Quarta-feira de Cinzas - Homilia de Dom Virgílio

MISSA DE QUARTA-FEIRA DE CINZAS 2021

SÉ NOVA DE COIMBRA

Caríssimos irmãos e irmãs!

Estamos a iniciar a Quaresma, que o Senhor nos oferece como um dom para repensarmos, reequilibrarmos e refazermos a nossa vida de fé, de esperança e de amor. Encontramos, este ano, algumas dificuldades maiores, mas também algumas novas oportunidades que temos de aproveitar como fazendo parte do tempo de graça e da hora da salvação.

Podemos iniciá-la com a tentação de desistência logo à partida sob o pretexto de que as dificuldades que temos vivido são tão grandes que já não deixam lugar para o jejum, a penitência, a esmola, a caridade ou o aprofundamento espiritual na relação com Deus e com os outros. Nesse caso seria mais ou menos a mesma coisa que nos anos anteriores, nos quais facilmente encontramos argumentos pessoais e comunitários para não dar os passos necessários.

É verdade que quarentenas e quaresmas temos vivido com abundância nos tempos que correm, mas pode acontecer que não nos tenham levado à conversão, que simplesmente as tenhamos suportado como o inevitável, com um sentido marcadamente humano, mas pouco motivado e conduzido pela fé. Podemos até dizer que a pandemia nos obrigou a mudar muita coisa na vida pessoal, na vida familiar, eclesial e social e acabaremos por reconhecer que algumas mudanças partiram de dentro, das convicções e da fé – e foram mudanças para melhor - mas reconhecemos também que outras terão sido mudanças para pior no que se refere ao respeito pelos outros, à caridade, ao crescimento espiritual, à vida em Igreja ou em sociedade.

A outra forma de encarar a Quaresma vai no sentido de a considerarmos como um tempo único, como uma oportunidade sem igual nas circunstâncias em que nos é dado vivê-la. Dessa forma ela pode ser um tempo de graça, um tempo favorável, uma hora de salvação, um caminho de fé, de esperança e de amor. Viver ao ritmo das circunstâncias é o mais fácil para qualquer pessoa, mas fazer das circunstâncias favoráveis ou hostis uma oportunidade de renovação exige a decisão própria das pessoas conscientes, livres e responsáveis.

Nem sequer o problema dos confinamentos que nos limitam nas possibilidades de estarmos reunidos em assembleia nos podem impedir de fazer caminho, pois a reunião da comunidade cristã é essencial para a vivência da fé, mas a vivência da fé não se resume à assembleia presencial. Faz-nos falta, mas recorda-nos que o culto que prestamos a Deus não pode ser vão nem pode reduzir-se a um ritual de reduzido impacto na totalidade da nossa condição de cristãos.

A sede da assembleia litúrgica comunitária, a sede da celebração dos sacramentos, a sede da proclamação do Evangelho, a sede da Igreja, a sede da comunhão visível e palpável com os irmãos, pode ser valorizada como uma penitência livre e voluntária a inserir no nosso programa de ascese quaresmal. Esperamos que se transforme em torrente de graça num futuro próximo para a Igreja de Cristo, que acolhe este sofrimento como desafio para a crescer no amor a Deus, no enraizamento no Evangelho, na espiritualidade cristã, na vida sacramental e comunitária, no testemunho da fé.

Esta Quaresma em tempo de pandemia dá-nos a graça de vermos a uma nova luz e com alguma tristeza, uma Igreja que, mesmo sem pandemia, sofre com a ausência do sentido de Deus na vida dos cristãos; sente ser comunidade de fracos laços de comunhão; percebe contar pouco para grande parte dos batizados; conhece a rarefação dos seus membros ativos e praticantes regulares do culto dominical ou dos sacramentos; toma nota da perda da dimensão ética por parte de muitos cristãos, tanto no respeitante às  pequenas questões da vida quotidiana como no que se refere às grandes questões fraturantes, como são as da vida, da economia, da justiça, da liberdade ou da dignidade humana.

O apelo dirigido pelo profeta Joel a todo ao antigo Povo de Israel dirige-se também a nós, o novo Povo de Deus, nascido no batismo, iluminado pelo Evangelho e fortalecido pela graça dos sacramentos: “Convertei-vos ao Senhor, vosso Deus”. Sim, nós os cristãos e membros da Igreja de Cristo precisamos de nos converter a Deus, de voltar a Deus como o fundamento das nossas vidas.

Os povos poderão perguntar-nos com desejo de saber ou com um tom meramente crítico: Onde está o vosso Deus? É que poderemos andar tão longe d’Ele e tão centrados em nós e nos nossos problemas que não percebamos a falta que Ele nos faz. E Ele está completamente disponível para habitar em nós por meio de Jesus, o Deus connosco.

A Quaresma, como nos gritou aos ouvidos o Papa Francisco esta manhã, é o momento oportuno para voltarmos a Deus, Áquele que dá sentido ao nosso sofrimento, que alimenta a nossa esperança e nos leva a recentrar a vida fundada na fé.

A Igreja precisa de voltar a Deus de todo o coração, pois essa é a condição para que se volte para a Humanidade e seja o sinal visível da salvação que lhe oferece por meio de Jesus Cristo morto e ressuscitado. Se perdemos esta centralidade de Deus na vida pessoal e eclesial, ficamos de mãos vazias, faltam-nos as razões para a esperança que não morre e debilita-se o nosso amor.

Voltar a Deus é, sem dúvida, o movimento interior a que chamamos conversão, é rasgar o coração, como dizia o profeta, para acolher Aquele que é clemente e compassivo, paciente e misericordioso. Os jejuns, as lágrimas e as lamentações, juntamente com a caridade fraterna, a oração e as demais práticas litúrgicas, sacramentais e proféticas são os caminhos que a sabedoria bíblica e eclesial nos oferecem para que esse movimento interior se torne uma realidade capaz de mudar o curso dos acontecimentos. Tudo isso nos ajudará a reconhecer e confessar os pecados, condição para nos deixarmos relançar na via da graça da renovação interior por meio do perdão.

Em São José, a quem confiamos a nossa caminhada quaresmal, encontramos a coragem criativa de que falou o Papa Francisco na Carta Apostólica “Com coração de pai”. Dessa coragem criativa precisamos nós e precisa a nossa Igreja, pois sem ela não há caminhos de conversão que nos façam voltar a Deus, a fonte da Vida.

“Com coragem criativa, levanta-te!” repetimos como lema nesta Quaresma. Conduza-nos São José que, à voz de Deus, corajoso e criativo, sempre se levantou e se pôs a caminho para salvar a vida de Jesus e de Maria, para cooperar com a obra da salvação de todos nós.

Coimbra, 17 de fevereiro de 2021
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

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