Imaculada Conceição - Homilia de Dom Virgílio Antunes

SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO 2019
CAPELA DE S. MIGUEL – UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Caríssimos irmãos e irmãs!

O Povo de Deus celebra a Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria com fervor e devoção desde há muitos séculos e de forma bem enquadrada no contexto da fé cristã, que tem por centro Jesus Cristo e a sua mensagem de salvação da humanidade.

Em Portugal e a começar por Coimbra, onde se introduziu muito cedo uma doutrina já desenvolvida na Europa cristã, a Solenidade da Imaculada Conceição adquiriu um estatuto que nos levou a um forte enraizamento na fé e na cultura capaz de conduzir o rumo da nossa história. Às portas da celebração do sétimo século do decreto do Bispo de Coimbra, D. Raimundo Evrard, datado de 17 de outubro de 1320 e que institui entre nós a festa litúrgica da Imaculada Conceição, sentimo-nos impulsionados a colher toda a inspiração que ela nos pode trazer para a caminhada que hoje fazemos.

A Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria tornou-se para os cristãos um símbolo da harmonia desejada por Deus para toda a Criação, que inclui as relações com Deus, com o próximo e com a terra. Ela alcançou a maior beleza criada, que inclui a totalidade da sua pessoa na comunhão amorosa com o Criador e com as outras criaturas. Tendo por base o texto profético do livro do Génesis, que hoje ouvimos, e a narração do Evangelho de Lucas acerca da incarnação do Verbo de Deus no seio de Maria, abrem-se à humanidade as portas do mistério da criação e da redenção, realizado por Cristo.

Os atentados contra esta harmonia inscrita por Deus na Criação e profetizada no Proto-Evangelho da Salvação, como se tem chamado ao anúncio feito pelo livro do Génesis, que proclama Eva a mãe de todos os viventes, são muitos, são de todos os tempos e tornam-se mais prementes na atualidade.

O tema da ecologia está hoje na ordem do dia e ninguém lhe pode ser indiferente, pois tornou-se demasiado evidente com base na simples observação e nos dados da ciência, que ultrapassámos os limites da sã e feliz convivência com Deus, com o próximo e com a terra, condição indispensável à vida, dom precioso que recebemos e que havemos de respeitar. Como referiu o Apóstolo Paulo, com palavras que têm ainda pleno sentido e para as quais estamos agora mais despertos, “toda a criação geme e sofre as dores de parto até ao presente”, pois, “entre os pobres mais abandonados e maltratados, conta-se a nossa terra oprimida e devastada” (Papa Francisco, Laudato Si, 2).

Estamos diante de uma encruzilhada de difícil solução. Se fomos matando a natureza de forma irresponsável focados na ânsia de salvar uma parte da humanidade, corremos agora sérios riscos de sacrificar uma parte da humanidade para salvar a natureza. Nem a humanidade nem a natureza são deuses e, por isso, toda e qualquer ideologia conducente a adorar com fervor religioso uma ou outra perverte a realidade. Como ensinou o Papa Bento XVI “o mundo não pode ser analisado concentrando-se apenas sobre um dos seus aspetos, porque «o livro da natureza é uno e indivisível», incluindo entre outras coisas, o ambiente, a vida, a sexualidade, a família, as relações sociais” (Caritas in Veritate de Bento XVI, 51, citada pela Laudato Si, 6).

É o tempo oportuno, talvez tardio, para tomarmos consciência de que somos criaturas e que a terra nos foi dada como casa comum para nela habitarmos, para a guardarmos e protegermos. É o tempo oportuno para agirmos como pessoas livres e responsáveis, mas sempre criaturas inseridas no contexto mais vasto de toda a Criação boa e bela, como refere o autor sagrado na conclusão da narração da ação de Deus ao criar o ser humano, homem e mulher, o vértice da sua obra criadora: “Deus, vendo toda a sua obra, considerou-a muito boa” (Gn 1, 31).

Dentro da sua imensa complexidade, a situação em que nos encontramos não é simplesmente fruto do desenvolvimento, nem somente uma questão económica, política ou científica. Estamos diante das consequências de um caminho percorrido pela humanidade marcado por um conjunto de escolhas imperfeitas e mesmo erradas: nem a terra nos pertence, nem o consumismo nos faz felizes, nem a idolatria da humanidade nos cria melhores condições de vida.

Por detrás do estado de degradação a que chegou o planeta terra está, como nos sugere a primeira leitura, que escutámos, o drama do mau uso da nossa liberdade, a que chamamos desordem ou pecado. Quebramos constantemente a harmonia da Criação, quando nos pomos no lugar de Deus, sendo humanos,, quando desrespeitamos as suas leis e equilíbrios, como se fossemos seus donos, quando agimos de forma egoísta, irresponsável e injusta na relação com o nosso próximo, como se não participássemos todos da mesma dignidade.

Ninguém pode considerar-se de fora e todos havemos de sentir-nos responsáveis pelo problema e solidários na busca de caminhos novos. Há estruturas de corrupção e de pecado social, político, cultural, económico-financeiro, mas há também pecado pessoal fruto das más escolhas de cada um, que vão dos hábitos adquiridos e aparentemente insignificantes, à participação nas decisões de grande impacto para o mundo em que vivemos. Umas e outras revelam os valores ou contravalores assimilados e a responsabilidade que estamos dispostos a assumir, porventura com sacrifício para estilos de vida a que nos acomodámos.

A fé cristã que tivemos a graça de receber, tem uma Boa Nova de esperança também no que diz respeito à ecologia, como nos recordou eloquentemente o Papa Francisco na Encíclica Laudato Si, que não é mais do que uma releitura e atualização da mensagem bíblica e da atitude nova e libertadora revelada por Jesus.

As propostas que faz ao mundo são ousadas, mas entendemos que são verdadeiro caminho de mudança enraizadas no Evangelho:

- a necessidade de um outro estilo de vida, que nos liberte os esquemas consumistas que nos são impostos pela organização vigente na sociedade para valorizarmos a abertura ao bem, à verdade e à beleza inscritos na Criação;

- a urgência da consideração da dimensão moral de todos os nossos atos, onde se há de incluir o trabalho, a produção, o comércio e a indústria, as relações humanas, económicas e políticas;

- a educação ambiental, que compete à família, à escola, à Igreja e à sociedade em geral, que se oriente para “recuperar os distintos níveis de equilíbrio ecológico: o interior consigo mesmo, o solidário com os outros, o natural com todos os seres vivos, o espiritual com Deus” (Laudato Si, 210);

- uma séria fundamentação da ecologia na espiritualidade bíblica, que nasce da fé e traz consequências notórias ao modo de pensar, sentir e viver em harmonia com Deus, com os outros e com a terra.

- a envolvência solidária nas estruturas sociais, culturais, económicas, políticas, que as leve a mudar por dentro com base em critérios éticos sólidos.

Nesta solenidade da Imaculada Conceição, sentimos, de novo o impulso de olhar para ela, pois enquanto criatura como nós, é excelsa inspiradora dos cristãos. Entre todas as criaturas, distingue-se pela harmonia que vive e transmite: harmonia na relação com Deus, a quem adora e serve; harmonia na relação com a humanidade, que ama como Mãe e como Irmã; harmonia na relação com toda a natureza, que guarda e protege enquanto dom do Criador a todos os seus filhos.

O seu coração imaculado e santo experimenta a paz, que deseja a todos e que é o fruto da pobreza de espírito que a anima.

Que ela nos acompanhe nesta peregrinação sobre a terra boa e bela e nos conduza às portas da glória do Céu, quando Cristo for tudo em todas as coisas e reinar a harmonia e a paz.

Coimbra, 8 de dezembro de 2019
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

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