A propósito de várias questões controversas, é frequente ouvir
pôr em causa a legitimidade ou a oportunidade de tomadas de
posição da Igreja em questões de política legislativa. Aquando
da recente discussão sobre o regime do divórcio, houve quem
invocasse o facto de estar em jogo apenas o regime civil do
casamento, matéria estranha à Igreja. A propósito do aborto,
diz-se que numa sociedade pluralista não pode ser
juridicamente imposta uma determinada concepção moral de entre
várias possíveis. A respeito de outras questões (organização
económica ou legislação sobre imigração, por exemplo) também
não é raro ouvir (neste caso normalmente a outros qua-drantes)
que a Igreja deve abster-se de se pronunciar por se tratar de
matérias alheias à sua missão específica.
A Igreja (a hierarquia e os
leigos) tem, no entanto, o dever de se pronunciar sempre que a
política legislativa envolva opções de alcance e relevância
éticos (não, pois, quanto a questões de ordem técnica). E deve
fazê-lo à luz da sua doutrina social.
Desta doutrina não decorrem
sempre opções concretas únicas e aplicáveis independentemente
dos vários contextos sociais e históricos. Essas opções são
mais claras e inequívocas quando o relevo ético das questões é
mais acentuado, como na tutela da vida humana e da família.
Noutros âmbitos há espaço para opções divergentes, resultantes
de juízos pruden-ciais, isto é, da aplicação de princípios
gerais a contextos concretos e situados. Mas este facto não
pode servir de pretexto, como o relembram os bispos
norte-americanos no recente documento Forming Consciences for
Faithful Citizenship, para enfraquecer o peso ético dos
princípios da doutrina social da Igreja em matérias como as da
justiça social ou da defesa dos mais pobres. No quadro desses
princípios gerais, não cabem por igual todo o tipo de opções.
Os princípios da solidariedade e do amor preferencial pelos
pobres não podem deixar de conduzir à recusa de modelos
econó-micos individualistas. Como o princípio da
subsidiariedade implica a rejeição do colectivismo. Ou como
uma visão iluminada pelo sentido da fraternidade universal não
pode deixar de apontar para um regime que favoreça, de algum
modo, o acolhimento de imigrantes.
Não se trata de pretender
impor, em qualquer dos âmbitos, uma visão especificamente
cristã numa sociedade pluralista. Trata-se de propor caminhos
que conduzam à realização do bem comum (o bem de crentes e não
crentes), à luz da razão e da lei natural, aquela lei inscrita
no coração humano, independentemente de qualquer fé religiosa.
Não estão em jogo opções morais de alcance puramente
individual, mas de alcance social, que envolvem a tutela dos
direitos de outrem. É o que sucede com o aborto, que atinge o
mais elementar dos direitos de outrem.
No que se refere ao
ordenamento jurídico da família, também não é a imposição de
uma concepção especificamente católica que está em causa.
Também aqui releva a consideração do bem comum. Foi Tony Blair
quem disse, num congresso do Labour Party, que «uma Nação que
pretenda ser forte não pode ser neutral em relação à família».
A coesão da sociedade depende da coesão da família. O futuro e
o presente da sociedade dependem da harmonia e solidez da
família. O Estado não pode, por isso, ser indiferente à
proliferação crescente do divórcio.
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