O Peso do Mundo nos Ombros dos Mais Pequenos
Absorvidos por um dia a dia cada vez mais exigente, quando não preocupados pelas vicissitudes de um país adiado, habituamo-nos a olhar com algum desprendimento os sinais que nos relatam um mundo em desordem. Criticamos a inépcia e as decisões criminosas de alguns dos dirigentes mundiais, mas deixamos dissipar na nossa consciência a constatação das consequências letais daquelas decisões para milhões de seres humanos.
De uma forma inconsciente admitimos como normal a violência da guerra, e da desumanidade, como se as mesmas fossem inevitáveis. O distanciamento emocional condiciona as nossas reacções perante a negação de valores fundamentais da nossa vivência em sociedade. Vivemos um tempo de crise moral global.
Entre as imagens que mais perturbam a nossa consciência está a das crianças que sofrem com rostos marcados pelo medo e pela dor. Cada olhar vazio, cada lágrima derramada de uma criança, deveriam ser uma súplica para que também cada um de nós lutasse para que a guerra nunca mais roubasse a infância de ninguém. Os números falam por si e vão desde a memória de cerca de 3000 crianças ucranianas que sucumbiram até às 15.000 crianças palestinianas mortas pelas bombas de gente sem alma, estejam em Moscovo ou em Jerusalém.
Na verdade, no silêncio das noites semeadas de drones e misseis, no choro sufocado pelo medo, no olhar vazio e em esperança, há um universo de sofrimento que o mundo insiste em esquecer. Gaza e Ucrânia são apenas dois nomes que se tornaram sinônimos de desespero, onde as crianças que deveriam estar na escola a aprender o amanhã estão a tentar esquivar-se das bombas e a fugir da morte. Em vez de risadas infantis nos pátios das escolas, ouvem-se as sirenes de alarme e os sons de destruição. Em vez de sonhar o futuro tenta-se sobreviver no presente.
Não é possível olhar com indiferença e não sentir um arrepio no espirito e um frio no coração perante a noticia da criança palestina palestinianas (Sama Tubail) que, amargurada pela guerra e pelo sofrimento, confessa o desejo de morrer. As crianças da guerra carregam nos olhos e na alma um mundo de destruição e de dor. Tornam-se adultas sem nunca terem sido verdadeiramente crianças. Seguram com força contra o peito os poucos brinquedos como se fossem a sua defesa contra a barbárie que as rodeia. Entre os destroços procuram pelos seus entes queridos e, quantas vezes, suplicam por uma ajuda que os ajude a sobreviver. Muitas assistiram, como num pesadelo sem fim, à perda de lares, famílias, e as suas memórias são uma sucessão de momentos de angústia. Crescem na incerteza do futuro, sem uma esperança que os preencha os dias e apenas com a certeza de que a vida pode ser roubada a cada momento e que a paz é um sonho distante.
Noutra latitude e longitude a guerra é outra, mas igualmente cruel. Recordamos o drama da escravatura infantil pois que aproximadamente cento e sessenta milhões de crianças são vítimas de trabalhos forçados, tráfico, abusos e explorações de todos os tipos, incluindo os casamentos forçados. É, também, o mundo das crianças que vivem nas barracas toscas em bairros esconsos onde a única certeza do dia a dia é a fome. Crianças que nunca o foram, sem pão e sem futuro, condenados a uma existência de miséria desde o nascimento, sem a esperança de uma vida digna. Para eles o amanhã é apenas mais um dia a dia na luta pela sobrevivência. São crianças sem brinquedos, sem escola e sem expectativas. São seres humanos descartáveis, para quem o amanhã é apenas mais um dia de luta contra a fome, contra a indiferença, contra um destino traçado por aqueles que nunca se importaram com eles.
Num mundo onde se gasta mais em armamentos do que em educação, onde as manchetes são efêmeras e o sofrimento alheio se torna estatística é imperativo lembrar estas crianças, tentando devolver-lhes a infância que perderam.
Não é possível ignorar o sofrimento e, como afirma o Papa Francisco, ”não é aceitável aquilo a que infelizmente assistimos quase todos os dias nos últimos tempos, ou seja, crianças que morrem sob as bombas, sacrificadas aos ídolos do poder, da ideologia e dos interesses nacionalistas. Na realidade, nada vale a vida de uma criança. Matar os mais pequeninos significa negar o futuro”.