sentem pertença da Igreja.

A crise do compromisso comunitário de que falou o Papa Francisco no capítulo II da Evangelii gaudium, própria das sociedades urbanas modernas, afeta profundamente os cristãos, de tal modo que, sendo muitos os batizados, são poucos os praticantes, são menos os que participam habitualmente na vida da comunidade cristã e se identificam plenamente com a sua doutrina e são em pequeno número os que se comprometem ativamente na missão da Igreja.

Mesmo os que possuem um razoável sentido de pertença à Igreja, têm frequentemente horizontes bastante fechados relativamente ao que isso significa, ficando-se por vezes reduzidos ao pequeno círculo da sua capelinha, da sua paróquia, do seu pequeno grupo ou do seu movimento.

Pertencer à Igreja é algo bem diferente do que pertencer a uma associação, a um clube ou a uma instituição de solidariedade. Estes são organizações humanas que reúnem um grupo de pessoas para dar corpo a um ideário e procurar atingir alguns fins importantes para os seus membros e para a sociedade em geral.

A Igreja é uma instituição fundada por Jesus Cristo, o Filho de Deus, sobre o alicerce dos Apóstolos; é um mistério de comunhão de Deus com os homens; é uma realidade ao mesmo tempo divina e humana, pois, constituída por Deus, tem por alma o Espírito Santo e é povo reunido em Cristo, de que nós somos parte.

Quando se não tem conhecimento claro da identidade da Igreja e do que significa pertencer-lhe, surgem dificuldades e equívocos, sobretudo na relação das paróquias com a Diocese, das capelas com as paróquias; surgem movimentos a reclamar a independência pastoral e administrativa das pequenas comunidades em relação à legítima autoridade; organizam-se programas paralelos que, não rompendo explicitamente com a comunhão eclesial, a debilitam fortemente; surgem pessoas a reclamar direitos relativos à celebração dos sacramentos em circunstâncias, condições e lugares, que respondem mais ao gosto pessoal do que ao sentido comunitário.

 

A diocese

Há que ajudar os cristãos a caminhar no sentido de uma visão ampla da realidade da Igreja e a conhecer a doutrina acerca da relação de comunhão existente entre aquilo a que chamamos Igreja universal, Igreja particular, paróquia, unidade pastoral ou outras formas de realização da única Igreja una, santa, católica e apostólica.

Consciente desta dificuldade, a Exortação Apostólica Sobre a Vocação e Missão dos Leigos na Igreja e no Mundo, recorda que “é absolutamente urgente que os fiéis leigos tenham uma ideia clara e precisa da Igreja particular na sua originária ligação com a Igreja universal”. Depois diz que “A Igreja particular não é o produto de uma espécie de fragmentação da Igreja universal, nem a Igreja universal resulta do simples somatório das Igrejas particulares; mas um laço vivo, essencial e perene as une entre si, enquanto a Igreja universal existe e se manifesta nas Igrejas particulares” (Christifideles laici 25).

De facto, é na Igreja particular ou Diocese que “está verdadeiramente presente e atua a Igreja de Cristo, una, santa, católica e apostólica” (Lumen gentium 23). Nesse sentido, os fiéis “cultivem constantemente o sentido da Diocese, de que a Paróquia é como que uma célula, e estejam sempre prontos, à voz do seu pastor, a juntar as suas forças às iniciativas diocesanas” (Apostolicam actuositatem, 10).

São frequentes os casos em que as comunidades paroquiais vivem fechadas sobre si mesmas, como se, por si mesmas, fossem a realização da Igreja de Jesus Cristo, numa atitude prática de falta do sentido de comunhão e de pertença ao único Povo de Deus.

É, por isso, importante que os fiéis se sintam membros da Igreja diocesana, participem nas suas ações, acolham as suas propostas e planos pastorais, deem o contributo da sua reflexão, conscientes de que, na Igreja mistério de comunhão, nenhuma comunidade pode caminhar por si ou viver fechada no seu pequeno círculo, mesmo que tenha os necessários meios pessoais e materiais para subsistir humanamente. Se for o caso, empenhem-se decididamente nos órgãos diocesanos de participação eclesial, como são o Conselho Pastoral, o Conselho para os Assuntos Económicos ou o Conselho Presbiteral, estejam disponíveis para colaborar na realização dos eventos diocesanos e sintam o coração em sintonia com as outras comunidades espalhadas por toda a Diocese.

 

A paróquia

O mesmo que dissemos da diocese podemos dizer da paróquia, o lugar onde a comunhão eclesial encontra a sua expressão mais imediata e visível, a última localização da Igreja, ou, em certo sentido, a própria Igreja que vive no meio das casas dos seus filhos e das suas filhas (cf. Christifideles laici 26).

A paróquia é, por excelência, o lugar da participação e corresponsabilidade dos fiéis na vida da Igreja, porque ela é o lugar da comunhão mais próxima e da mais visível, efetiva e afetiva afirmação do sentido de pertença. Fundada sobre a Eucaristia, ela não é principalmente uma estrutura ou um território, mas é família de Deus, casa de família fraterna e acolhedora, comunidade de fiéis, comunidade de fé alicerçada no batismo. Ela é uma comunidade orgânica, constituída pelos ministros ordenados e pelos outros fiéis cristãos, dotada de um pároco, que representa o bispo diocesano e estabelece o vínculo hierárquico com a Igreja particular (cf. Christifideles laici 26).

É precisamente na paróquia, aberta à dimensão inter-paroquial ou aos dinamismos da unidade pastoral, que os cristãos hão de manifestar mais claramente o seu sentido de pertença eclesial e participar mais ativamente na construção da Igreja. Por meio do seu trabalho efetivo nos variados setores da vida da paróquia, como são a liturgia, a evangelização, a caridade, a administração e secretariado, eles dão o seu contributo para que a comunidade que é de todos seja construída por todos.

Os cristãos são chamados a dar o seu contributo para definir os melhores caminhos de ação pastoral em ordem à realização local da missão da Igreja por meio do seu conselho, pela partilha dos seus pontos de vista, fazendo uso do conhecimento que têm das realidades humanas, sociais, económicas, políticas ou outras. Neste sentido devem criar-se em toda a parte e valorizar-se como organismos efetivos de participação o Conselho Pastoral Paroquial, o Conselho Pastoral da Unidade Pastoral ou do Arciprestado, propostos pela Igreja, e o Conselho Paroquial para os Assuntos Económicos, de existência obrigatória.

 

 

7. CORRESPONSABILIDADE, SENTIDO DE PERTENÇA E UNIDADES PASTORAIS

 

A criação das unidades pastorais e do correspondente dinamismo de vida das comunidades cristãs constitui um dos principais objetivos atuais a que se propõe a Diocese de Coimbra. Como se trata de uma mudança substancial de mentalidade e de hábitos enraizados durante séculos, é, sem dúvida, uma tarefa portadora de grandes desafios para todos, pastores e leigos. A novidade e a mudança são sempre portadoras de incertezas, exigem sempre desinstalação, renunciar a direitos adquiridos e abertura de coração e de espírito para enfrentar o desconhecido.

O primeiro desafio tem a ver com o exercício da corresponsabilidade, agora num âmbito mais alargado, porque instada a sair para fora do âmbito do pequeno mundo da paróquia, onde todos se conheciam e havia uma ambiente marcado pela familiaridade e proximidade, para passar ao âmbito da unidade pastoral, um mundo mais vasto, ainda sem uma história de ligações e sem relações consolidadas.

O segundo desafio nasce do facto de estarmos diante de uma nova modalidade de concretização do sentido de pertença à Igreja, até agora centrado na paróquia. A unidade pastoral parece a muitos ser um caminho de aniquilação das paróquias e contrariar aquilo que foram as pretensões de um povo ao longo da sua história, recente ou remota, na luta pela autonomia em relação às povoações e paróquias vizinhas.

É importante que aproveitemos este ano de implementação do Plano Pastoral Diocesano para ajudar as comunidades paroquiais a compreender as razões de nível sociodemográfico, teológico e eclesiológico e  sociológico, antropológico e organizativo, expressas no documento de base intitulado Visão Global das Unidades Pastorais (2014), aprovado pelo Conselho Presbiteral da Diocese e que impõem um caminho novo à Igreja de hoje. O conhecimento da realidade e o esclarecimento são os caminhos fundamentais para superar muitas resistências que, naturalmente, existem em todas as frentes.

As presentes circunstâncias da vida da Igreja diocesana, profundamente alterada nas suas caraterísticas tradicionais, e a necessidade de realizar a missão da Igreja de sempre, leva a propor as unidades pastorais como um caminho de futuro, a fim de criar as condições para que a comunidade cristã encontre os meios adequados para realizar a evangelização e a catequese; celebrar dignamente a Eucaristia e os outros sacramentos da fé; desenvolver um verdadeiro programa de caridade fraterna; construir planos consistentes de ação pastoral; encontrar os meios humanos e materiais suficientes para manter as estruturas julgadas necessárias.

Tendo em conta a drástica diminuição do número de sacerdotes que servem a Diocese e também as profundas mudanças demográficas, muitas paróquias corriam o risco de ficar sem o pastor a que têm direito e sem as sinergias internas de que necessitam para progredir no caminho da vida cristã.

A criação do dinamismo das unidades pastorais parece a solução mais adequada, na qual havemos de caminhar progressivamente, mas com determinação, pois permite manter a identidade fundamental de cada paróquia e, a uma escala maior, potenciar os elementos necessários para o crescimento da Igreja. Não restaria outra alternativa senão a supressão de muitas paróquias, com o impacto negativo que isso teria a nível emocional, social, humano e cultural.

Diante da dificuldade de definir as unidades pastorais com uma grande, média ou pequena dimensão, há que continuar a reflexão tendo em conta todos os fatores, como são o território, a população, os meios humanos, as estruturas materiais, o número de sacerdotes, as ligações sociais e culturais existentes na região.

Seguindo a multissecular sabedoria da Igreja, parece mais adequado não dar passos demasiado grandes que criem forças contrárias ou roturas. Comecemos desde já a fazer caminho no âmbito das paróquias atribuídas ao cuidado pastoral do mesmo pároco, considerando-as para todos os efeitos uma unidade pastoral e dotado de um conselho pastoral, de uma equipa de animação pastoral, de um fundo para prover às necessidades materiais comuns.

Comecemos a organizar a vida pastoral da unidade com base num calendário comum, crie-se a equipa coordenadora da evangelização e da catequese, o grupo de ação social e caritativa, o grupo da liturgia; comecemos a fazer por unidade pastoral as ações de formação dirigidas a todos os agentes pastorais; congreguemos desde já as paróquias da unidade pastoral para as grandes celebrações da fé como é o caso do sacramento do Crisma e dos momentos fortes da evangelização das crianças e jovens; aproveitemos todos os meios para criar esta nova mentalidade eclesial segundo a qual a participação e corresponsabilidade dos cristãos passa a ter um âmbito mais alargado do que a paróquia.

O Conselho Pastoral da Unidade Pastoral, constituído por membros representativos dos diversos setores e das diversas paróquias, juntamente com os sacerdotes e diáconos, será o principal órgão de participação e corresponsabilidade.

A Equipa de Animação Pastoral da Unidade Pastoral, de acordo com o Plano Pastoral Diocesano, será “como o motor e trave-mestra de toda a dinâmica e animação pastoral”. É constituída pelo pároco e outros sacerdotes que trabalham na unidade pastoral, os diáconos permanentes, e representantes dos consagrados e leigos; reúne-se regularmente para a oração, discussão e programação da vida da unidade pastoral. Sempre em estreita ligação com o conselho pastoral, ao qual cabe propor o plano pastoral, a Equipa de Animação Pastoral acompanha, dinamiza, anima, programa e avalia tudo o que diz respeito à vida da unidade pastoral. Além de ser um especial meio de exercício da corresponsabilidade eclesial, é também lugar de partilha da solicitude pastoral do pároco e um precioso auxílio ao ministério ordenado.

 

8. CONCLUSÃO

 

Procuremos ao longo deste ano concretizar de forma convicta os III e IV objetivos do Plano Pastoral Diocesano: Desenvolver nos cristãos o sentido de pertença eclesial e Fomentar a corresponsabilidade pastoral nas Unidades Pastorais.

Tenhamos presentes em todas as circunstâncias as Estratégias e sugestão de Atividades ali inscritas, juntamente com a criatividade local, a fim de que a Igreja de Jesus Cristo brilhe como realidade antiga, porque tem uma história de dois mil anos, mas sempre nova, porque conduzida pelo Espírito Santo está sempre em processo de atualização e renovação.

Procuremos percorrer com alegria os caminhos da conversão pastoral que nos levarão a ser Igreja Mistério de Comunhão, onde todos e cada um, no exercício da corresponsabilidade, seremos membros da comunidade cristã de pleno direito e assumiremos os deveres que nascem do batismo que recebemos.

 

A bênção e proteção de Santa Maria de Coimbra, Mãe da Misericórdia, estará connosco. Com ela e “alicerçados em Cristo, formamos comunidades de discípulos para o anúncio do Evangelho”.

 

Coimbra, 6 de agosto de 2015

Virgílio do Nascimento Antunes

Bispo de Coimbra

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