Dia de Natal 2024 - Homilia de Dom Virgílio

NATAL DO SENHOR 2024
MISSA DO DIA

Caríssimos irmãos e irmãs!

O Natal do Senhor é um dia muito especial. A pluralidade de sensações e de sentimentos que traz à nossa pessoa, à nossa família e à sociedade, torna-se muito benéfica, porque, apesar de todas as distrações, nos centra no essencial de nós mesmos, das sociedades e da vida. O mundo da interioridade pessoal, no Natal, abre-nos para o mundo das relações humanas e sociais e dificilmente deixa alguém na indiferença em relação ao seu próximo. Se alguém fica fechado em si e não consegue a abertura aos outros como irmãos, o Natal fica por acolher, mesmo que possa celebrar-se com muitas realizações padronizadas entre nós para este período do ano.

O Natal é um tempo de interiorização, de reflexão, de procura do sentido mais profundo das pessoas e das coisas e dá-nos a oportunidade única de reacender as luzes frequentemente apagadas da nossa humanidade, as luzes do coração. É quase impossível passar o Natal sem o confronto interior com a fé, mesmo que os seus sinais sejam mais discretos do que nunca, dada a sobreposição de tantas outras manifestações culturais e sociais nascidas do secularismo acelerado. Mesmo para quem não professa a fé em Deus, este tempo chega carregado de interrogações, de desafios, de inquietações, que apontam para o desejo de superação, de infinito.

A Pessoa de Jesus tal como a narram os Evangelhos, a Palavra ou o Verbo de Deus feito carne, desafia, inquieta, surpreende, inspira caminhos de descoberta interior, oferece possibilidade de um sentido para os nossos anseios do coração. O Evangelho apresenta-O como Verbo de Deus Criador, como vida do homem, como luz da humanidade, mostrando que não nascemos de nós, que não está tudo em nós, que não nos salvamos a nós mesmos, pois é d’Ele que recebemos graça sobre graça.

A experiência do Natal tem sempre duas vertentes. Uma é a experiência da humildade diante do mistério que nos envolve. A humildade não nos diminui em nada, pois está ancorada na humildade de Deus que se faz Homem, assumindo a nossa pobreza e a nossa condição, segundo a narrativa evangélica do nascimento de Jesus no presépio de Belém. Outra é a experiência da glória a que somos chamados, pois abre-nos a porta para a participação na glória de Deus cantada pelos Anjos na noite do nascimento, prefigurando o canto da glória de Cristo Ressuscitado e elevado aos Céus. A experiência do Natal leva-nos a considerar na humildade a nossa condição humana com a esperança da glória a que somos chamados. Vemos em Belém a humildade de Deus que desce até nós, e vemos também os sinais da glória de que nos faz participantes.

 

“Rompei todas em brados de alegria, ruínas de Jerusalém, porque o Senhor consola o seu povo, resgata Jerusalém”, dizia o profeta Isaías, no seu convite a um povo que, estando na ruína, deve alegrar-se com a ação libertadora que está a chegar.

Esta palavra de Isaías leva-nos a pensar em todas as ruínas que povoam as cidades do nosso mundo. Em primeiro lugar, as ruínas físicas, fruto de guerras sem sentido, destruidoras e mortíferas, que ensombram pessoas, famílias e povos. Não há nenhuma explicação racional para tão grandes desastres, senão a falta de humanidade e a desorientação em que se encontra o mundo. Além da solidariedade como resposta à urgência da reconstrução e da redescoberta do amor como o caminho da humanidade, conhecemos o que é um mundo sem justiça, sem igualdade e sem fraternidade.

A contemplação do Deus amor, do Deus Senhor da vida e da morte, do Deus salvador e libertador de todos os povos, oferece-se como vislumbre de uma nova realidade. A fé em Jesus Cristo nascido em Belém é dom que nos leva reconstruir a paz desejada para todos.

A palavra de Isaías leva-nos também a pensar em todas as ruínas espirituais que povoam o coração de tantas pessoas no nosso mundo. Precisamos de reconstruir-nos por dentro e de ajudar os irmãos e irmãs nesse processo de se refazerem interiormente, por vezes o mais difícil, porque não se refaz com dinheiro nem com as pedras que edificam as cidades. Reconstruir a partir das relações renovadas e contando com a presença de Deus, que veio para consolar o seu povo e o resgatar das suas prisões de morte.

O último Sínodo insistiu muito na urgência de refazermos as nossas relações, que consideramos condição para reconstruir o coração das pessoas, das instituições e da sociedade. As relações com Deus, que se aproximou de nós para estabelecer connosco laços de amor, são ponto de partida para muitos, agraciados pela fé; as relações com os outros, são para alguns o princípio de um caminho que pode levar a Deus: de Deus aos irmãos ou dos irmãos até Deus, consoante a diversidade dos percursos, mas sempre à procura do fortalecimento de relações, próprio de quem precisa de ser consolado e de consolar por meio do amor acolhido e partilhado.

No presépio unido ao calvário, temos nós, cristãos, os grandes sinais do palpitar do coração do Pai unido ao coração de Jesus, o Filho, donde procede todo o amor do Espírito Santo. Contemplar este mistério conduz-nos a reconstruir o nosso próprio coração, a refazer todas as nossas ruínas pessoais e a refazer todas as ruínas da humanidade. Pela via da reconstrução do coração encontramos os caminhos da reconstrução de nós mesmos e das nossas relações com Deus e com os irmãos.

Como escreveu o Papa Francisco, “o coração de Cristo é êxtase, é saída, é dom, é encontro. Nele tornamo-nos capazes de nos relacionarmos uns com os outros de forma saudável e feliz, e de construir neste mundo o Reino de amor e de justiça. O nosso coração unido ao de Cristo é capaz deste milagre social” (Dilexit nos, 28).

O Natal de Jesus, contemplado, meditado, acolhido e tornado vida em nós, faz-nos irromper em brados de alegria, faz-nos sentir que há uma esperança que não confunde, nem morre, faz-nos estar com Ele na reconstrução de todas as ruínas, as físicas e as do coração.

Feliz Natal!

Coimbra, 25 de dezembro de 2024
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

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