CARMELO DE SANTA TERESA DE COIMBRA - SOLENIDADE DE SANTA TERESA DE JESUS, VIRGEM E DOUTORA DA IGREJA - HOMILIA - 2011-10-15

Esta celebração da Solenidade de Santa Teresa de Jesus, virgem e doutora da Igreja, Madre fundadora das Irmãs Carmelitas, constitui uma oportunidade para darmos graças a Deus pela sua presença na Igreja como sal invisível que dá sabor, fermento que faz crescer a vida e luz discreta de testemunho.

Assim como o que nos move são as convicções, o amor e o espírito que temos dentro, também o que move a Igreja é o seu coração, a profundidade da sua fé, a comunhão invisível com Cristo, de que o Carmelo é uma das mais belas expressões.

Somente uma alma desejosa de Deus e cheia de Deus podia estar na origem desta realidade, na abertura ao Espírito Santo, que inspira, conduz e vivifica todas as obras boas e santas.

As leituras escolhidas pela Igreja para esta solenidade, ajudam-nos a fazer o percurso de Santa Teresa de Jesus, mulher que incarna de modo admirável a Palavra de Deus. Esse é, de algum modo, o percurso que procuram fazer todas as irmãs carmelitas e todos nós, os cristãos, porventura ajudados pela espiritualidade teresiana.

 

Todo o ser humano se caracteriza pela abertura à razão. Na Encíclica, A “Fé e a Razão” (25) O Papa João Paulo II retoma Aristóteles para afirmar que “todos os homens desejam saber” (I, 1) e que o objecto próprio deste desejo é a verdade. O homem criado à imagem e semelhança de Deus, traz dentro de si esta sede de conhecimento, de sabedoria e de encontro com o seu criador. Há nele uma insatisfação inextinguível, que o acompanha por todos os seus caminhos e que nunca o abandona, até que O veja face a face e comtemple o seu rosto revelador de toda a verdade.

O texto da Primeira Leitura, tirado do Livro da Sabedoria, falava-nos desta sede de sabedoria, característica do rei Salomão. Não pediu mais nada a Deus, senão a Sabedoria, pois a experiência de riqueza a todos os níveis mostrou-lhe que nada supera a Sabedoria de vida que vem do alto e só Deus pode dar. Desejou-a e amou-a mais do que ao ouro, à saúde ou à beleza; deixou-se conduzir por ela e, desse modo, tornou-se agradável a Deus. É uma forma de dizer que a ânsia de conhecimento que existe dentro de nós nos orienta para a Sabedoria de Deus e nos conduz a realizar o Seu desejo criador: sermos sua imagem e semelhança.

Santa Teresa de Jesus, doutora da Igreja, viveu com toda a profundidade esta dimensão de vida. Desejou conhecer a realidade, o mundo e, acima de tudo, Deus. Amou a Sabedoria, como uma paixão; nunca se sentiu saciada de Deus; quis subir sempre mais na compreensão dos mistérios do Seu Mestre e Senhor. Os seus escritos são o testemunho que nos deixou dessa ânsia por encontrar o Grande Rei nas sua Moradas eternas e distantes, mas acessíveis a todos os que O procuram de coração sincero. Como Salomão reconheceu que nada pode saciar o coração humano ávido de saber, a não ser a verdadeira Sabedoria, Deus, o único que basta.

Se o Antigo Testamento nos diz que Salomão pediu a Deus, na oração, a sabedoria e a prudência, a vida de Santa Teresa diz-nos que ela elegeu como seu modo de ser e estar o de mulher orante e contemplativa, como caminho para entrar no segredo da antecâmara do conhecimento do mistério de Deus. A sua via única foi a da oração como um “tratar de amizade estando muitas vezes a sós com quem sabemos que nos ama".

Este modo de ser e estar não é mais que um reflexo da atitude de Jesus Cristo na sua relação com o Pai, com quem gosta de estar longamente no silêncio da montanha e do mar, no seio da noite escura, ao raiar da aurora ou ao olhar longamente o horizonte no ocaso do sol. Esta característica de Santa Teresa revela o seu coração enamorado por Deus, a quem ama como um Pai/Abbá, de quem se sente filha, em Jesus Cristo crucificado, e por cujo Espírito de Amor se deixa conduzir.

A sua oração leva-a a descobrir a categoria evangélica da amizade, como possibilidade de relação, de proximidade, de encontro, de confiança. Ao progredir nesse caminho, percebe que é, precisamente, no uso da nossa condição de seres humanos, dotados de sentimentos, que podemos aproximar-nos do Deus que nos criou e somente deseja encontrar-se connosco. Para isso vem ao nosso encontro por meio de Jesus Cristo, o Seu Filho, a fim de que, irmãos e amigos n’Ele e por Ele, tenhamos acesso às fontes da sabedoria e da vida.

O texto do Evangelho de S. João, ao apresentar-nos o encontro de Jesus com a Samaritana à beira do poço, utiliza a imagem da sede da água natural para falar da sede de água viva, da sede de sabedoria e de Deus, que se mata pelo encontro com Jesus. A Ele chega-se pela via do encontro interior, que conduz a uma amizade cada vez mais profunda, capaz de revelar os seus mistérios e apta para alimentar a nossa vida humana e espiritual.

Ao atribuir a Santa Teresa de Jesus o título de Doutora da Igreja, o Papa Paulo VI pretendeu valorizar a sua condição de pessoa que busca a sabedoria e procura a verdade por meio da oração e da contemplação, pela via da amizade, pela experiência do encontro interior, que envolve a totalidade da pessoa e não se fica por uma mera assimilação de conhecimentos. Conhecendo todas as potencialidades da inteligência e da razão, constitutivas do ser humano, Santa Teresa reconhece que, por si sós, estão marcadas pelos seus próprios limites. Para ir mais longe, há que juntar à inteligência e à razão humanas o encontro sobrenatural com Deus, a Sabedoria e a Verdade, há que progredir no encontro íntimo com Ele, há que entrar nesse trato de amizade com Aquele que sempre nos espera à beira do poço e sacia a nossa sede com a água da fonte que jorra para a vida eterna.

 

A sede de sabedoria e a sede de Deus continuam vivas dentro de nós. Acontece que andamos muito distraídos, descentrados e ocupados com a sede dos desejos fugazes, com a ânsia dos resultados imediatos tanto nas questões materiais da vida como nas de ordem espiritual.

Estamos num mundo obcecado pelo momento presente, desinteressado pelo amanhã, preocupado com a satisfação das necessidades básicas. Se usarmos o paralelismo do evangelho, podemos dizer que estamos na situação da mulher samaritana que não deseja mais do que a água do poço de Jacob, que não tem outros horizontes nem desejos senão os terrenos.

Estamos, por isso, num mundo incapaz de compreender a importância da fé sobrenatural e que se contenta com uma fé humana e natural; num mundo que procura na religião à medida humana os caminhos da pacificação interior, num círculo do homem fechado sobre si mesmo; estamos num mundo em que se procura o silêncio e a contemplação de uma natureza desligada do Criador; procuram-se as vias da amizade e do amor dentro dos limites das forças humanas e, por isso, privadas da sua dimensão teologal.

Estamos, por isso, num mundo onde é urgente revalorizar todos os oásis de oração contemplativa, como possibilidade de encontro com Deus e de acesso às fontes da água viva. O Carmelo, juntamente com outras comunidades contemplativas, constituem, por isso, uma realidade imprescindível para manter viva na Igreja esta dimensão essencial da fé cristã enquanto caminho de comunhão com Deus na grandeza do Seu mistério.

Por sua vez, é urgente revalorizar os espaços e tempos orantes das comunidades cristãs, em primeiro lugar na celebração da liturgia da Igreja. A Eucaristia, enquanto cume da acção orante da Igreja, a Liturgia das Horas a marcar o ritmo orante de toda a vida cristã, a celebração dos sacramentos enquanto momentos de encontro com o Deus que se dá na abundância da Sua graça. É ainda urgente valorizar os momentos de oração silenciosa diante do Santíssimo Sacramento da Eucaristia, tanto individual como comunitariamente. E, finalmente, é urgente a oração familiar e individual, nos recantos da casa, das ruas e cidades, onde podemos contemplar, adorar e amar a Deus em espírito e em verdade.

Ao Senhor peçamos que nos ensine a passar longos momentos à beira do poço, donde jorram as nascentes da água viva e, seguindo o exemplo de Santa Teresa de Jesus, disponhamo-nos a progredir no caminho da perfeição e da santidade por meio desse “tratar de amizade”, que é a oração cristã.

 

Coimbra, 15 de Outubro de 2011

Virgílio do Nascimento Antunes

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