Jesus nasceu no exílio
Em branco tempo de Natividade importa recuperar o título de um dos mais secretos romances do século XX, Deus nasceu no exílio, de Vintila Horia, melancólico e ficcionado diário do desterrado poeta Ovídio, na antecâmara da morte.
Jesus, o nazareno, não nasceu no exílio. Nasceu em Belém. Poderia ter nascido no Egipto. Nascemos todos em terra ignota. Em qualquer lugar, estamos sempre por engano, ou por acidente. Jesus de Nazaré é Jesus de Belém e Jesus de Belém é Jesus do Egipto. Estrangeiro na terra mãe. Samaritano na Judeia. Grego na Palestina.
Visto do céu, o mundo é sem muros e sem fronteiras. Sem nações e sem estrangeiros.
O cristianismo é a religião da fraternidade universal. Deus, sublinha Pedro, em Atos, 10-34, e Paulo, em Romanos, 2:11, não faz acepção de pessoas.
Paulo, em Gálatas, 3, 26-29, leva ao limite a proclamação da radical igualdade dos Evangelhos: Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher.
A preferência ou a parcialidade por alguém em razão do seu nascimento, classe, privilégios, qualidade ou títulos é incompatível com uma visão, adesão ou filiação cristã.
Donde, por exemplo, as atuais políticas públicas de condicionamento, de limitação ou de interdição do acesso de imigrantes ao SNS, e as práticas de concessão relâmpago de autorizações de residência e de nacionalidade (vistos gold) apenas a milionários, além de eticamente insuportáveis, traduzem um modo de ser, de existir e de agir em insuprível contravenção com o ditame evangélico.
A hospitalidade é imperativo categórico da ética e da praxis cristãs. O que Levinas bem alcançou ao identificar no rosto do Outro o rosto de Deus.
Amarás o estrangeiro, porque também tu foste estrangeiro na terra do Egipto (Deuteronómio,10, 19).
Em Belém, ao fundo da Judeia, Jesus nasceu no exílio.
Manuel Castelo Branco
Comissão Diocesana Justiça e Paz
