Imacula Conceição 2020 - Homilia de Dom Virgílio

SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO 2020
SÉ VELHA DE COIMBRA

Caríssimos irmãos e irmãs!

Eis-nos chegados ao dia feliz da Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria. Assinalamos aqui, na Sé Velha de Coimbra, os 700 anos do culto da Imaculada Conceição instituído oficialmente pelo bispo D. Raimundo Evrard, por carta de 17 de outubro de 1320.

Tratou-se de um gesto ousado, tendo em conta as discussões teológicas existentes nessa época e nos tempos sucessivos a esse propósito. A persistência na busca da verdade doutrinal feita nas escolas, acompanhada pelo sentir geral dos fiéis, fez o seu caminho, de modo a chegarmos ao ponto alto da definição do dogma da Imaculada Conceição, proclamado pelo papa Pio IX em 1854.

A nação portuguesa faz parte desta história e participa neste caminho contando com as suas mais altas instituições e na fidelidade às suas raízes, antecipando na fé, na vida e na devoção dos fiéis o que o dogma havia de consagrar. Ao proclamar a Imaculada Conceição como Padroeira de Portugal, em 1646, D. João IV teve a feliz capacidade de entender o sentir do seu povo, que via a Virgem Maria a partir do mistério de Cristo e da Igreja, a partir do mistério da redenção humana.

“Ave, cheia de graça”.

Ao longo dos tempos, a reflexão cristã foi acentuando a importância do privilégio concedido por Deus à Virgem Maria, e com razão, por ela ser cumulada de graça, mais do que todas as outras criaturas. O Concílio Vaticano II ajudou-nos a interpretar adequadamente esta expressão, quando nos apresentou Maria como figura de mulher e de mãe, como figura humana marcada pela fé e cheia de virtudes simples e acessíveis que podemos acolher e desenvolver ao longo da nossa peregrinação sobre a terra.

Ao ser saudada como cheia de graça pelo Arcanjo Gabriel, segundo a narração agora escutada, e ao ser declarada como imaculada na sua conceição e, portanto, preservada imune de toda a mancha do pecado original, pela definição dogmática, professa-se, sem dúvida, a realidade única do mistério salvífico de Deus.

Após a saudação do Anjo, o Evangelista Lucas adianta imediatamente: “conceberás e darás à luz um Filho a quem porás o nome de Jesus”, tornando claro que o dom único de Deus se orienta para o dom, não só único como maior e mais excelente, que é a incarnação do Verbo de Deus para redenção da humanidade. No pensamento e no coração de Deus, que concede a Maria o privilégio da conceição imaculada, estamos todos incluídos, pois ali se prepara o seio que há de acolher Jesus, o Filho Primogénito, e que, na sua maternidade espiritual, nos há de acolher também a nós.

A esta luz podemos ler aquilo que somos pelo dom da graça recebida no batismo e que faz de nós filhos adotivos e herdeiros capazes de cantar com a Virgem Maria os louvores de Deus; alegramo-nos por a Virgem Maria nos dar Jesus, o Filho de Deus, por quem recebemos toda a espécie de bênçãos espirituais em Cristo.

Como filhos de Maria, sentimo-nos agradecidos a Deus por nos ter dado tão carinhosa Mãe. N’Ela vemos espelhado o rosto misericordioso de Deus que, chegada a plenitude dos tempos, prepara a vinda de Jesus ao mundo e por meio d’Ele manifesta a grandeza do amor que tem por cada um de nós, para que não se perca nenhum dos mais pequeninos.

“Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra”.

A “cheia de graça” por vontade de Deus, tornou-se “a escrava do Senhor” pela sua própria vontade livre iluminada pela fé e pela força do Espírito Santo. De pouco serviria a Maria e a nós o privilégio da sua conceição imaculada se o dom que recebeu não encontrasse nela uma vontade e um coração livres para acolher o projeto de Deus.

A liberdade de Maria constitui a resposta ao projeto amoroso de Deus, que se torna serviço amoroso aos irmãos. Sem ser constrangida nem violentada, porque isso não faz parte do modo de ser de Deus, Maria vê no anúncio do Anjo Gabriel o convite para fazer parte do projeto maior e mais belo alguma vez conhecido. Só na liberdade interior própria de um coração imaculado e de fé ardente ela pode pronunciar o seu “sim”, abrindo assim o caminho para a realização da esperança messiânica do seu povo.

A liberdade expressa na resposta de Maria, “faça-se em mim segundo a tua palavra”, tem um preço, porque a liberdade tem sempre um alto preço. Ao enfrentar todas as adversidades culturais, sociais e religiosas, a Virgem Maria sente já a espada de dor a trespassar a sua alma e permite-nos ver a sua identificação com as dores de Jesus e com as nossas próprias dores. Enquanto discípula, Maria identifica-se com a liberdade suprema de Jesus expressa na oração que dirige ao Pai no Jardim das Oliveiras: “não se faça a minha vontade, mas a tua” (Lc 22, 42). Deste modo, Maria une-se a Jesus e participa das suas dores. Unida a Jesus, Ela toca todos os dramas da humanidade, que geme e sofre sempre que procura percorrer os caminhos da liberdade e da verdade, na fidelidade a Deus e no amor aos próximo. Deste modo, Maria prepara-se também para se unir às alegrias do Povo que acolhe o anúncio glorioso de Jesus Ressuscitado, para continuar a testemunhar como Igreja a vitória sobre o mal e a feliz madrugada de esperança que nasce na manhã do primeiro dia da semana.

A Virgem Maria continua a ser inspiradora da fé da Igreja, da esperança cristã e do amor fraterno inscrito no coração de toda a humanidade. Enquanto criatura, ela responde com humildade, mas com firmeza à sua vocação e torna-se portadora de Cristo para a humanidade; enquanto membro de um povo que reúne em si as promessas de Deus, Ela vive sempre na esperança de um amanhã melhor, mesmo no meio dos dramas que conhece; enquanto Mulher e Mãe, Ela exprime o que significa amar a todos os que acolhe como filhos, sem excluir absolutamente ninguém.

O tempo presente, com as apreensões que nos trouxe à escala global, a par com os sofrimentos que afetam a humanidade, ajuda-nos a ver mais claramente a nossa comum condição: somos todos a mesma família, somos todos irmãos e estamos todos na mesma barca. A figura da Virgem Maria concentra em si e na sua maternidade espiritual este sentido da fraternidade universal, tão necessário a todas as consciências, particularmente nos momentos em que pode surgir a tentação de cada um se salvar a si mesmo e de deixar para trás o seu irmão.

Ao longo dos séculos, o povo sempre viu em Maria um sinal de Deus e uma intercessora nos momentos de alegrias e dores.

Recorremos também nós a ela nesta situação ímpar da história da humanidade e pedimos que, como Mãe, cuide de todos os seus filhos, os ampare e proteja na doença, no sofrimento e na morte.

Recorremos a ela e suplicamos que, no dramático momento presente, nos mostre a luz da esperança que irrompeu no mundo, quando, no Natal, do seu seio imaculado nasceu Jesus, Aquele que é a nossa esperança.

Coimbra, 08 de dezembro de 2020
Virgílio do Nascimento Antunes,
Bispo de Coimbra

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