Caríssimos irmãos!
Estamos reunidos neste lugar sagrado de Fátima, escolhido pela Mãe de Deus para trazer à humanidade uma mensagem profética. Como Mãe dos homens, Maria não podia ficar tranquila ao ver os seus filhos percorrerem caminhos de perdição. Aquela que deu ao mundo o Salvador, continua, em todos os tempos, a ser mensageira da Palavra Eterna e testemunha de um estilo de vida orientada pela novidade do Evangelho, que salva.
O seu convite à penitência e à oração, enquanto caminhos de conversão, quer levar-nos a uma atitude de vida profética, ou seja, a vivermos de um modo tão justo e tão santo, que interpele os homens e mulheres do nosso tempo. A penitência, enquanto forma abraçar de a vida com tudo o que ela tem de agradável e de dureza, sabendo que é o lugar que temos para amar os irmãos, na renúncia e no sacrifício; a oração, enquanto forma de manter real a comunhão com Deus, conscientes de que d’Ele tudo nos vem, enquanto relação de amizade, que nos encoraja para acreditar, esperar e amar.
Viemos a Fátima para louvar o Senhor Deus que, na senda de Jesus Cristo, a Luz dos Povos, não cessa de enviar-nos os seus profetas, para que aprendamos a percorrer os seus caminhos proféticos, capazes de nos conduzirem às fontes da salvação. Aqui irrompeu uma grande profecia, que continua a ser um sinal de esperança e de salvação para a humanidade. Não se trata de um anúncio de qualquer catástrofe nem de uma solução miraculosa para todos os problemas que encontramos; trata-se de reconhecermos, à luz da Palavra de Deus, os erros e pecados em que nos encontramos, causa dos males que sofremos, e de nos deixarmos abrir à novidade de Jesus Cristo morto e ressuscitado e dos horizontes que nos aponta.
“Quereis oferecer-vos a Deus?”, é a pergunta de Nossa Senhora aos Pastorinhos, na aparição de Maio de 1917. Ela vem com uma mensagem profética, transformadora, e dirige aos Pastorinhos e ao mundo uma mensagem do mesmo género. A partir da fé em Deus e da confiança em Nossa Senhora, eles sentem-se envolvidos na mesma missão profética, aceitam transformar a vida. Apesar do seu “sim” imediato e generoso, aquela não era uma questão de palavras, mas uma questão de vida e testemunho. Aceitaram transformar a vida, com todas as consequências que isso significou, aliás bem expressas nas palavras de Nossa Senhora que se seguiram: “ides, pois, ter muito que sofrer, mas a graça de Deus será o vosso conforto”.
Na senda de Jesus Cristo, o único Profeta de Deus, que vive o que ensina, todos os cristãos são chamados a viver esta missão profética, ou seja, a viver e testemunhar aquilo que creem e aquilo que anunciam. Nossa Senhora, enquanto primeira cristã e discípula, é para nós o modelo humano de quem vive aquilo que crê. Os Pastorinhos de Fátima, elevam-se desta terra como duas candeias que refletem, com o brilho da sua pessoa, da sua vontade e do seu testemunho, o “sim profético” dado a Deus por meio de Maria.
A Palavra de Deus escutada neste Domingo traz de novo à nossa reflexão a grande pergunta, que nunca nos pode deixar: somos profetas de palavras ou profetas de obras? A nossa fé é um sentimento vago que temos na mente ou é uma realidade transformadora da vida?
Segundo o Livro dos Números, Moisés fez poisar parte do Espírito que estava nele sobre setenta anciãos, que começaram a profetizar, mas rapidamente deixaram de o fazer. Outros dois, porém, que também receberam o Espírito, profetizavam com entusiasmo, apesar de não serem conhecidos como profetas. Segundo o Evangelho de São Marcos, um homem desconhecido, que não andava com os discípulos e com Jesus fazia milagres em seu nome.
Num caso como no outro, o que conta para Moisés e para Jesus é a vida, autêntica profecia. “Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta!” conclui Moisés; “quem não é contra nós é por nós”, remata Jesus no Evangelho.
Tanto a Epístola de São Tiago como o Evangelho concretizam minuciosamente e de modo eloquente o que significa assumir na fé a missão profética: a renúncia a toda a avidez de riqueza, que despreza os direitos dos outros e o valor inestimável que é a justiça; o respeito absoluto pelos outros, pelos seus bens, pelos seus direitos e pela sua vida; a caridade manifestada em gestos concretos na relação com os mais débeis e mais pobres; a integridade e pureza de vida, tanto na interioridade do coração como na exterioridade das obras.
Nesta peregrinação nacional do Rosário e da Família Dominicana, recordamos a grande figura do seu patrono, São Domingos, que deixou as marcas da sua fé e da sua vida na Igreja, bem como o testemunho da sua integridade de discípulo de Jesus Cristo. Viveu como um verdadeiro profeta do seu tempo, tal como afirma a História da Ordem dos Pregadores: “Em toda a parte se mostrava, nas palavras e nas obras, como um homem do Evangelho”.
Todos vós, caríssimos irmãos, da Família Dominicana, sois convidados a apender com ele, a ser profetas deste tempo, por meio da palavra, do anúncio ou da pregação, bem ancoradas na integridade de vida e no Evangelho.
A oração cristã, na qual se insere a oração dos pobres, que é a oração do Rosário, será sempre o suporte da nossa caminhada profética. A meditação dos mistérios da vida de Jesus, a recitação pausada da oração que o Senhor nos ensinou e das ave marias, faz-nos entrar na intimidade da Santíssima Trindade, que aclamamos na doxologia.
Temos, por isso, sempre à mão esta forma de oração cristã, em todas as circunstâncias e ocupações. Acresce ainda o facto de Nossa Senhora ter posto nela tanto empenho e nos ter incitado tão repetidamente a rezar o Terço todos os dias pela conversão dos pecadores e pela paz.
Profetas deste tempo, ancorados na oração cristã, juntando o rosário dos nossos lábios e das nossas vidas ao rosário da vida de Jesus Cristo, dispomo-nos a transformar o mundo pelo anúncio do Evangelho e pelo fiel testemunho de vida.
Amparai-nos e protegei-nos Virgem Senhora do Rosário, “serva e mensageira da Palavra”, que “em Fátima, sois mestra, sois doutora, sois de Deus profecia, em Vosso altar”. Ámen.
Fátima, 30 de Setembro de 2012
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra