Utilização dos espaços religiosos para atividades culturais

UTILIZAÇÃO DOS ESPAÇOS RELIGIOSOS
PARA ATIVIDADES CULTURAIS


A seu tempo, o Vigário-Geral da Diocese de Coimbra, Mons. Manuel Leal Pedrosa, publicou uma instrução acerca da utilização cultural dos espaços religiosos. Nela, reafirmando o valor artístico, histórico e cultural, colocava algumas condições e requisitos para que nos espaços reservados ao culto se pudessem realizar atividades culturais, sociais, recreativas e formativas numa colaboração salutar da Igreja com as entidades locais e civis
Como se torna urgente revisitar esta mesma instrução e atualizá-la tendo em conta documentos posteriores, nomeadamente, a Concordata, e porque os sacerdotes mais novos e os vindos de fora da Diocese a desconhecem, com a concordância e por mandato do Senhor Bispo, Dom Virgílio do Nascimento Antunes, apresento a instrução que se segue para que oriente a utilização dos espaços religiosos quando utilizados pontualmente para atividades culturais nas comunidades da Diocese de Coimbra.

I

O facto de as igrejas afetas ao culto possuírem, além do seu significado religioso, um valor artístico, histórico e cultural, pode permitir olhares diferentes e despertar propostas de utilização também diferentes.
Nos últimos anos tem-se verificado uma maior apetência pelo uso das igrejas, para atividades de índole cultural e social. Os pedidos de utilização para tais fins vão aumentando, sem que haja sempre manifesta consciência do carácter e finalidade dos espaços sagrados.
Compreende-se que a beleza da sua arquitetura, o silêncio do seu ambiente e a qualidade da sua acústica constituam fortes atrativos para a sua procura e utilização.

II

Sendo o culto religioso e outras atividades pastorais afins o específico das igrejas, pergunta-se se outras atividades, nomeadamente de índole cultural, poderão ter lugar nesses espaços.
Para respondermos a esta pergunta, começamos por recordar a natureza da igreja.
A igreja, no sentido de casa ou construção, é o espaço litúrgico por excelência da comunidade cristã. É o lugar onde a assembleia cristã se reúne para celebrar os mistérios da sua fé, escutar a Palavra de Deus e receber os sacramentos. É o lugar onde o homem exprime a sua relação com Deus através das diversas formas de oração e onde celebra a Eucaristia.
A igreja é casa de Deus e casa dos homens. Ela permite lembrar e celebrar o sentido da transcendência da vida humana. É o lugar sagrado, dedicado ao culto divino, pela sagração ou bênção, ficando retirado de usos profanos. Conserva o seu carácter sagrado mesmo quando nela não se realiza qualquer ato de culto.
Da consideração do carácter sagrado da igreja conclui-se que esta não pode ser encarada como lugar público onde se pode realizar qualquer tipo de atividade ou reunião.

III

Pergunta-se: qual o critério a seguir na utilização das igrejas? A resposta é-nos dada pelo Código de Direito Canónico que, no cânone 1210, estipula o seguinte: "No lugar sagrado apenas se admita aquilo que serve para exercer ou promover o culto, a piedade e a religião; e proíbe-se tudo o que seja discordante da santidade do lugar. Porém, o Ordinário pode permitir acidentalmente outros atos ou usos, que não sejam contrários à santidade do lugar".
Da leitura deste cânone ressalta claramente o reconhecimento de que as igrejas se destinam ao culto, de modo exclusivo. Só excecionalmente e em casos pontuais, devidamente autorizados, poderão ser usadas para outras atividades.
Exclui-se tudo o que não esteja em consonância com a santidade do lugar, como possam ser concertos de música profana, teatros profanos, comícios políticos, reuniões ou rituais de associações civis, etc. Poderão ser permitidos concertos de música sacra ou religiosa, conferências sobre temáticas de formação humana ou cultural, sobretudo de inspiração cristã ou relativas à vida e história da igreja.
De acordo com o preceituado no Código de Direito Canónico, as igrejas só poderão ser utilizadas para atividades não cultuais, quando se verificarem as seguintes condições:

a) Que a atividade seja condizente com a santidade do lugar;
b) Que a atividade se revista de carácter acidental e não permanente;
c) Que o Ordinário diocesano conceda autorização para a atividade pretendida.

Só quando se observarem estes requisitos, se poderá considerar legítimo o uso das igrejas para fins não cultuais.
Como se encontra explicitamente definido pelo Direito da Igreja, só ao Ordinário diocesano cabe julgar e decidir se pode ser autorizada nas igrejas determinada atividade de índole não cultual ou pastoral. Este critério é extensivo também às igrejas classificadas como monumentos nacionais ou de interesse público. Tal conclusão resulta da Concordata celebrada entre a Santa Sé e a República Portuguesa, a qual, no artigo 22º, parágrafo 1, estatui o seguinte: "Os imóveis que, nos termos do artigo VI da Concordata de 7 de maio de 1940, estavam ou tenham sido classificados como «monumentos nacionais» ou como de «interesse público» continuam com afetação permanente ao serviço da Igreja. Ao Estado cabe a sua conservação, reparação e restauro de harmonia com plano estabelecido de acordo com a autoridade eclesiástica, para evitar perturbações no serviço religioso; à Igreja incumbe a sua guarda e regime interno, designadamente no que respeita ao horário de visitas, na direção das quais poderá intervir um funcionário nomeado pelo Estado.".
Como se vê, pela lei concordatária, as igrejas classificadas como monumentos nacionais ou de interesse público continuam afetadas, de modo permanente, ao serviço da Igreja.
Por conseguinte, quando se tratar da utilização de espaços sagrados para fins não cultuais é irrelevante que estes sejam classificados ou não, sejam propriedade do Estado ou de outras entidades. Em todas as situações, desde que estejam afetos ao culto, carece-se de autorização do Ordinário diocesano para serem usados para fins diferentes dos que lhe são próprios. O facto de o seu carácter sagrado ser permanente, estes mantêm-se independentemente de, num determinado momento, não se realizar qualquer ato de culto ou similar.
Aliás, quando a Concordata, no artigo citado, reconhece à Igreja o regime interno dos templos classificados, reconhece, ao mesmo tempo, que só a ela compete definir os critérios de utilização, tendo em conta a sua natureza específica. Seria, por isso, descabido, por que contrário ao direito concordatário, pretender-se dispor livremente da utilização das igrejas, fora dos tempos de culto, sem prévia autorização da competente autoridade eclesiástica.

IV

Os pedidos mais frequentes para utilização dos espaços das igrejas, fora das celebrações litúrgicas, dizem respeito a concertos musicais. As razões invocadas para tais pedidos prendem-se, geralmente, com o ambiente, condições acústicas e beleza destes espaços.
Tendo em conta esta situação, a Santa Sé, através da Congregação para o Culto Divino, em documento datado de 11 de novembro de 1987, intitulado: "Carta aos Presidentes das Conferências Episcopais e aos Presidentes das Comissões Nacionais de Liturgia, para os concertos nas igrejas", traçou um conjunto de normas práticas, cujos aspetos mais importantes, passo a indicar:

a) A música deve ser sacra ou religiosa;
b) Deve ser apresentado um pedido, por escrito, ao Ordinário do Lugar, com indicação da data do concerto, do horário, do programa, com explicitação das obras a executar e nome dos autores;
c) Os executores e o público devem ter uma compostura condizente com o carácter sagrado da igreja;
d) Os músicos e cantores evitarão ocupar o santuário;
e) Deve observar-se o maior respeito para com o altar, a cadeira do celebrante e o ambão;
f) Sempre que possível, o Santíssimo Sacramento será guardado numa capela anexa ou noutro lugar digno e seguro;
g) A entrada na igreja será, por regra, livre e gratuita;
h) O concerto deverá ser apresentado com comentários não apenas de ordem histórica ou artística, mas de molde a favorecer uma melhor compreensão e uma participação interior dos ouvintes.

Como se constata, mesmo para a realização de concertos nas igrejas, exige-se a observância de um conjunto de normas que permitam assegurar o respeito devido a um lugar sagrado.
Quando se tratar de outros pedidos de utilização que não o musical, tenha-se, a seu modo, sempre presente o que anteriormente se disse, apresentando-se atempadamente (nunca inferior a um mês de antecedência e antes de compromissos assumidos) o pedido de autorização ao Ordinário diocesano com uma descrição suficientemente clara do que se pretende realizar no espaço sagrado e a identificação dos responsáveis e dos intervenientes.
Em todos os casos e situações nunca se permite que estas pontuais utilizações venham a dificultar, sobrepor-se ou a impedir o habitual e normal uso do espaço religioso. Neste particular, compete ao pároco ou capelão responsável, o pronunciamento prévio da disponibilidade do espaço para a realização do evento e o acompanhamento da realização da atividade assegurando a fiel observância do que fica definido.

V

Quando se estabelecem restrições à utilização das igrejas para atividades não cultuais, não se põe em questão, de modo algum, nem o reconhecimento do seu valor artístico, histórico e cultural, nem a necessidade de assegurar condições que permitam a sua usufruição. A Igreja entende que os seus bens patrimoniais, sobretudo quando se revestem de especial valor, devem ser usufruídos pelo público, mas dentro dos condicionalismos impostos pela sua natureza e destino.
Se é certo que toda a forma autêntica de culto é expressão de cultura, não é menos certo que a cultura não é necessariamente um ato de culto. Por isso, a louvável preocupação de promover hoje as diversas formas de cultura não deve levar a uma apropriação indevida dos espaços destinados ao culto divino. Para benefício quer do culto quer da cultura, é indispensável estabelecer a diferença entre espaço cultual e espaço cultural.
A Igreja compreende que, nalgumas situações, não existem espaços adequados ao desenvolvimento de determinadas atividades culturais; todavia, tal carência não legítima, por si só, o recurso a locais sagrados.

VI

Precisamos de preservar o espaço sagrado das nossas igrejas. Precisamos de respeitar a sensibilidade religiosa dos crentes. Precisamos de criar condições que permitam exprimir com dignidade e liberdade a fé em Deus. Precisamos de evitar que a onda de secularização que varre o nosso tempo penetre nos espaços das nossas igrejas e profane o seu carácter sagrado. O homem moderno, tantas vezes agitado, perturbado e inseguro, precisa de locais de silêncio, onde mais facilmente possa encontrar-se consigo e com Deus. Já no citado documento da Congregação para o Culto Divino, se afirma o seguinte: "Numa sociedade de agitação e ruído, sobretudo nas grandes cidades, as igrejas são também lugares propícios em que os homens reencontram, no silêncio e na oração, a paz do espírito ou a luz da fé". E continua com esta observação: "Isto só é possível se as igrejas conservarem a sua identidade. Quando são utilizadas para fins diferentes dos que lhe são próprios, a sua característica de sinal do mistério cristão corre perigo com males mais ou menos graves para a pedagogia da fé e o sentido do povo de Deus, como lembra a palavra do Senhor: 'a minha casa é uma casa de oração' (Lc 19,46) ".
A preservação e respeito do espaço sagrado das igrejas pela recusa do seu uso para atividades não condizentes com a sua dignidade e santidade constitui não só legítima defesa dos direitos das comunidades dos crentes, mas defesa da cultura e do homem. O serviço litúrgico das igrejas ficaria prejudicado e até desfigurado, se elas fossem utilizadas arbitrariamente para fins diferentes dos que lhe são próprios. Embora se reconheça a inevitabilidade de tais limites, estes não significam, de modo algum, nem desprezo, nem indiferença ou desinteresse pelo mundo da cultura. Significa apenas que o mundo do culto e o da cultura possuem, cada um, o seu carácter e lugar próprios, embora possam e devam viver em diálogo e cooperação. Tal distinção, além do mais, poderá evitar o risco de reduzir o património artístico e cultual da Igreja ao seu mero valor cultural.

Coimbra, 17 de maio de 2023
O Vigário-Geral da Diocese de Coimbra
Padre Manuel António Pereira Ferrão


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