Natal do Senhor, missa do Dia - Homilia de Dom Virgílio

SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR – 2019
MISSA DO DIA, NA SÉ NOVA

Caríssimos irmãos e irmãs!

Nos Céus de Belém, quando nasceu o Salvador, os Anjos cantaram glória a Deus e paz na terra. Esse canto continua a fazer-se ouvir sempre que, ao longo dos séculos, celebramos em festa o mesmo acontecimento, que marcou definitivamente a história da presença  de Deus entre a humanidade.

A Boa Nova que, então, ecoou no mundo, era para todas as pessoas e para todos os tempos. A sua proclamação continua atual, pois estamos ainda em caminho e longe de a ver incarnada nas realidades que vivemos. Nem Deus nem nós desistimos de sonhar com um mundo e uma humanidade novos. Queremos dar um rosto mais feliz às pessoas e queremos trabalhar para que todos sejamos melhores uns para os outros, na certeza de que isso contribui para maior glória de Deus e mais paz sobre a terra.

A contemplação silenciosa do presépio faz passar pela nossa mente as realidades da vida pessoal, familiar e da comunidade humana a que pertencemos. Esse simples e ao mesmo tempo grandioso sinal admirável de Deus, é como uma pequena luz que torna mais visíveis as grandezas e debilidades daquilo que nós somos e do que torna mais feliz ou mais sofredora a humanidade.

A essa luz de Jesus no presépio compreendemos melhor algumas das realidades às quais se dirige o anúncio festivo dos coros celestes como mensagem de salvação. Esta é uma palavra de alcance universal, que compreende tudo o que somos enquanto criaturas enquadradas numa contexto tão vasto como é a comunidade humana e a natureza envolvente.

O Verbo, que estava com Deus, quando Ele criou o que existe e fez brotar toda a vida, veio ao nosso encontro para que a sua luz brilhe sobre todas as marcas de morte, que povoam o nosso mundo. A vida é o dom mais precioso e mais universal, que congrega num esforço de preservação e de aperfeiçoamento todos os homens de boa vontade. A sua defesa e promoção como lugar de salvação não é uma prerrogativa de nenhuma comunidade ou religião, mas é realidade que atrai e congrega, apesar de os seus contornos concretos ser a questão que mais profundamente divide sensibilidades e ideologias.

Olhar para o Menino nascido em Belém leva-nos a olhar para todos os meninos nascidos em todos os recantos da terra, com um olhar de ternura, que há de estender-se a todo o universo e incluir todos os irmãos, de todas as idades e condições, em quem se espelha a imagem e semelhança de Deus, proclamada pelo Criador.

A Boa Nova do Natal leva-nos a pensar especialmente nas pessoas que não encontram lugar nem acolhimento nos presépios da vida, nos mais frágeis, nas crianças, nos doentes ou idosos, nos perseguidos e refugiados, nos que sentem uma imensa alegria por viver, mas também nos que carregam a sua situação como um peso difícil de suportar.

Criar condições para que tenham um lugar aconchegado na comunidade humana tanto os que estão para nascer, como os que vêm a luz do dia nos países subdesenvolvidos e nos lugares de pobreza, ou ainda os que devem nascer no mundo da superabundância de bens materiais, mas frequentemente mais egoístas e fechados, é um imperativo do espírito de Natal.

Edificar uma economia, uma cultura e verdadeiras soluções humanas para ajudar a viver com esperança os doentes e idosos, porventura tentados a desistir devido à angústia pessoal que se instala na sua solidão, devido à pobreza ou aos sofrimentos que pensam causar às famílias, é igualmente dar lugar ao espírito do Natal.

Quando se põe em causa a vida humana em qualquer uma das suas fases ou circunstâncias, abrem-se as portas a caminhos de morte, que nunca pode ser sinal de respeito pela pessoa humana, mas significa desistência diante das capacidades que temos de acolher e dignificar o que somos e o dom que recebemos.

O que é próprio da humanidade é desenvolver-se, expandir-se e recriar-se constantemente para que todos tenham parte na riqueza oferecida a todos. Quando o desenvolvimento significa exclusão de alguns, de parte dos bens materiais e espirituais, quando o desenvolvimento implica vedar a alguém o acesso à vida, à cultura, à educação, à saúde ou à liberdade religiosa, está-se a pôr limites à grandeza do dom de Deus, estamos em retrocesso civilizacional. Nessa altura, não pode haver Natal.

O Verbo que se fez Carne, estava junto de Deus, quando Ele criou os céus, este universo harmonioso, que continuamente canta a Sua glória por meio das expressões da sua bondade e beleza,  mas também por meio da voz dos Anjos e dos Homens.

O Natal de Jesus tem também uma Boa Nova a anunciar à terra, de modo que o salmista a convoca para a festa: “aclamai o Senhor, terra inteira, exultai de alegria e cantai”. Nada e ninguém pode ficar de fora deste hino de louvor das criaturas ao Seu Criador, nem os Anjos, nem os homens, nem os animais, nem as plantas, nem os astros luminosos, de acordo com a literatura bíblica.

É admirável como S. Francisco de Assis, o mesmo que nos ensina o Cântico das Criaturas, seja aquele que se sente irmão de todas as criaturas e o que nos oferece a simples e humilde representação do Presépio de Belém. Sim, porque Natal, presépio, vida e natureza estão tão interligados, que nenhum deles pode faltar à festa de todos.

O Prólogo do Evangelho de S. João, proclamado neste dia de Natal, na sua linguagem poética, evoca o início do Livro do Génesis que, também em linguagem poética, narra o acontecimento primordial da criação. De facto o Jesus Menino, Filho de Deus feito Homem, nasceu, proclamou o Evangelho, morreu e ressuscitou para redimir toda a Criação e a oferecer ao Pai, num majestoso hino de glória.

A partir do Presépio, temos a possibilidade de desenvolver uma autêntica teologia da Criação, que tenha consequências reais sobre a nossa atitude protetora, respeitadora e promotora da harmonia e da beleza da Criação. O mundo que nos rodeia é ao mesmo tempo uma realidade simples e complexa, diversificada na sua grandiosidade e pequenez, organizada e, por vezes, violenta, misteriosa, mas capaz de ser descodificada pelo nosso conhecimento e ciência, capaz de ser sempre mais sempre mais adequadamente desenvolvido.

A Criação geme e sofre, efetivamente, nas pessoas e na natureza, ansiando a sua libertação, esperando a luz que ilumina todo o homem e a terra inteira, para lhe abrir caminhos, não somente de sobrevivência, mas sobretudo de harmonia e de paz. A formação da inteligência e do coração numa sabedoria fiel à Criação e à luz do Menino que nasceu para nós, é a via inspiradora mais segura para que construamos a paz connosco, a paz com os outros, a paz com Deus e a paz com a Criação.

Que o espírito do Natal nos inspire os gestos pessoais e pequenos de cada dia, mas também as decisões coletivas e globais para que a Boa Nova de Jesus chegue a toda a humanidade e à Criação inteira.

Santo Natal para vós, aqui reunidos nesta assembleia santa na Sé Nova de Coimbra, Santo Natal aos que acompanham a nossa liturgia por meio da Rádio Renascença e Santo Natal a todos os homens e mulheres amados por Deus.

Coimbra, 25 de dezembro de 2019
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

 

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