Não vires o rosto aos pobres - Luis Rocha

 “Não vires o rosto aos pobres”

São preocupantes os dados do "Portugal, Balanço Social 2023", da Nova School of Business & Economics, recentemente apresentado, dando nota que o risco de pobreza em Portugal subiu para 17% em 2023, significando mais 60 mil pessoas face ao ano anterior . O número de pessoas a viver em risco de pobreza ultrapassou assim 1,77 milhões, o que significa 1 em cada 5 portugueses.Dá conta ainda que aumentaram as desigualdades de rendimento, apontando que no ano passado "os 25% mais ricos detinham cerca de 47% da riqueza do país, a comparar com os 25% mais pobres, que detinham apenas 10,8%" e que a pobreza era mais comum entre as pessoas desempregadas (41,3%), as famílias monoparentais (29,9%) e as pessoas com níveis de escolaridade mais baixos (21,9%).

 São as mulheres e as crianças os grupos mais vulneráveis a situações de pobreza e exclusão social.Haverá mais de 302 mil menores pobres em Portugal, um numero impressionante, pela escala e pelas consequências futuras. Uma das autoras, Susana Peralta sublinha que "na ausência de qualquer transferência social, sem pensões, sem abono de família, sem rendimento social de inserção, a taxa de pobreza entre as crianças seria de 30%". O que significaria mais de 493 mil crianças pobres. Significa que não temos, como país e sociedade atuado bem e que é urgente tomar medidas, conscientes que nascer e crescer em famílias pobres gera naturalmente uma dura realidade- a transmissão intergeracional da pobreza.

São necessárias certamente mais apoios e transferências sociais, mas mais dirigidos, seletivos e com atenção especial às crianças. É, por exemplo, necessário garantir que todas têm acesso às creches e à educação ( o estudo refere que 8 em cada 10 crianças pobres não têm acesso a uma creche e, entre os 4 e os 7 anos, os mais pobres são os que menos frequentam o pré-escolar) , criando, para todas, oferta gratuita de creche e pré-escolar, respostas integradas de formação e educação dos jovens , sabendo que as competências e qualificações são condição de integração e de sucesso no mercado de trabalho

Não há como negar: esta é uma situação alarmante e uma grave ameaça aos direitos humanos fundamentais. Este é um desafio vital para o futuro, não só destas pessoas envolvidas, mas da própria sociedade.

 O Plano de ação para Combate à Pobreza em Portugal enuncia um conjunto de objetivos meritórios: “Potenciar o emprego e a qualificação como fatores de eliminação da pobreza; reforçar as políticas públicas de inclusão social, promover e melhorar a integração e a proteção de pessoas e grupos mais desfavorecidos; assegurar a coesão territorial e o desenvolvimento local; fazer do combate à pobreza um desígnio nacional”.

Concordamos em absoluto, mas é tempo de passar das declarações de compromisso e boas intenções para a concretização de medidas, iniciativas e ações de política pública, de criação de riqueza e de envolvimento da sociedade, para que os objetivos sejam alcançados, na esperança de termos uma sociedade mais coesa e desenvolvida à luz das preocupações de Justiça e Paz

É tempo da sociedade exigir a  concretização de programas mais estruturados, de longo prazo, com financiamentos sustentáveis, sendo fundamental canalizar os recursos para onde são mais necessários. Mas programas e medidas participados, assentes na auscultação das pessoas e entidades do Terceiro Setor e outras que têm muita experiência de terreno e um papel fundamental no apoio aos mais desfavorecidos. Ainda esta semana, na CDJP de Coimbra, ouvíamos o testemunho de um autarca que diariamente atende e apoia dezenas de pessoas pobres e que apelava ao reforço dos apoios e enaltecia o papel dos Técnicos que ouvem e vivem o desespero de quem não tem dinheiro para a renda, para os medicamentos ou para comer. É preciso ouvir e olhar para cada uma dessas pessoas e interrogar-nos: O que posso eu fazer?

O combate à pobreza é fundamentalmente uma questão de direitos humanos, (afeta a autoestima, afeta a dignidade do ser humano, afeta toda a sociedade) que se interliga certamente com questões políticas, económicas, sociais ou culturais. Não podemos continuar a viver numa sociedade onde a desigualdade é crescente, onde a indiferença e discriminação se afirmam, onde não existe o respeito pelos direitos humanos e o exercício pleno dos direitos e deveres de cidadão.

Este é, pois, o tempo de olhar com particular atenção para os mais pobres assumindo a dimuição da pobreza como missão coletiva inadiável, através de medidas, soluções e caminhos que coloquem o bem comum e a dignidade da pessoa humana no centro das preocupações.

“Não vires o rosto aos pobres” é o apelo do Papa Francisco a cada um de nós.

Luís Rocha – Comissão Diocesana Justiça e Paz

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