Dilexit nos: pelo amor e pela não-violência
Daniela Sofia Neto
Comissão Diocesana Justiça e Paz
Há dias no calendário que evocam acontecimentos históricos de elevada importância e há também dias que servem para nos relembrar valores humanos. O Dia dos Namorados remonta à história de São Valentim, mártir cristão que, de acordo com a lenda, desafiou ordens que proibiam os casamentos para manter os homens como soldados. Valentim, ao continuar a realização de casamentos em segredo, foi executado e o dia 14 de fevereiro celebra precisamente esta história de sacrifício pelo Amor. O desenvolvimento histórico e sociológico da celebração desta data, com as mais variadas expressões, como a literatura, a pintura e a música, para dar alguns exemplos, atestam o modo como se foi associando o dia ao amor cortês, o que contribuiu para a sua popularização. No entanto, foi sobretudo a partir do século XIX que a prática de trocar cartões e presentes neste dia se tornou comum, especialmente em Inglaterra e nos Estados Unidos, impulsionando a produção em massa de cartões e presentes como flores. Nos dias de hoje, impulsionado por estratégias de marketing, o Dia dos Namorados é já um kitsch de uma sociedade hipermoderna, o que reflete as mudanças nas normas sociais e nas expectativas face às relações amorosas.
Esta data, de celebração, não se desliga de uma realidade muito contrastante. Com a celebração deste dia são também várias as campanhas de consciencialização e o enfoque no lado não-romântico das relações amorosas e afetivas. Ao longo da semana foram publicadas várias notícias na imprensa local e nacional que trouxeram ao de cima o número de mortes no âmbito de relações de intimidade. Em 2024 foram 22 as pessoas que perderam a vida no contexto de uma relação de intimidade, entre as quais 19 mulheres e três homens. Há números igualmente avassaladores, nomeadamente os indicadores publicados pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, publicados a 10 de fevereiro, que revelavam que a PSP e a GNR registaram mais de 30 mil queixas por situações de violência doméstica. Um estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS), de 2024, indica-nos que quase um quarto (24%) das adolescentes que mantiveram uma relação de intimidade sofreram violência física e/ou sexual por parte da pessoa com quem tinham essa relação antes de completar vinte anos. Dados que nos chegam todos os dias permitem-nos compreender a extensão da violência no seio de relações de intimidade, o que contrapõe com os ideais daquilo que é o amor e do que se promove com o “Dia dos Namorados”, mas cuja realidade não pode cair esquecimento.
Em outubro de 2024, o Santo Padre apresentou uma encíclica intitulada Dilexit Nos (Amou-nos) sobre o amor humano e divino do coração de Jesus, que reflete sobre o amor, sobretudo o amor cristão e a dignidade humana e que nos dá um ponto de partida para refletir sobre como as relações de intimidade devem ser vividas no respeito e na verdade. Fala-nos de um amor que não se impõe, que não manipula o outro, que não controla, mas que pugna pela liberdade. Um amor radicalmente oposto à violência, expressão de egoísmo, manipulação e abuso. Um amor baseado na reciprocidade, no respeito e na dignidade.