Caríssimos sacerdotes!
Damos graças a Deus por nos conceder a alegria de chegar a este dia em que reconhecemos a grandeza do seu amor, espelhado na possibilidade que temos de trabalhar na Igreja ao serviço da construção da comunidade de discípulos e do anúncio do Evangelho.
Hoje é o dia de refazermos os fundamentos da nossa vocação e as razões mais profundas do nosso ministério, que não nasceu de um desejo humano, mas da livre vontade de Deus. Na busca de explicações, encontramos a certeza do Seu amor; quanto à finalidade, percebemos a Sua eterna vontade de salvar todos os homens por meio do encontro com o Evangelho de Jesus Cristo, único Salvador e com a Sua Igreja.
“Firmarei com eles uma aliança eterna”.
Esta palavra que encontramos no Livro de Isaías logo após a tomada de consciência da presença do Espírito e da missão profética, fundamenta toda a vocação e todo o ministério na aliança que o Senhor sela com os seus escolhidos.
A nossa maior certeza é a de que Deus ama o seu Povo e cada um dos seus membros, a de que Deus nos ama pessoalmente, a ponto de nos propor viver na sua amizade e nos garantir, como cantávamos nas palavras do Salmo 88, que estará sempre a nosso lado, que com a sua força nos sustentará e que a sua fidelidade e a sua bondade estarão connosco.
A vocação sacerdotal e a participação no sacerdócio ministerial de Jesus Cristo é fruto dessa aliança de amor que Deus estabeleceu connosco e que perdura por toda a nossa vida, se prosseguirmos no caminho da fidelidade como no primeiro dia.
O Povo de Deus reconheceu na proposta de aliança que Deus lhe fez no deserto o maior dom: sentiu-se chamado e escolhido para partilhar da sua intimidade, dos seus mistérios mais profundos, da sua vida em abundância. Do mesmo modo, os apóstolos e discípulos, quando ouviram as palavras do chamamento, vem e segue-me, exultaram de alegria e vibraram na decisão de se deixar conduzir pelo Senhor, que lhes oferece uma nova e eterna aliança.
A nossa condição de sacerdotes unidos a Cristo pelos laços da aliança que nos propôs quando nos elegeu e nos chamou, originou uma relação de amizade que nada nem ninguém nos podem tirar.
Esta união sacramental, que nos configura com Cristo, sacerdote e pastor de todo o Povo de Deus, é muito mais do que uma missão ou um conjunto de obrigações a cumprir. Nos dias felizes da fidelidade e do amor, o Povo de Deus compreendia a aliança como sinal de amor e entendia a Lei, com as suas cláusulas e mandamentos, como um dom, que se orientava para a vida. Nos momentos de incredulidade e da infidelidade ao amor, tudo lhe parecia um peso a suportar e um entrave à liberdade.
Na nossa união a Cristo e na fidelidade à aliança que nos propôs, encontramos, também nós, a alegria da missão a que nos entregamos apaixonadamente, a felicidade de colaborar com Ele no anúncio da Boa Nova da salvação e de dar a vida no acolhimento da sua vontade. Porventura nas infidelidades quotidianas, que têm múltiplas manifestações, desde a falta de fé, à falta de doação, à falta de entusiasmo ou ao próprio pecado, conhecemos a tristeza e a amargura de estar longe de Deus e de não servir livremente o seu povo.
O ministério sacerdotal ao qual fomos chamados só encontra o seu pleno sentido quando vivido com paixão e como a manifestação da paixão de Deus pelos homens. Por um amor apaixonado Deus enviou o seu Filho ao mundo, o único sacerdote e pastor; com a mesma paixão, Cristo nos configurou consigo, para que a sua paixão pela humanidade fosse também a nossa paixão.
“Quantos os virem terão de os reconhecer como linhagem que o Senhor abençoou”.
Assim concluía a primeira leitura de hoje, num claro reconhecimento de que, no nosso ser padre, hão de brilhar os sinais da bênção de Deus; na nossa ação pastoral há de ser visível a solicitude do Bom Pastor; no nosso anúncio do Evangelho, tem de ecoar a frescura da Palavra sempre nova; no nosso espírito de sacrifício, deve transparecer o único sacrifício de Cristo, que dá a vida pelas suas ovelhas.
A partir da fé e da aliança de amor que nos envolve, a configuração com Cristo que em nós se realiza por meio do sacramento da Ordem, torna-se uma desafio permanente, que acolhemos como o maior dom: ser com Cristo e ser como Cristo para os irmãos.
“O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu, para anunciar a boa nova aos pobres”.
Em Nazaré, Jesus recebe o livro do profeta Isaías e proclama a sua missão de anunciar a boa nova aos pobres. Ele assume a palavra da profecia e declara-se a Si mesmo Palavra de Deus, que se realiza e se cumpre: pela oferta de si mesmo ao Pai na Cruz, Jesus liberta e salva definitivamente todos aqueles para os quais foi enviado.
Ungidos pelo Espírito Santo, somos enviados em missão, junto de todos aqueles a quem o Senhor quer chegar. Recebemos a Palavra da Salvação de modo solene pela ordenação diaconal, quando recebemos nas nossas mãos o livro dos Santos Evangelhos e ouvimos as palavras: “Recebe o Evangelho de Cristo, que tens missão de proclamar. Crê o que lês, ensina o que crês e vive o que ensinas”.
Não se trata de receber um livro ou de se tornar conhecedor de uma mensagem, mas de acolher Cristo, a Boa Nova de Deus, no coração e na vida. O encontro pessoal com Cristo que faz de nós seus discípulos para o anúncio do Evangelho, ponto forte do Plano Pastoral Diocesano, começa por nós, os seus sacerdotes, aqueles que vão à frente na vocação e que assumem em primeiro lugar a missão. Em nós cumpre-se cada passo da Escritura que tomamos nas nossas mãos, em nós realiza-se a salvação que ela proclama, para que por meio de nós ela chegue a todos os povos da terra.
Cheios do Espírito Santo, que recebemos pela unção das mãos na ordenação presbiteral, acolhemos em nós o próprio Cristo e recebemos o feliz encargo de O tornar presente na vida dos homens e mulheres, nossos irmãos, para que se santifiquem por meio do seu sacrifício: “O Senhor Jesus Cristo a quem o Pai ungiu pelo Espírito Santo e seu poder, te guarde para santificares o povo cristão e ofereceres a Deus o sacrifício”.
O texto do Evangelho conclui que “estavam fixos em Jesus os olhos de toda a sinagoga”, como estão fixos em nós os olhos do povo que foi confiado à nossa solicitude pastoral. Puderam ver n’Ele o cumprimento das Escrituras e viram realizar-se as promessas de Deus pela sua fidelidade: a boa nova foi anunciada, a salvação de Deus foi acolhida.
Este é o desafio que temos pela frente, o da fidelidade à fé, à vocação e à missão, o da fidelidade a Deus e ao seu Povo, como fidelidade à aliança de amor que nos envolve. São indissociáveis, como se de uma só se tratasse, a fidelidade a Deus e à Igreja, pois ela é o lugar em que nos propõe e realiza connosco a aliança de amor que carateriza a nossa vida.
O Povo de Deus da nossa Diocese de Coimbra espera de nós, sacerdotes, o testemunho da fidelidade a Deus e à Igreja, que se exprime no espírito de comunhão eclesial, na união do presbitério, na disponibilidade para servir, na amizade sincera, na entreajuda pessoal e institucional, na sintonia da ação pastoral.
No fundo, Deus e a Igreja esperam que sejamos sinal da nova e eterna aliança, ou seja, do seu amor eterno para com a humanidade, o outro nome da nossa fidelidade.
Maria, Arca da Aliança,
que acolheste a proposta de amor de Deus
e a guardaste fielmente no teu coração,
intercede por todos nós, sacerdotes, teus filhos,
para que nenhum de nós se perca ou desanime
diante da tentação da infidelidade
à aliança de amor com que Deus nos enriqueceu.
Acompanha-nos no caminho da nossa cruz,
E alegra-te connosco na manhã da ressurreição.
Ámen.
Coimbra, Sé Nova, 17 de abril de 2014