A Igreja comunidade do Espírito Santo - Catequese Quaresmal de Dom Virgílio (06 Março 2022)

CATEQUESES QUARESMAIS DO BISPO DE COIMBRA
IGREJA DE SANTA CRUZ DE COIMBRA

I. A IGREJA COMUNIDADE DO ESPÍRITO SANTO

  1. Catequeses em contexto sinodal

Iniciamos hoje as catequeses quaresmais no contexto do Sínodo subordinado ao tema “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”, convocado pelo Papa Francisco.

Depois de uma consulta às Conferências Episcopais de todo o mundo em que se pedia a indicação de temas importantes para a vida da Igreja no tempo presente, o Sucessor de Pedro propôs a reflexão sobre a sinodalidade. Encontramo-nos num tempo em que urge progredir na consciência de que precisamos de aprofundar a identidade da Igreja, Povo de Deus em caminho com todos os seus membros e vislumbrar as formas mais adequadas de ela estar no mundo ao serviço da missão que recebeu de Jesus Cristo, o seu fundador.

Este caminho teve início, em Roma, nos dias 9-10 de outubro de 2021, e nas dioceses de todo o mundo no dia 17 de outubro. Também nós iniciámos este percurso com a celebração que teve lugar na Sé Velha e para a qual foram convocados os membros dos órgãos de comunhão e participação da Diocese. Depois, todas as comunidades e os diferentes grupos de cristãos foram convocados para se reunirem, escutarem a Palavra de Deus, se abrirem à voz do Espírito Santo e partilharem a experiência de sinodalidade já vivida ou ainda distante na Igreja, e apontarem caminhos a percorrer no futuro em ordem a nos tornarmos Igreja Sinodal.

O Papa ajuda-nos a compreender a oportunidade desta proposta, quando, em 2015 no Discurso na Comemoração do cinquentenário da instituição do Sínodo dos Bispos, nos diz: “O caminho da sinodalidade é precisamente o caminho que Deus espera da Igreja do terceiro milénio”. E depois, conclui: a sinodalidade “é dimensão constitutiva da Igreja... aquilo que o Senhor nos pede, de certo modo, está já tudo contido na palavra «sínodo»”.

Falar de Igreja sinodal é o mesmo que dizer Povo de Deus, constituído por todos os batizados, que caminham juntos para o Pai, com Cristo, que é “caminho, verdade e vida” (Jo 14, 6), animados e guiados pelo Espírito Santo.

Proponho-vos, hoje, a nossa reflexão sobre esta condição de Igreja, Povo de Deus, comunidade sobre a qual desceu o Espírito Santo e fez dela uma comunidade carismática, inspirada e iluminada a ponto de se distinguir de todas as outras comunidades ou realidades sociológicas e humanas. É esta Igreja habitada pelo Espírito Santo que é chamada a ser sinodal e a envolver todos os seus membros para que caminhem juntos a partir da dignidade fundamental que receberam no batismo na água e no Espírito.

Começamos as nossas catequeses quaresmais deste modo para que se torne mais claro o sentido das palavras Igreja e sinodalidade, que usamos tão frequentemente, bem como para, antecipadamente, podermos evitar cair em algumas das tentações referidas pelo Vademecum do Sínodo e que têm normalmente a ver com uma deficitária compreensão da identidade da Igreja. No fundo essas tentações ou “armadilhas”, como também ali são chamadas, prendem-se com a consideração da Igreja como uma comunidade ou sociedade mais humana e menos espiritual, mais realidade ou estrutura sociológica do que mistério de comunhão, como a definiu o Concílio Vaticano II.

  1. A Igreja nascida no Pentecostes

A obra de S. Lucas, o Evangelho e os Atos dos Apóstolos, revela-nos a identidade da Igreja, quando apresenta a efusão do Espírito Santo, no Pentecostes, cinquenta dias depois da Páscoa de Jesus, como o cumprimento da “promessa do Pai” (Lc 24, 49).

Se a narração evangélica destaca a pessoa de Jesus de Nazaré, que passa pela paixão, morte e ressurreição, concluindo com a sua ascensão ao Céu, o livro dos Atos dos Apóstolos inaugura o tempo da Igreja como o tempo do Espírito no qual são batizados os Doze Apóstolos e os outros Discípulos.

No Pentecostes, o pequeno grupo reunido no Cenáculo recebe a verdadeira alma que transforma a sua realidade humana e passa a inspirar e fortalecer a comunidade cristã nascente no testemunho missionário que a há de levar até aos confins da terra. Desde esse momento, Igreja é comunidade convocada e reunida para a escuta da Palavra, para a fração do pão, para a partilha de vida e a caridade, para o testemunho missionário, repleta do Dom do Espírito Santo e na abundância dos seus dons e carismas. Desde esse momento a Igreja é mistério de comunhão de discípulos, nascida do Deus Santíssima Trindade. Ali, aqueles homens e mulheres, em comunhão com Deus Pai por meio de Jesus Cristo e na unidade do Espírito Santo, iniciam o seu caminho, juntos, a que chamamos Igreja Sinodal.

Estamos, por isso, diante de uma realidade nova, de uma nova identidade, que não pode ser posta em causa por qualquer tentação que sobrevenha: se quebram os laços de comunhão com Deus, ficam reduzidos a uma aglomeração humana, se rompem os laços de unidade com os outros, negam a sua condição de batizados no Espírito que desceu sobre eles e os constituiu em Povo de Deus, e perdem as necessárias condições para o testemunho missionário e para o anúncio do Evangelho como Palavra Viva que salva.

O trecho de At 2, 1-13 apresenta-nos a recomposição do grupo dos Doze após a Páscoa de Jesus, quando todos se dispersaram tolhidos pelo medo do que podia acontecer depois da morte do seu Mestre. O dom do Espírito Santo traz-lhes a força perdida e capacita-os para enfrentarem os judeus e levarem o testemunho até ao fim, a começar por Jerusalém onde se encontravam.

O episódio do Pentecostes é a ocasião na qual tem lugar a nova realidade da presença do Espírito prometido, em que a Igreja se torna “espiritual” (pneumática),  passando os seus membros a estar sob a condução do Espírito para a ação que têm a realizar.

Com a descida do Espírito sobre os Apóstolos, a comunidade que formam, vê reproduzida em si a mesma ação que Ele já operara na pessoa de Jesus e que agoira os torna homens inspirados sobre os quais sopra o vento transformador.

Há, segundo o texto, dois sinais reveladores da nova realidade, isto é, de que todos ficaram cheios do Espírito Santo, que se manifestam depois de se ouvir um som comparável ao de forte rajada de vento vindo do Céu, que encheu toda a casa onde eles se encontravam (cf Lc 2, 2). Esses dois sinais são: o fogo que desce sobre cada um dos Apóstolos; e o facto de a multidão reunida de todas as nações os ouvir falar nas suas próprias línguas. São dois sinais que acompanham e realizam o nascimento da comunidade ou da Igreja de Cristo e a capacitam para a missão que lhe é confiada.

O facto de o fogo ser distribuído por cada um deles simboliza a diversidade dos dons; o facto de cada um os ouvir na sua própria língua simboliza a universalidade da salvação que há de ser anunciada e acolhida a partir do testemunho dos que ficaram cheios do Espírito Santo, pois Ele ultrapassa todas as barreiras da geografia, da etnia, da língua e da cultura.

O facto de todos ficarem estupefactos, atónitos e maravilhados, assombrados, simboliza o caráter não expectável e divino do que estava a acontecer pelo poder do mesmo Deus que operara muitas maravilhas no passado e que ressuscitara Jesus de entre os mortos. De tal modo o acontecimento era superior, que na dúvida, comentavam parecer fruto do “vinho doce”. A estupefação faz parte integrante da reação humana diante dos acontecimentos de ordem divina, que não cabem simplesmente na lógica do humano raciocínio. Não é facilmente pensável uma comunidade constituída por pessoas humanas, que são, ao mesmo tempo, habitação de Deus e templo do Espírito Santo, como veio a dizer o Apóstolo Paulo na Primeira Epístola aos Coríntios (3, 16).

O Episódio narrado pelos Atos dos Apóstolos constitui o momento fundante da experiência do Espírito na Igreja, que não cessará mais, pois é constitutiva da mesma Igreja, faz parte da sua identidade.

  1. Povo de Deus em caminho no Espírito

A Igreja não se pode entender sem o Espírito Santo recebido no Pentecostes e que perdura para sempre nela. Ao convocar o Sínodo, o Papa tem a consciência bem clara de que o espírito é o verdadeiro construtor da novidade e da renovação de que ela tem necessidade no tempo presente para corresponder à sua vocação.

Sendo a Igreja carismática (espiritual, porque cheia do Espírito Santo), ela parte para o Sínodo ancorada nesta certeza de fé e animada pelo Espírito Santo prometido por Jesus e que, segundo o Evangelho de João, diz aos seus discípulos: “Quando Ele vier, o Espírito da Verdade, há de guiar-vos para a verdade total” (Jo 16, 13). Podemos, por isso, pensar na verdade da fé e da moral, mas também na verdade da realidade humana que Deus quer salvar e nos caminhos a percorrer para que ela seja acolhida pelo mundo.

Partir para um Sínodo sem a consciência de que é o Espírito o protagonista da renovação da Igreja é uma falácia. Nessa altura ficaríamos por uma renovação exterior, por uma renovação das estruturas humanas ou por uma renovação de uma comunidade sociológica, mas não para a renovação da Igreja. Não pensamos em renovar a Igreja somente por fora, mas queremos colaborar na sua renovação interior e isso só poderá acontecer no respeito pela sua identidade mais profunda, ou seja, como comunidade do Espírito.

Como refere o Documento Preparatório do Sínodo, “O Espírito de Deus que ilumina este «caminhar juntos» das Igrejas, é o mesmo que atua na missão de Jesus, prometido aos Apóstolos e às gerações de discípulos que ouvirem a Palavra de Deus e a puserem em prática... O Espírito não se limita a confirmar a continuidade do Evangelho de Jesus, mas iluminará as profundidades sempre novas da sua Revelação e inspirará as decisões necessárias para sustentar o caminho da Igreja” (nº16).

O livro dos Atos dos Apóstolos oferece-nos a expressão que, porventura, melhor diz como havemos de fazer. Quando surgiu na Igreja primitiva o diferendo relativo à observância da Lei de Moisés por parte dos convertidos do judaísmo, os Apóstolos encontram, após o debate, a saída expressa na frase dos Atos: “O Espírito Santo e nós próprios resolvemos não vos impor outras obrigações além destas” (At 15, 28). Trata-se, por isso, de fazer um caminho centrado na escuta da voz do Espírito e de cooperar com Ele de coração aberto e convertido. Como refere o Papa Francisco no Discursos aos Fiéis da Diocese de Roma, “Se o Espírito não estiver presente, será um parlamento diocesano, mas não um Sínodo”, porque não há Igreja sem Espírito Santo e se a concebemos dessa forma não estamos no caminho da verdade revelada.

  1. Atitudes a tomar na fidelidade ao Espírito

A concluir este nosso percurso, destaco três importantes atitudes centrais que havemos de tomar neste “caminhar juntos” e na fidelidade à identidade carismática da Igreja que somos.

Primeira, a atitude de escuta da Palavra de Deus por meio da leitura, da meditação e da contemplação, que nos levam à ação. A lectio divina, ou leitura da Sagrada Escritura, feita no Espírito que a inspirou, que levou os autores sagrados a redigi-la, que acompanhou o processo da sua transmissão e que está presente na Igreja de todos os tempos, também no nosso, é o caminho seguro para nos deixarmos transformar e colaborarmos na renovação da Igreja.

Nós, os cristãos, precisamos urgentemente de ir às fontes da Revelação, a Palavra de Deus, que nos fala e nos aponta caminhos de vida.

Segunda, a atitude orante, tanto pessoal como comunitariamente e, de modo particular, na liturgia e na celebração dos Sacramentos. Se perdemos o sentido orante de toda a nossa vida e nos afastamos da celebração dos sacramentos que exprimem a fé e alimentam em nós a graça da fé, assemelhamo-nos a uma instituição humana e passamos a confiar somente nas nossas forças e capacidades de renovação.

A oração leva-nos a sentir que precisamos de Deus e que Deus quer precisar de nós para realizar a sua obra, que consiste em acreditar e ser salvos por meio da fé em Jesus Cristo. É o Espírito que nos leva a orar e ora em nós, tornando a nossa vida e as nossas comunidades verdadeiramente carismáticas-espirituais.

Terceira, a atitude de caridade ou de amor como resposta a Deus que nos ama e na relação com o próximo. A caridade é fruto do Espírito Santo, que é espírito de Amor, sem fronteiras e aberto a todos, porque nasce de Deus.

Olhar para os outros com respeito e com amor, ir ao seu encontro por os sentirmos irmãos, com os gestos mais concretos e mais pequenos do dia a dia, é manifestação do desejo assumido de fazermos caminho juntos.

A escuta dos outros e o diálogo com os outros levam-nos a construir algo de bom, juntos, na unidade e na comunhão, na busca da verdade na caridade. Não o podemos fazer por nós próprios, mas, como nos assegura o Apóstolo Paulo na Epístola aos Romanos, “o Espírito vem em auxílio da nossa fraqueza” (Rm 8, 26).

 

Neste primeiro domingo da Quaresma escutamos a palavra do Evangelho segundo a qual o Espírito conduziu Jesus ao deserto. É o mesmo Espírito que nos conduz pelos desertos da vida e nos fortalece para o caminho. É o mesmo Espírito que desceu sobre a Igreja e continua a torná-la presente no mundo como serva do Evangelho da salvação de Deus. É o mesmo Espírito que nos une para fazermos caminho juntos, como Igreja Sinodal.

Coimbra, 06 de março de 2022
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra


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