DOMINGO DE RAMOS NA PAIXÃO DO SENHOR
SÉ NOVA – 2024
Caríssimos irmãos e irmãs!
Na noite em que Jesus ia ser entregue, apoderou-se d’Ele o sofrimento mais atroz, profetizado por Isaías nos cantos do Servo de Javé. Era o sofrimento do inocente, maltratado e condenado injustamente, sem ter cometido pecado algum. Aceitou ser humilhado e obedecer até à morte e morte de cruz, não como uma fatalidade, mas como um gesto de redentor, como um caminho de amor em favor de todos os homens.
Aquilo que mais fez sofrer Jesus não foi a oferta da sua vida, mas sim a injustiça daquele gesto, marcado pelo ódio e pela total ausência de amor. O silêncio dos discípulos, a sua insensibilidade, o seu sono e a sua incapacidade de O acompanharem vigilantes, pesou mais sobre Ele do que a própria cruz a que ia ser conduzido.
“Simão, estás a dormir? Não pudeste vigiar uma hora?” Afastou-Se de novo e orou pela segunda vez... voltou uma terceira vez... e os discípulos continuavam a dormir. O sono da noite abatera-se sobre eles enquanto, o Mestre e Senhor, no gesto maior do amor de Deus, estava prestes a dar a vida por eles.
Daquele momento em diante, os discípulos de Jesus veem-se confrontados com o mesmo drama: o sono da noite a esconder a força do amor de Deus, revelado em Jesus Cristo, Seu Filho, que Se oferece por nós. Nessa debilidade dos discípulos manifesta-se o poder de Deus, a impossibilidade de se salvarem por si mesmos, a necessidade de acolherem o dom que vem do alto.
Este sono dos discípulos evoca as noites da nossa fé pessoal, as noites da nossa insensibilidade ao amor de Deus revelado na paixão e na morte de Jesus.
O sono dos discípulos evoca também as noites da fé da Igreja, preocupada com coisas insignificantes e banais, mas adormecida para o anúncio da Boa Nova que liberta, cura e salva.
O sono dos discípulos evoca ainda a insensibilidade da humanidade diante dos sofrimentos injustos dos irmãos e irmãs a quem é tirada a vida, a dignidade e a esperança, como se nada acontecesse – e são inúmeras as situações em que isso acontece diariamente diante dos nossos olhos anestesiados pelo sono da indiferença.
A celebração da paixão do Senhor convida-nos a estarmos vigilantes com Ele no nosso caminho de fé, enérgico e decidido, apesar de todas as contrariedades e derrotas que experimentamos; convida-nos a estarmos vigilantes enquanto Igreja, que está no mundo para ser sacramento da salvação de Deus, pois mesmo que nos sintamos poucos e pequenos, não ficaremos desiludidos; convida-nos ainda a uma solidariedade e comunhão na verdade e na caridade com toda a humanidade, que precisa de quem a acompanhe, levante a voz para a defender e ofereça a vida para a resgatar das injustiças que a atormentam.
Se nos impressiona a atitude dos discípulos, que primeiro dormem e depois se retiram em debandada, fortalece-nos José de Arimateia, que, corajosamente vai à presença de Pilatos e pede o corpo de Jesus, bem como a fé e amor das mulheres, que não arredam pé e acompanham de coração Jesus e os acontecimentos, na esperança da feliz ressurreição.
Maria, Mãe de Jesus, não podia dormir naquela noite, porque a voz do coração era mais forte. Maria, nossa Mãe, continua vigilante e a despertar cada um de nós, toda a Igreja, para acompanhar Jesus na Sua paixão e para nos acompanhar solidários na paixão da humanidade.
Coimbra, 24 de Março de 2024
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra