Saúde Mental em tempos de Aceleração
Vivemos tempos de aceleração marcados por ritmos frenéticos. É neste sentido que Harmut Rosa, sociólogo alemão, nos dá a conhecer o conceito de “aceleração social” a que recorre para descrever a agitação do mundo contemporâneo. Para o sociólogo, esta aceleração manifesta-se em várias dimensões, tais como a tecnologia, a economia, a cultura e as relações sociais, convidando-nos a compreender as implicações que a busca constante pela rapidez e pelo imediato tem nos nossos dias.
No mundo acelerado impera a pressa e a busca incessante pela produtividade; vivemos de rankings e de luta pela inalcançável perfeição. A tecnologia parece proporcionar eficiência e facilitar em muito o nosso quotidiano, mas quase todos possuímos dispositivos eletrónicos que emitem constantemente notificações: não conseguimos ignorá-las e estamos permanentemente em alerta. Somos constantemente desafiados pelas distrações que chegam a nós em várias direções. Temos dificuldades em gerir o nosso tempo, a pressão que nos é imposta (e que também impomos) e em olhar para a saúde mental como um bem precioso capaz de conectar as nossas relações com o mundo, com os outros e connosco.
De acordo com o relatório Health At A Glance (2018), divulgado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), 18,4% da população portuguesa sofre de doença mental. Na União Europeia, Portugal é o 5º país onde mais pessoas sofrem de Ansiedade e Depressão. Nesta linha de raciocínio, no ano de 2021, a Ordem dos Psicólogos informou-nos que, em Portugal, cerca de três pessoas morrem de suicídio por dia, sem contar com as várias tentativas que são levadas a cabo nesse sentido. Nos dias de hoje é preciso olhar para estes números com muita cautela perante uma pandemia que nos tornou mais vulneráveis e sob uma crise financeira que tem abalado os portugueses, desde a inflação à escassez de habitação.
Há uma passagem do Evangelho que é um grito para nos desinstalarmos deste mundo acelerado e que possui uma lente riquíssima de reflexão sobre a saúde mental nos dias que correm. Nesta passagem, Jesus entra numa casa onde estão duas irmãs: Marta e Maria. Perante esta visita, Marta entrega-se ao trabalho por Jesus, atarefada com muitos serviços, enquanto Maria, sentada aos pés do Senhor, O Escuta (Lucas 10, 38-42).
Maria e Marta representam duas abordagens distintas perante a vida. Marta, dedicada às tarefas práticas, simboliza a tentação do envolvimento constante em ocupações e pela conquista frívola de produtividade. Maria escolhe sentar-se aos pés de Jesus, priorizando a Sua presença e contemplando todos os ensinamentos.
A relação entre a saúde mental e a aceleração é clara nesta passagem. Marta, sobrecarregada pelas ocupações expressa a ansiedade e a pressão constante que a aceleração exerce sobre as pessoas, levando-as a uma desconexão com o momento presente e impactando a saúde mental. A escolha de Maria, por outro lado, aponta para uma necessidade crucial no quotidiano acelerado: momentos de serenidade e de espiritualidade. Num mundo onde o tempo é um recurso valioso e escasso, a atitude de Maria demonstra a importância de preservar espaços para o enriquecimento da saúde mental e o bem-estar emocional. Esta passagem não sugere a rejeição do trabalho ou das responsabilidades diárias, mas sim a necessidade de equilibrar a ação com a contemplação. Refletir sobre esta dinâmica permite-nos perceber que a aceleração nos empurra para uma corrida sem fim, deixando-nos exaustos e ansiosos. A pausa que Maria escolhe lembra-nos que a saúde mental não se define apenas pela ausência de stress, mas também pela necessária presença de momentos de recarga e reconexão.
Seria agradável que pudéssemos escolher ser Maria e que pudéssemos contemplar e encontrar o equilíbrio e a paz sempre que precisássemos. No entanto, perante as constantes crises que atravessamos, somos empurrados a ser Marta como meio de sobrevivência num mundo acelerado que não nos dá tempo para pensar no tempo.
Daniela Neto
Comissão Diocesana Justiça e Paz
