Exéquias do Presidente da Associação Académica de Coimbra - Homilia de Dom Virgílio

EXÉQUIAS DO PRESIDENTE DA ASSOCIAÇÃO ACADÉMICA DE COIMBRA
CAPELA DE S. MIGUEL DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Querida família do Cesário.

Estimados membros da Academia de Coimbra.

Magnífico reitor da Universidade de Coimbra.

Irmãos e irmãs que chorais a morte do Cesário, presidente da Associação Académica de Coimbra.

A vida tem surpresas. Surpresas boas e más, que marcam o nosso percurso sempre pautado pelo desejo de viver e edificar a comunidade humana. Surpresas para quem está bem alicerçado na fé, na esperança e no amor, surpresas para todos os que estão atentos ao seu percurso, mas também para quem possa andar distraído ou desfocado do essencial.

A morte do Cesário é uma grande surpresa para ele, que estava atento à realidade e decidido a gastar-se em favor dos outros e em favor do bem comum, assumindo concretamente a maior responsabilidade dentro da Associação Académica de Coimbra, mas também em outras atividades de âmbito humanitário, social e inclusivamente religioso. Sempre o mesmo desejo de trabalhar em favor dos jovens, dos que, como ele, são buscadores da verdade por meio do estudo, da ciência, do progresso global, do pensamento e da envolvência na ação de promoção humana integral. Se não tivesse desejo de ir mais longe e de ajudar os outros a ir mais longe não se teria metido nestas aventuras desafiadoras, teria ficado centrado na sua pessoa, no seu presente e no seu futuro, estaria a cuidar de si.

O Cesário saiu do sofá, como o Papa Francisco gosta de dizer aos jovens, sentiu que o presente, o agora, faziam parte da sua missão, sem ficar à espera que alguém se adiantasse para transformar a sociedade e o mundo. Levantou-se e disse “aqui estou” para dar o seu contributo, para ser parte ativa e entusiasta na construção de um mundo melhor, com as capacidades que tinha e que lhe foram dadas para realizar algo de bom e de belo em favor da comunidade. Não quis esperar para mais tarde, para quando tivesse a vida estabilizada com todas as condições sonhadas, para um amanhã, que é sempre incerto. Deixa a sua pegada bem visível nas nossas vidas, na Academia de Coimbra, nos tantos jovens que inspirou na vida e pode continuar a inspirar, mesmo na morte.

A leitura do Livro do Apocalipse, marcada por uma linguagem simbólica, trazia-nos um motivo verdadeiramente inspirador: a visão profética do novo céu e da nova terra que assumem o lugar de tudo o que é antigo. A nova Jerusalém, que desce do Céu, adornada e cheia de beleza como uma noiva que se prepara para receber o seu esposo, torna-se representação das realidades novas e boas que desejamos para o nosso mundo.

O texto bíblico fala-nos, por isso, do grande sonho inscrito no mais profundo de nós mesmos, que é também o sonho de Deus: uma terra e uma humanidade de paz, onde todos se sentem família e onde - é o grande sonho - não há mais choro, nem dor, nem morte, nem luto, porque está renovada. Na feliz profecia apocalíptica, trata-se de uma humanidade, que é a morada de Deus com a humanidade e a habitação em que todos estão em paz uns com os outros, com toda a Criação e com o próprio Deus Criador.

Esta proposta, que é para todos, encontra especial lugar de acolhimento nos jovens, aqueles que têm os sonhos mais altos, que querem um mundo melhor e que não se resignam a deixá-lo com o encontraram. Quando os ouvimos falar dos maus caminhos que percorremos, quando os ouvimos criticar as injustiças que geram desigualdades, quando os vemos protestar contra as guerras e quando conhecemos de perto os seus gritos de revolta contra tudo o que aniquila as aspirações dos mais frágeis, percebemos que o mundo tem futuro e que o futuro pode ser de paz – e damos a esta palavra um sentido alargado, ou seja, uma situação em que, na comunhão de projetos e de vidas, encontramos a felicidade e a salvação, que justamente buscamos.

Os jovens são os que ainda têm a frescura interior, os que não deixaram morrer dentro de si os maiores sonhos, os que continuam a procurar incessantemente os caminhos de renovação pessoal e comunitária, os que a visão dos novos céus e da nova terra, profetizados no Apocalipse e já alcançados por Cristo, são a maior motivação para a sua peregrinação sobre a terra, a tenda em que habitamos, com toda a humanidade, a grande família com a qual partilhamos o que somos.

A leitura do Evangelho segundo S. João oferece-nos o segundo motivo inspirador, por meio de uma frase forte: “quem ama a sua vida, perdê-la-á”. A metáfora do grão de trigo que, se não for lançado à terra, fica só, mas se for lançado à terra e morrer dá muito fruto, ajuda-nos a compreender o sentido profundo da nossa existência.

O Papa Francisco, em jeito de comentário, gosta também de dizer aos jovens: “Eu sou para os outros” (Cristo Vive, 258), e ainda, “eu sou uma missão nesta terra” (Cristo Vive,254). Eis um projeto capaz de dar sentido às nossas aspirações e de congregar todos os nossos projetos e sonhos: Ser para os outros, ser uma missão nesta terra, ser semente enraizada que, morrendo, dará muito fruto.

Pode acontecer que as ocupações e preocupação de cada dia nos distraiam das coisas importantes, pode acontecer que não reparemos em nós e nos outros, pode acontecer que passemos adiante dos que estão caídos à beira do caminho, pode até acontecer que nos foquemos somente em nós, no nosso eu, no nosso futuro, na nossa felicidade, pode mesmo acontecer que passemos por esta terra sem deixar a marca da amizade e do amor. Nessa altura ficamos sós, apegados ao mundo antigo e sem agarrar na força renovadora que nos carateriza.

O grão que somos sobre esta terra tem um valor infinito e precisa de ser tratado com essa dignidade, com trabalho e com amor. Fica o desafio deste momento e desta vida, agora fisicamente separada de todos nós: pelo estudo, pelo conhecimento, pela investigação, pelo progresso chegaremos mais longe; importa que tudo se harmonize bem dentro de nós com o auxílio da reflexão, do silêncio, da meditação, da gratidão, da oração, da definição inteligente dos horizontes da vida.

Caríssimos irmãos, caríssimos amigos!

Que a passagem da vida do Cesário pelas nossas vidas nos deixe diferentes, mais atentos e disponíveis para os bons ideais que trazemos inscritos no nosso ser, que a luz do seu sorriso ilumine os nossos sorrisos mesmo nos dias tristes.

Que sejamos construtores das melhores surpresas nesta terra que nos acolhe, nesta humanidade que nos faz irmãos, e que o seu testemunho de esperança inspire as nossas maiores surpresas quando tudo nos parecer sem futuro.

Que a passagem pela Academia de Coimbra constitua um marco decisivo no nosso projeto de vida, pois, já agora, aqui, somos para os outros e assumimo-nos como uma missão.

Coimbra, 16 de março de 2022
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

Oral

Genç

Milf

Masaj

Film

xhamster