Noite de Natal 2024 - Homilia de Dom Virgílio

NATAL DO SENHOR 2024
MISSA DA NOITE

Caríssimos irmãos e irmãs!

“O povo que andava nas trevas viu uma grande luz”.

Em tempos diferentes dos nossos, os nossos antepassados na fé viveram tempos de obscuridade. Por meio da clarividência dos profetas, muitos puderam identificar as suas raízes e as suas manifestações, abrindo assim caminho para uma abertura aos raios de luz que permanecem sempre por detrás das trevas que se abatem sobre nós.

Em nenhum momento da história tudo são trevas e tudo é luz, mas pode haver uma prevalência de uma realidade sobre a outra e, mais frequentemente, uma confusão entre uma e outra, entre a luz e as trevas. Fator decisivo para a humanidade é a capacidade de identificar uma e outra realidade, uma vez que a confusão é sempre perniciosa e nos impede de empreender os caminhos de libertação. Por sua vez, o conhecimento das situações de luz e de trevas na vida pessoal ou na vida da humanidade abre-nos à possibilidade de agir para mudar o rumo da nossa história.

O Natal é uma das manifestações mais visíveis da imensa a luz, que irrompe no meio das trevas que nos envolvem por todos os lados. O Natal, por sua vez, está enfermo dessa confusão geral que atingiu a humanidade e a deixa refém de uma desorientação global, que já produz maus frutos para o mundo e não vislumbra forma de ser resgatado dela. A rejeição sistemática das origens da nossa civilização continua a crescer e até a palavra “Natal” corre o sério risco de desaparecer do nosso vocabulário para dar lugar a expressões aparentemente universalistas, sem conotação religiosa e sem passado, como as que já circulam abundantemente em regime de substituição: “festas”, “festas de inverno”, “tempo de festividades” ou “dia da fraternidade universal”. Corremos inclusivamente o risco de, em contexto social, o “pai Natal” vir a ser o único a preservar a palavra Natal; a não ser que numa repentina mudança de identidade e cedendo aos cânones do politicamente correto na modernidade, venha a chamar-se o “pai das festas de inverno”.

“O povo que andava nas trevas viu uma grande luz”. De facto, o povo quer ver a luz, precisa de ver a luz e não pode prescindir do brilho da luz do Natal do Senhor, que a ditadura poderosa das ideologias com variados objetivos e motivações lhe vai discretamente subtraindo.

Olhando para o mundo dos dias de hoje podemos identificar muitas sombras, e socorrendo-nos do ensino do Papa Francisco, elencamos algumas das mais nefastas para a humanidade, a que ele, de forma recorrente tem feito alusões.

A mais visível é a sombra da guerra que impende sobre pessoas, etnias e povos. A guerra é sempre uma falência da humanidade, criada para viver na paz, alicerçada na fraternidade e no amor. As guerras não fazem parte do código da humanidade, constituída por homens e mulheres, todos irmãos iguais em dignidade e no direito a serem tratados com justiça e caridade. Ao atribuir a Jesus nascido em Belém o nome de Príncipe da Paz, o centro do Natal, estamos a receber a maior mensagem de paz para o mundo, pois ela que é empenho da humanidade é em primeiro lugar empenho do próprio Deus.

Visível do mesmo modo é a imensa sombra da pobreza, que impende sobre grande parte dos cidadãos deste mundo. As assimetrias económicas e sociais, fruto de muitas decisões egoístas, deixam na pobreza irmãos e irmãs nossos, que, sem culpa alguma, se veem privados do acesso aos bens elementares para viver. O nascimento do Filho de Deus na pobreza do presépio de Belém é sinal maior e luz a iluminar todos os esforços humanos em favor da solidariedade na distribuição dos recursos da terra.

Entre as sombras menos visíveis, mas igualmente presentes e perturbadoras da harmonia da humanidade, o Papa tem-se referido aos atentados contra a vida e à ideologia de género.

A vida humana é sagrada e inviolável. Quando perdemos a noção desta realidade, derrubamos a última barreira da nossa civilização e ficamos entregues a toda a espécie de possibilidades que minam o fundamento primeiro daquilo que somos enquanto pessoas. “Encontrareis um Menino recém-nascido envolto em panos e deitado numa manjedoura” - anúncio do Anjo na noite de Natal, a dar nome à Luz que irrompe sobre a terra e a manifestar o valor da vida em todos os seus estádios e condições. O Natal de Jesus nunca se conjuga com os atentados à vida humana, mas é luz que a faz ver em toda a sua dignidade e beleza.

Acerca de outra sombra da humanidade de hoje, o Papa Francisco referiu-se à “ideologia de género” como a mais perigosa das colonizações, pois “cancelar as diferenças é cancelar a humanidade quando, pelo contrário, homem e mulher estão numa tensão fecunda”. De facto, cancelar a humanidade é o perigo maior que podemos produzir e contradiz o desígnio de Deus, que consiste precisamente em promover harmoniosamente a humanidade que criou e sustenta com amor. O Natal traz luz ao mundo, precisamente por nos revelar Jesus, o Filho de Deus, a partilhar a nossa humanidade, criados como fomos, homem e mulher.

“O povo que andava nas trevas viu uma grande luz” e essa luz continua presente, porventura muito misturada ou mesmo escondida por detrás de muitas trevas. Ela está presente e quer iluminar os nossos caminhos, as nossas escolhas, o nosso futuro.

Para além dos sinais sensíveis do Natal que fazem parte das nossas celebrações, temos a oportunidade de ir mais longe e em maior profundidade, discernindo as sombras e as luzes. Jesus é a Luz do mundo anunciada pelos profetas de outrora e a Luz do mundo a pedir vozes e ações proféticas na atualidade.

Vamos ao presépio, entremos no coração de Deus, que nos criou, nos ama e nos sustenta. É a possibilidade do nosso presente e futuro; é a possibilidade da humanidade que somos. É a Luz do Natal de Jesus que quer iluminar o nosso mundo, acolher a todos e desfazer as trevas que há em nós com a luz do seu amor.

Coimbra, 24 de dezembro de 2024
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

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