POPULISMO(S?)
Passadas as eleições e já com um novo governo, não é algo estranho regressar a uma leitura da Fratelli Tutti e acolher a palavra do Papa Francisco, sempre apostada num serviço ao bem de todos os povos. O capítulo V dessa notável carta sobre a fraternidade humana aborda exatamente a «Política», mais exatamente: «A Politica Melhor».
É uma abordagem positiva e um convite a trabalhar pelo bem comum, superando visões estreitas e mecanismos populistas. «O desprezo pelos vulneráveis pode esconder-se em populismos que, demagogicamente, se servem deles para os seus fins, ou em formas liberais ao serviço dos interesses económicos dos poderosos».
Está lançado o mote para uma prática política que tenha como horizontes os mais frágeis e respeite as diferentes culturas. A política como nobre arte de serviço e de organização da vida coletiva para que todos tenham vez e voz e sejam sujeitos da sua proporia vida. Por isso é interminável o desafio…
Talvez seja bom recordar ao discurso do Papa Francisco no Palácio Presidencial em Atenas, em 4 de dezembro de 2021: «… não se pode deixar de constatar, com preocupação, que hoje – e não só no continente europeu – se verifica um retrocesso da democracia. Esta exige a participação e o envolvimento de todos e, consequentemente, requer fadiga e paciência. É complexa, ao passo que o autoritarismo é despachado, e as garantias fáceis propostas pelos populismos aparecem tentadoras. Em várias sociedades, preocupadas com a segurança e anestesiadas pelo consumismo, o cansaço e o descontentamento levam a uma espécie de «ceticismo democrático». Mas a participação de todos é uma exigência fundamental; e não só para alcançar objetivos comuns, mas porque responde àquilo que somos: seres sociais, irrepetíveis e ao mesmo tempo interdependentes».
Este grito de alerta já apresentado na Fratteli Tutti sob o nome de «populismo insano quando se transforma na habilidade de alguém atrair consensos a fim de instrumentalizar politicamente a cultura do povo, sob qualquer sinal ideológico, ao serviço do seu projeto pessoal e da sua permanência no poder»
O teólogo Juan José Tamayo vai mais longe e anota, com preocupação, as derivas para o fascismo político em discursos nacionalistas excludentes, xenófobos, racistas e negacionistas em relação às alterações climáticas. Mas vai ainda mais longe ao citar, no seu livro «La compasión en un mundo injusto» a teóloga evangélica alemã Dorothe Sölle que «qualificou de ‘cristofascismo’ a legitimação e o apoio da ideologia totalitária do nazismo por parte de setores cristãos tanto da Igreja católica como da protestante». E eu, escreve Tamayo, «criei o termo ‘cristoneofascismo’ para qualificar a atual aliança entre as organizações políticas e sociais da extrema-direita, apoiada pelo ultra liberalismo e pelos movimentos cristãos integristas, que contam com o apoio de dirigentes eclesiásticos críticos em relação ao Papa Francisco. É a nova religião».
A vertiginosa corrida aos armamentos, as situações de conflito, o aumento da violência, a pobreza, etc., são o campo de cultura propício ao aparecimento de novos messias, apresentados como salvadores da vida e das nações.
A serenidade da voz profética do Papa Francisco, clamando pela lógica da não-violência e do diálogo, contrasta com os discursos da dissuasão e do confronto ouvidos dos responsáveis políticos.
Em Tempo de Páscoa, e diante da morte e ressurreição de Jesus, quero acreditar que esse estreito caminho da não-violência possa ainda abrir-se por entre a espiral de violência a que estamos a assistir.
Idalino Simões