Entrevista de Dom Virgílio Antunes ao Correio de Coimbra - Setembro de 2017

Entrevista de D. Virgílio Antunes ao jornal Correio de Coimbra de 21 de Setembro de 2017

 

Que imagem tem o Senhor D. Virgílio da sua Diocese? Ou, se preferir, o que mais o foi surpreendendo à medida que a foi conhecendo?

Há na nossa Diocese alguns aspetos muito positivos, que têm a ver com o dinamismo evangelizador já existente, e de que me apercebi assim que cheguei. Um dinamismo evangelizador que se manifesta nas ações concretas, lançando mão de alguns meios adequados para a evangelização, e que se manifesta também na convicção já enraizada, pelas pessoas, de que é preciso ir mais longe na ação pastoral, de que é preciso evangelizar. Penso que este dinamismo evangelizador é uma caraterística fundamental da nossa Diocese, pelo menos quando comparada com outras que, por algum motivo, ainda não conseguiram novos impulsos evangelizadores.

Outra marca da Diocese é a consciência comum de que os leigos são Povo de Deus, parte ativa e responsável da vida da Igreja. E, de facto, envolvem-se. Temos muitos leigos comprometidos nos diferentes ministérios laicais (ministério extraordinário da comunhão, celebrações dominicais na ausência de presbítero…), nalguns conselhos pastorais, etc.

A dinâmica dos diáconos permanentes também foi uma surpresa para mim, uma vez que, quando cheguei, encontrei diáconos permanentes normalmente bem inseridos, bem aceites e em boas relações com os presbíteros, o que nem sempre tem acontecido em toda a parte. Portanto, há uma apetência acolhedora, tanto da parte dos presbíteros como da parte do povo, no que diz respeito aos diáconos permanentes.

Temos também algumas lacunas muito graves. Uma delas é a das vocações sacerdotais. Já vem de há algum tempo, mas agora estamos numa situação agravada, muito difícil. Pode ser providencial - está a obrigar-nos a refazer o estilo de ação pastoral e a ganhar uma consciência mais acentuada da Igreja como Povo de Deus -, mas não deixa de ser uma lacuna muito grave na vida da nossa diocese.

Outra lacuna grande tem a ver com a catequese, sobretudo na formação dos catequistas. Há boa vontade, há interesse, há gosto, mas não temos ainda os níveis de formação adequados para os dias de hoje e para a tarefa difícil da catequese da infância, da adolescência e da juventude.

Falando da catequese, um ponto forte na nossa diocese, que de algum modo é “uma pedrada no charco”, é a catequese de adultos, porque nós, enquanto Diocese, conseguimos pelo menos tomar consciência daquilo que dizem os documentos fundamenais da Igreja: que a catequese dos adultos é o modelo de toda a catequese cristã. Nós, pelo menos, essa convicção já temos, e estamos a fazer caminho, o que é um ponto muito positivo no contexto da Igreja diocesana.


O que quer o Bispo de Coimbra, aqui e agora, para a Igreja a que preside?

O “querer do Bispo” tem a ver sobretudo com os pontos fundamentais que saíram da teologia do Vaticano II. Primeiro, uma Igreja, toda ela, a ser e a sentir-se Povo de Deus participativo, ativo, consciente, nas diferentes manifestações e dimensões da vida cristã, tanto na diocese como nas unidades pastorais, e não simplesmente com uma pertença cultural ou tradicional.

Depois, uma Igreja que seja verdadeiramente comunhão – em que as pessoas se sintam em comunhão com Deus e em comunhão umas com as outras. E, associada à comunhão, a unidade: unidade de princípios, de perspetivas, de objetivos, naturalmente sem rejeitar a criatividade ou a capacidade de algumas comunidades irem a ritmo mais acelerado… Não significa unicidade; mas que houvesse unidade efetiva naquilo que é essencial.

Depois, que fosse uma Igreja com entusiasmo, onde o bispo, os padres, os diáconos, os consagrados, e certamente também os leigos, tivessem uma fé viva e fossem capazes de a assumir com entusiasmo não só no trabalho no interior das comunidades cristãs, mas também na evangelização. Evangelização, que tem sido uma das palavras fortes no discurso da Igreja universal e também no discurso da nossa Igreja diocesana! Aquilo que mais nos custa ver é, às vezes, comunidades desanimadas, sem alegria, sem horizontes de futuro…

Portanto, uma Igreja diocesana enraizada na fé, com grande consciência eclesial e cheia de entusiasmo para a evangelização.


Em que medida é que o Plano Pastoral que este domingo é apresentado à Diocese responde a esses anseios?

Este Plano, do meu ponto de vista, vai àquilo que é essencial, diria, no conteúdo e no processo. No processo, é fruto de um caminho feito pela Diocese, mesmo que os participantes nessa reflexão, eventualmente, não tenha sido uma multidão tão grande como nós gostaríamos; mas resulta, de facto, da reflexão feita em muitos grupos, serviços, conselhos pastorais. Depois, centra-se, efetivamente, naquilo que é essencial à vida da Igreja: a evangelização e o aprofundamento da fé; o enraizamento espiritual (para que não caiamos na tentação de entender a Igreja como uma “organização”, mas sim uma Igreja enraizada no Evangelho e com o dinamismo que vem do Espírito de Deus); e, depois, alguns aspetos da dimensão organizativa, porque não somos uma Igreja “espiritualista”, mas uma Igreja incarnada num território, em circunstâncias concretas, o que implica os modos, os meios e os lugares em que ela vive, cresce e se manifesta.

Além disso, o Plano tem ainda uma caraterística que penso que é muito importante, que é a de deixar às comunidades cristãs, concretamente às Unidades Pastorais, o desafio de elas mesmas, a partir das linhas fundamentais, fazerem o seu Projeto de ação, tendo em conta a realidade muito concreta em que vivem, a cultura das pessoas… Portanto, o Plano quer e possibilita que as próprias Unidades Pastorais sejam protagonistas do seu próprio caminho, em comunhão com a Igreja de Deus e com a Igreja diocesana.


Mas essa focalização nas Unidades Pastorais, quando estas são, em grande medida, quase embrionárias, sem história e sem definição jurídica clara, não poderá vir a ser o “calcanhar de Aquiles” do Plano?

Não, não penso! Também nisso nos sentimos a fazer caminho. Tenho percorrido a Diocese em Visita Pastoral, e vou percebendo que esta consciência de Unidade Pastoral já está muito presente, até nas próprias palavras que se utilizam nos esquemas, nos programas… E as pessoas, hoje, já têm consciência de que não é possível cada paróquia por si mesma subsistir, porque em muitos casos – certamente não em todos - faltam alguns elementos fundamentais para isso. É, portanto, um caminho que estamos a fazer, que penso que não é reversível e que, em relação ao Plano, não é um “calcanhar de Aquiles”, antes tem muitas possibilidades. Isto não nega que seja um caminho difícil, porque mexe com aquilo que é a tradição de muitos séculos. Mas à medida que as pessoas vão trabalhando nesta perspetiva, também se vão apercebendo, pesem as dificuldades, da riqueza que é uma “unidade pastoral”.


Tradicionalmente, toda a gente aponta três setores como prioridades pastorais: família, jovens, vocações. Não seria mais eficaz um Plano Pastoral que tivesse como grande objetivo uma intervenção direcionada para um destes setores?

Penso que um Plano Pastoral tem que ser abrangente, tem que ter em conta toda a vida da Igreja, todos os setores… Depois pode, efetivamente, em alguns tempos precisos, insistir mais nalgum setor da vida da Igreja. Mas uma Diocese não pode propor um Plano simplesmente setorial, esquecendo o conjunto, porque isso seria afunilar, seria empobrecedor; tem que ter uma visão de conjunto e da globalidade. Portanto, penso que nós estamos no caminho certo quando propomos um Plano global, que tem em conta a universalidade da Igreja e das dimensões da fé; o que não impede que nalguns momentos específicos se possa atender mais a alguma dimensão específica da vida cristã, mas isso gostaríamos que fosse antes cada um dos setores, liderados porventura pelos respetivos Secretariados diocesanos, ou cada uma das Unidades Pastorais, a procurar implementar e desenvolver ações específicas, dentro da unidade do Plano diocesano.


Mas temos aí o próximo Sínodo dos Bispos sobre os jovens. Seria uma oportunidade…

Os jovens são um setor importante, no qual havemos de fazer caminho, aproveitando também, com certeza, o dinamismo do Sínodo. Mas sem que isso signifique esquecer as outras dimensões da vida da Igreja, até porque não é possível: os jovens estão inseridos na família, na escola, na catequese paroquial, na liturgia… Portanto, se a comunidade cristã está viva e é evangelizadora, cuida efetivamente das crianças e dos jovens, como cuida da família, como cuida das vocações. Por isso, quando dizemos que está em crise o setor dos jovens, ou o das vocações, se calhar teríamos antes de dizer que está em crise a identidade da comunidade cristã, ou que estão em crise os meios de evangelização, ou os modelos da vida espiritual…, embora, naturalmente, certos contextos, a cultura do meio ambiente, etc., possam agravar a crise das vocações ou a dificuldade do trabalho com os jovens…


Da leitura do Plano, ficaram-me duas notas soltas que gostava que o Senhor Bispo aprofundasse. Uma sobre a Missa dominical e a outra sobre nós próprios, uma referência à importância de valorizar o Correio de Coimbra. Comecemos por esta: o Correio foi uma aposta ganha?

Houve um salto qualitativo, houve um maior interesse pela questão, mas… ainda não está ganha.

Vamos por partes. Em primeiro lugar, a decisão da continuidade do Correio foi muito difícil, porque foi o único caso em que, até agora, eu não segui o parecer do Conselho Presbiteral. Ouvi, naturalmente, vários Conselhos, outras pessoas, atendi às circunstâncias em que o Conselho Presbiteral deu o seu parecer…, e acabei por tomar a decisão da continuidade. Hoje estou feliz por termos feito esse esforço de renovação; e tenho ouvido, mesmo fora da Diocese, críticas muito positivas ao nosso Correio de Coimbra da parte de pessoas com conhecimento na matéria. Agora, continuamos com a dificuldade de interessar o Povo de Deus pela imprensa diocesana escrita. Talvez falte ainda o dinamismo eclesial de pertença, de sentirmos a Igreja como coisa nossa; as pessoas amam a Igreja, mas não naquela sintonia que as leve a interessar-se ao nível de ler um jornal. Depois, também não estamos imunes à crise que atinge hoje toda a imprensa escrita e ao crescimento do interesse pela informação digital, e uma parte da população da nossa diocese procura a informação por outros meios, que não a imprensa escrita. Temos, portanto, que desenvolver as outras formas de comunicação digital, mas também aí temos tido algumas dificuldades (às vezes, do ponto de vista informativo, a nossa Diocese de Coimbra não existe aí, ou existe com pouco espaço). Há, portanto, ao nível da comunicação, dificuldades várias, e tentamos fazer caminho pela via da tomada de consciência de que somos Igreja e de que é importante estar em sintonia e conhecer o que se passa na Igreja.


Sobre a Eucaristia, o Plano pede a valorização da Missa Dominical da unidade pastoral…

Esse é um ponto muito importante, porque “a Eucaristia faz a Igreja” e, portanto, é o centro da vida cristã, imprimindo-lhe um ritmo semanal com a vivência do Domingo, etc., envolvendo um conjunto de conteúdos teológicos, doutrinais e eclesiais muito importantes. As pessoas com uma fé mais viva participam na Eucaristia, e a Eucaristia, por sua vez, ajuda-as a crescer ainda mais na fé. Apercebemo-nos, contudo, que a certa altura, nalgum tempo passado, terá havido um certo “esfarelamento” daquilo que eram as celebrações: todos os lugares, grandes e pequenos, passaram a ter celebrações, e a celebração da Missa dominical paroquial, concretamente nas Igrejas paroquias, em muitos casos, ficou bastante empobrecida: porque os participantes são poucos, as forças vivas estão dispersas, os mais diversos motivos. Temos vindo a fazer essa reflexão, inclusive dentro do Conselho Presbiteral, e pensamos que nos devemos recentrar na celebração da Eucaristia, porventura em assembleias maiores, dando cumprimento ao velho chavão “mais Missa e menos missas”, para que a celebração tenha todos os elementos fundamentais para ser uma celebração que traduza a Igreja que é comunidade cristã que escuta a Palavra, parte o Pão e se prepara para o exercício da caridade cristã e da vida. Portanto, a perspetiva é avançar no sentido de a Eucaristia ser alvo do maior cuidado sob todos os pontos de vista, em todos os aspetos, e porventura centrada em povoações com maior número de cristãos, o que pode significar reduzir o número de celebrações dominicais, quer aquelas sem presbítero, quer mesmo aquelas com presbítero mas em lugares em que o reduzido número de participantes e outras circunstâncias não permitem a qualidade celebrativa.


Permita-me evocar, como ponto alto do último ano, a ordenação de um número tão significativo de diáconos. O que se espera destes agora ordenados?

Foi, de facto, um momento muito forte, do ponto de vista emotivo, com certeza, mas sobretudo do ponto de vista do sentido eclesial, a partir da disponibilidade para o serviço à Igreja de um número tão significativo de diáconos, que não era costume entre nós e que não é fácil de encontrar. O que se espera dos diáconos é que sejam bons membros da comunidade cristã, com fé, com espírito de serviço nos diferentes trabalhos pastorais, com dinamismo evangelizador e que tenham capacidade também de liderança dentro das comunidades cristãs, numa colaboração muito estreita com os sacerdotes, com os párocos, e numa abertura muito grande ao Povo de Deus. Estes diáconos que foram agora ordenados tiveram um tempo de formação que creio adequado, estão agora a inserir-se nas comunidades no seu novo ministério, e encontro-os bem dispostos, felizes; e encontro também os sacerdotes numa boa atitude de acolhimento. É, portanto, uma grande esperança para a Igreja de Coimbra.


Vamos ter mais diáconos permanentes?

Vamos ter mais diáconos. Neste momento estamos na fase de receber as propostas vindas dos párocos, e já tenho conhecimento de algumas.


Para terminar: “Aproximai-vos do Senhor” - que desafio é esse colocado à Diocese como lema do novo Plano Pastoral?

Certamente um desafio grande, mas, mais uma vez, bem centrado no essencial. A vida cristã é toda ela caminho. Temos consciência de que somos chamados à fé, de que somos chamados por Cristo a segui-lo. É um caminho que nunca está concluído: é um caminho de aprofundamento e interiorização, de inserção na comunidade cristã, mas é também um caminho de saída para fora, ao encontro dos outros, com intuito evangelizador, com a caridade, com a proximidade. É tudo isso que está presente nesta exortação da Primeira Epístola de Pedro: “aproximai-vos do Senhor”, não no sentido de ficarmos fechados no templo, num sentido espiritualista, mas no sentido de quem se aproxima, de quem faz caminho, de quem é discípulo, de quem se abre à Igreja e ao vasto mundo em que nós vivemos.

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