Homilia da Solenidade da Imaculada Conceição

PADROEIRA DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA - MISSA NA SÉ NOVA

Celebramos a Solenidade da Imaculada Conceição no dia em que o Papa Francisco dá início ao Ano Santo da Misericórdia e abre, na Basílica de S. Pedro, a Porta Santa do Jubileu. Esta coincidência desejada pelo Papa ajuda-nos a compreender a finalidade última da revelação bíblica enquanto caminho para o conhecimento de quem é Deus e como é Deus na sua relação com a humanidade. Deus é amor em si mesmo e vem ao nosso encontro com palavras e gestos de misericórdia.
Esta feliz coincidência leva-nos ainda a tomar consciência da nossa vocação universal ao amor, da orientação fundamental da nossa existência e do modo como havemos de viver a relação com os outros. Também nós, imagem e semelhança de Deus, fomos criados para acolher a Sua misericórdia e viver relações de misericórdia uns com os outros.
A leitura global das Sagradas Escrituras e a toda a mensagem teológica judaico-cristã  centra-se nesta questão fundamental da relação de Deus com a humanidade e dos homens entre si. As primeiras páginas do Livro do Génesis oferecem-nos a pergunta chave formulada por Deus, “onde estás?”, à qual se seguirá uma outra “onde está o teu irmão?” Depois disso, todo o Antigo e Novo Testamento se desenvolvem à volta destes dois vetores: as relações de Deus com os homens e dos homens entre si. Deus revela-se por meio do Seu agir na relação com o seu povo e nós damos a conhecer o que somos pelo modo como nos relacionamos com Ele e com os outros.
O Antigo Testamento utiliza dois termos diferentes para referir o agir misericordioso de Deus. O primeiro, hesed, significa a Sua bondade como caraterística constante do seu agir, na fidelidade à aliança com o seu povo; o segundo, rahamim, retirado do vocabulário que fala da relação da mãe com o seu filho, exprime os sentimentos de afeto, carinho, ternura, compreensão e perdão.
O Novo Testamento centra-se na atitude fiel de Jesus que age com bondade, especialmente na relação com todos os que andam perdidos; comovem-se as suas entranhas, diante dos que sofrem, são pecadores e estão humana e espiritualmente perdidos, a ponto de levar até às últimas consequências a sua atitude ao oferecer a sua vida por eles na cruz. Por isso, foi apresentado como o rosto da misericórdia do Pai e como o modelo de relação a seguir pelos seus discípulos.
Ao contrário do que geralmente se pensa, a pergunta do Livro do Génesis não precede uma atitude de condenação, mas dá origem ao primeiro anúncio das portas da salvação, por meio da referência à mulher, que esmagará a cabeça da serpente e será chamada Eva, a mãe de todos os viventes, porque abre as portas da esperança e da vida. Todos os outros passos da história bíblica se orientam para os mesmos horizontes de vida e salvação, vindo a culminar no anúncio da incarnação de Jesus, o Filho de Deus e Salvador, no seio de Maria. Ele chamar-se-á Jesus, “Deus salva”, pois revelará o sentido último da história, que é de salvação.

A missão da Igreja, na fidelidade à mensagem bíblica, consiste em apresentar de forma credível esta realidade do modo de ser e agir de Deus na sua relação com a humanidade e, ao mesmo tempo, paradigma da vocação universal da mesma humanidade - realizar-se por meio das relações de misericórdia.
A orientação para os outros, o trabalho em favor do bem comum por meio da justiça, as relações de fraternidade, amor e misericórdia, são linhas fundamentais do agir humano, sintetizadas pela mensagem do Evangelho e propostas ao longo dos séculos pela tradição cristã. As mesmas linhas de fundo têm certamente a ver com a realidade que hoje aqui temos bem presente, a da academia como lugar de conhecimento, de sabedoria, de valores e de relações, onde se forja grande parte daquilo que é a humanidade do tempo presente.
A finalidade última do ensino e da aprendizagem, da transmissão dos conhecimentos e do desenvolvimento do saber, da investigação e do progresso intelectual só pode ser a realização integral da humanidade que não acontece se não se favorece o aprofundamento das relações entre as pessoas, na perspetiva do dom de si, do sentido dos outros, da construção do bem comum, da justiça e do respeito, no fundo, do amor e da misericórdia.
O que é o progresso intelectual ou o desenvolvimento cultural que não fortalece as relações entre as pessoas? Para que serve o conhecimento mais especializado e o saber mais elaborado que não se traduz em responsabilização pelo destino de todos? Que benefício traz à comunidade humana a última palavra da ciência que não está ao serviço do bem integral da pessoa? Onde levam as mais avançadas tecnologias se usadas sem princípios éticos que ponham no centro a dignidade de toda a pessoa humana?
Para além destas questões teóricas e das respostas genéricas, torna-se necessário que todos os protagonistas do processo de criação e transmissão do saber, que é próprio da universidade, assumam responsavelmente essa consciência. Deparamo-nos frequentemente com muitas pessoas que continuam a exercer a sua missão de docentes ou de alunos numa perspetiva individualista; a sociedade promove constantemente uma concorrência feroz, cujas motivações são a conquista do poder e o domínio dos outros; o bem estar individual e a conquista dos meios de realização são frequentemente objetivos desligados do sentido do bem comum e, por vezes, contrários a ele.
A universidade, como a escola em geral, tal como a família, a sociedade, a economia, as empresas, as instituições em geral e, a seu modo, a própria Igreja, têm a obrigação de ser promotores do mais profundo sentido do bem comum, por meio da difusão da cultura da justiça e da misericórdia.
Os crentes têm no paradigma bíblico e na fidelidade à sua fé uma motivação que os leva a empreender com coragem e determinação este caminho de misericórdia. Os não crentes encontrarão na fidelidade ao sentido mais profundo da sua humanidade, que é ser com os outros e para os outros, o incentivo para orientarem todas as suas ações em ordem ao bem comum.
Deus, rico de misericórdia, continua a olhar por nós e a manifestar a sua comoção amorosa por meio da pergunta “onde estás?”. Que ao cuidado que Deus tem por nós, juntemos o cuidado pelos outros e nunca deixemos de ouvir a pergunta inquietante e comprometedora “onde está o teu irmão?”

Nossa Senhora, a Imaculada Conceição, nossa padroeira, continue a ser a porta pela qual vem ao mundo Jesus, o rosto de misericórdia do Pai. Que ela, como Mãe, nos ensine a ser uns para os outros os irmãos que sempre e em tudo usam de misericórdia. Ámen.

Coimbra, 8 de dezembro de 2015

 

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