XXVI DOMINGO COMUM C
ABERTURA SOLENE DO ANO PASTORAL 2016-2017
FESTA DO COMPROMISSO
Caríssimos irmãos e irmãs!
Iniciamos hoje solenemente o novo ano pastoral, um evento que pretende marcar uma nova etapa de acolhimento da fé e de entusiasmo na ação por parte de toda a comunidade diocesana. Em resposta ao convite que vos dirigi, viestes na qualidade de membros vivos e ativos das comunidades paroquiais e representais aqui todos os que professam a mesma fé e se entregam à missão de edificar a Igreja, de acordo com o chamamento, o dom e a graça recebidos.
Somos aqui a Igreja Local ou Diocesana de Coimbra, verdadeira Igreja de Jesus Cristo, na comunhão de todas as Igrejas que têm no Sucessor de Pedro o sinal visível da unidade e da caridade. Estou convosco na condição de cristão e vosso irmão; estou convosco como vosso bispo, sinal da presença do Bom Pastor no meio deste seu povo – onde está o bispo com os presbíteros, diáconos, consagrados e leigos, unidos na comunhão com Cristo, aí está a Igreja, como ensinaram os antigos Padres. Por isso, aqui está a Igreja, mesmo que não estejam todos os seus membros. Sentimo-nos felizes por fazer esta experiência real de ser Igreja de Deus que caminha em Coimbra e agradecemos ser chamados a participar do Corpo de Deus e desta porção do Povo de Deus.
Chamámos a esta celebração Festa do Compromisso. Por um lado, porque vivemos este momento na alegria interior, própria de quem acredita que o Senhor caminha consigo; por outro, porque estamos disponíveis para renovar o compromisso de continuar a oferecer a nossa vida para realizar a visão que, a partir da fé, definimos como nosso grande desafio pessoal e comunitário: “Alicerçados em Cristo, formamos comunidades de discípulos para o anúncio do Evangelho”.
A nossa presença nesta celebração, que teve já a sua introdução nas assembleias em que participámos, tem um significado muito especial. Significa que a palavra e o espírito do Concílio Vaticano II são para nós uma mensagem verdadeiramente profética. Sentimo-nos Igreja, Povo de Deus, em que todos pelo batismo são iguais em dignidade e são corresponsáveis na edificação do Templo Santo.
A nossa vinda à Sé Nova, nesta tarde, constitui também um grande sinal de esperança para a Igreja Diocesana. Deus pode contar connosco e com muitos outros que estão disponíveis nas nossas comunidades para abraçar a missão de evangelizar o mundo com a sua palavra e o seu testemunho de vida.
O que seria a Igreja Diocesana sem vós, sem a vossa alegria de acreditar no Senhor, sem a vossa presença feliz nos lugares de evangelização, sem o vosso testemunho fiel no meio do mundo familiar, laboral, eclesial e social? Em nome da Igreja que, pela graça de Deus, fui chamado a servir, agradeço-vos o que fazeis como servidores do Evangelho, mas acima de tudo o que sois, enquanto homens e mulheres de fé, filhos amados de Deus, membros vivos de Cristo, templos do Espírito Santo.
A Palavra de Deus hoje proclamada é verdadeiramente inspirada e inspiradora. Proponho-vos, agora, três pontos de meditação a partir das leituras escutadas.
“Ai daqueles que vivem comodamente em Sião e dos que se sentem tranquilos no monte da Samaria”. São palavras da Profecia de Amós dirigidas a um povo adormecido na sua religiosidade tradicional, repetitiva, sem alegria nem entusiasmo, incapazes de se deixar renovar interiormente e de transformar a comunidade no sentido da fé, da justiça e do amor.
São palavras que Jesus atualiza, quando depois das bem aventuranças alerta os seus ouvintes contrapondo-lhes fortemente os célebres “ai de vós”, segundo a versão de São Lucas. São palavras que devem ecoar aos nossos ouvidos e agitar os nossos corações e as nossas vidas de cristãos, ministros ordenados ou leigos, comunidades que frequentemente vivem a fé de forma pouco ativa, pouco comprometida e pouco convincente.
O profeta Amós anuncia aos seus ouvintes o exílio iminente, caso não se convertam e não mudem de atitude. Hoje, de acordo com a mensagem evangélica, podíamos falar da ruína a que estamos a conduzir a Igreja, da debandada em relação à fé a que estamos a assistir na comodidade da nossa tradição e na tranquilidade dos nossos hábitos religiosos.
A Igreja em saída a que nos convidou o Papa Francisco na Evangelii Gaudium, como modo de ser da Igreja no tempo presente, é outra forma, igualmente profética de provocar as nossas comunidades cristãs para que saiam da comodidade e da tranquilidade em que se instalaram. O anúncio do Evangelho, dinamismo essencial da fé cristã, exige encontro com Cristo, fé profunda, alegria de crer, entusiasmo de viver, entrega no serviço.
Comunidade cristã que não faz o primeiro anúncio aos que andam longe, que não aprofunda a fé por meio da liturgia, do encontro com a Palavra de Deus, da catequese das crianças, dos jovens e dos adultos, por meio da celebração dos sacramentos, do aprofundamento espiritual, da prática do amor fraterno e da caridade, perde a força renovadora que o Espírito lhe propõe.
Nos tempos que correm não nos basta repetir os modelos de vida eclesial do passado, como se a comunidade humana ainda coincidisse com a comunidade cristã, como se a sociedade se identificasse com a Igreja, como se a fé fosse generalizada. Voltámos a ser pequeno rebanho, desprovido das forças humanas para confiar no poder de Deus; percebemos hoje melhor o que significa levar o grande tesouro em vasos de barro; compreendemos agora o que é a pobreza da sabedoria humana diante da infinita sabedoria de Deus e o que são as glórias humanas, mesmo as da Igreja, face à cruz de Jesus, manifestação da glória de Deus.
“Tu, homem de Deus, pratica a fé e a caridade”. Na Primeira Epístola a Timóteo, entre outros convites, Paulo dirige-lhe este, que resume de forma excelente o que significa ser cristão. Trata-se de viver na fé e na caridade, duas realidades de tal modo entrelaçadas que não pode existir uma sem a outra.
No início do novo ano pastoral, para além dos projetos e planos que a Igreja Diocesana nos oferece, estão os verdadeiros fundamentos de tudo: a fé que nos leva a acreditar no amor de Deus derramado nos nossos corações e que nos conduz a viver na caridade, enquanto sinal da sinceridade da nossa resposta concretizada no amor aos irmãos.
Agradecemos a Deus o texto do Evangelho de São Lucas que hoje nos ofereceu. Ele mostra-nos precisamente o que é uma fé real e comprometida, uma fé que conduz à vida, que não é estéril, mas produz os verdadeiros frutos do Espírito. No contexto do Ano da Misericórdia em que nos encontramos, o Senhor faz-nos chegar ao conhecimento das entranhas do Evangelho em que acreditamos pela fé e leva-nos a vislumbrar os horizontes da ação que nos propõe.
Quando falamos de pastoral não nos referimos simplesmente à realização de um conjunto de ações, ao cumprimento de alguns gestos e rituais nem à definição de meia dúzia de objetivos. Falamos de acolher a fé em Jesus Salvador, em viver n’Ele, deixarmo-nos amar por Ele com um amor misericordioso como só Ele pode amar; falamos de permanecer na comunhão pessoal com Ele, geradora da comunhão com os irmãos; falamos de sentir com a Igreja, Povo que Ele escolheu para ser no mundo sinal da sua vontade de salvar a todos.
Projetos, planos, objetivos, estratégias, ações pastorais, são necessários. Hão-de estar ao serviço da fé no Deus Salvador e ser expressão da caridade com os irmãos. “ Tu, homem de Deus, pratica a fé e a caridade”.
No início deste novo ano pastoral convido-vos a sair da comodidade e tranquilidade em que facilmente nos instalamos enquanto cristãos e a acolher com fé e caridade o dinamismo sinodal que vos proponho. Este dinamismo sinodal, há de fazer-nos sentir que somos Igreja em caminho, Povo de Deus que tem o direito e o dever de participar de forma corresponsável na construção do edifício espiritual.
De acordo com as indicações elaboradas, sois convidados a constituir grupos em que se faça uma avaliação séria do percurso dos últimos três anos e a indicar linhas de ação para o plano pastoral que nos orientará no próximo triénio.
Ao irmos por este caminho estamos a concretizar os desígnios do Concílio Vaticano II, inspiração do Espírito para o nosso tempo, e a realizar o programa que o Papa Francisco nos ofereceu ao dizer: “O mundo, em que vivemos e que somos chamados a amar e servir mesmo nas suas contradições, exige da Igreja o reforço das sinergias em todas as áreas da sua missão. O caminho da sinodalidade é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milénio” (Discurso do Papa Francisco na Comemoração do Cinquentenário da Instituição do Sínodo dos Bispos, 17.10.2015).
Que Nossa Senhora, Mãe de Deus e Mãe da Igreja, nos ensine a pormo-nos a caminho com Cristo e conduza os nossos passos ao longo do ano que agora entregamos nas suas mãos.
Ámen.
Coimbra, Sé Nova, 25 de setembro de 2016
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra