MISSA DE AÇÃO DE GRAÇAS PELA VIDA E DE SUFRÁGIO NA MORTE
DO PAPA BENTO XVI
Caríssimos irmãos e irmãs!
A Igreja Católica está a viver o luto pela morte do Papa Bento XVI. É um momento de sofrimento do Povo de Deus, porque morre um pai na fé, um irmão mais velho e um pastor da Igreja Universal. Não é simplesmente um nome que fica nos elencos dos sucessores de Pedro ou um número de ordem para identificar um percurso histórico de dois mil anos. Morreu um cristão a quem Jesus chamou pelo seu nome, a quem convidou a fazer parte dos seus seguidores e a quem pediu um serviço de doação total dentro da sua Igreja: ser o sinal visível da unidade e da comunhão de todos os que professam a fé na Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica.
O Papa Bento XVI faz parte da nossa família espiritual, estamos agradecidos pelo ministério que desenvolveu na fidelidade ao Espírito Santo, dizemos-lhe obrigado pelo imenso testemunho de fé, esperança e amor que nos deixou como realidade vivida e como desafio que podemos acolher.
O mundo católico cresceu no sentimento de amor ao Papa e nós, os portugueses, tivemos a graça de, entre nós, este amor se ter tornado uma verdadeira devoção, que habita nos corações mais simples, a ponto de a oração por ele fazer parte da liturgia oficial da Igreja, mas também da oração pessoal e familiar de muitos cristãos.
A atitude dos Pastorinhos de Fátima, que rezavam e se sacrificavam pelo Santo Padre, é um sinal evidente dessa onda de amor e devoção dos católicos portugueses, que sempre têm nele um verdadeiro irmão, um membro da grande família espiritual, alguém que carrega com as alegrias e dores de todo o povo. A expressão repetida de Santa Jacinta Marto, “coitadinho do Santo Padre”, reflete, numa linguagem infantil, um verdadeiro sentido de Igreja e uma verdadeira comunhão com a missão e com a pessoa do Papa.
Nesta escola da fé da Igreja, todos nós crescemos a rezar diariamente pela pessoa do Santo Padre e pelas suas intenções, que são as intenções da Igreja por meio da qual Deus quer salvar toda a humanidade. Rezamos pelo Santo padre, sabendo que ele leva sobre os seus ombros as alegrias de ser pastor universal com Cristo, mas também carrega com as dores de todo o Povo, à semelhança de Jesus Cristo, que o chamou e o enviou a cuidar do rebanho que lhe foi confiado.
Quando choramos a morte do Papa Bento XVI, agradecemos a Deus a sua vida e ministério e rezamos pelo seu eterno descanso junto de Deus, aprofundamos o sentido da comunhão dos santos, compreendemos melhor a Vida para a qual fomos criados, sentimos como reais os laços invisíveis do Espírito que nos unem.
Procuramos fazer uma leitura de fé deste acontecimento, pois a vida do Papa e o seu ministério devem ser lidos à luz da fé; não queremos ficar-nos em leituras simplesmente humanas, ideológicas ou políticas, uma vez que acreditamos no amor do Espírito Santo que quer conduzir a vida da Igreja e dos seus membros, nomeadamente a vida dos seus pastores e do sucessor de Pedro.
Por estes dias foi difundida a informação segundo a qual Bento XVI pronunciou até ao fim as palavras: “Senhor, amo-Te”.
Não nos surpreende esta expressão de amor, tendo em conta a sua pessoa, a sua fé, o modo como exerceu os diferentes serviços que lhe foram pedidos ao longo da vida que o Senhor lhe concedeu. Sempre pudemos ver um homem profundamente marcado pelo amor de Deus ao qual quis responder sem reservas.
Não nos surpreende igualmente esta expressão de amor, tendo em conta o conhecimento exaustivo que Bento XVI tinha do texto do Evangelho segundo S. João, que há pouco escutámos. Nestas palavras encontramos a síntese de uma vida que foi a resposta decidida e fiel à repetida pergunta que Jesus dirigiu a Pedro e aos seus sucessores quando lhes confiou o ministério de apascentar toda a Igreja.
“Simão, filho de João, tu amas-Me?” A resposta do primeiro dos apóstolos foi repetidamente a mesma: “Senhor, Tu sabes tudo, bem sabes que Te amo”. Simão foi chamado Pedro, a rocha firme na fé e no amor transformado em serviço ao Evangelho e à Igreja, como se a vida não mais lhe pertencesse, mas Àquele que o chamou e lhe deu a missão. O homem e o cristão Joseph ouviu repetidamente a mesma pergunta e a sua resposta foi inequívoca, a ponto de a sua vida ser gasta na manifestação do amor a esse Jesus e ser chamado como Bento XVI a servir o Evangelho e a conduzir a Igreja de Cristo.
De acordo com o texto do Evangelho, Pedro à terceira vez que ouviu a pergunta “Tu amas-Me?” entristeceu-se, pois não queria duvidar nem por um momento sequer do seu amor a Jesus, como não podia duvidar do amor infinito do Mestre por ele. O Evangelista esclarece que Jesus pretendia indicar o género de morte com que Pedro havia de dar glória a Deus. E Pedro deu glória a Deus na vida e na morte, a prova maior do seu amor e o teste decisivo da sua condição assumida de discípulo.
Ao tomarmos conhecimento das palavras do Papa Bento XVI “Amo-Te, Senhor”, sentimos que, nas circunstâncias da sua existência pessoal e eclesial, procurou dar glória a Deus na vida e na morte. Não lhe faltaram ocasiões em que a condição de discípulo foi exigente e pediu a radicalidade da resposta no amor e deixa-nos esse testemunho nas palavras que resumem o seu modo de viver a fé e a missão que recebeu.
Embora as palavras narradas pelo Evangelho de João se dirijam diretamente a Pedro, no momento de lhe conferir o primado, podemos entendê-las como dirigidas aos seus sucessores e a todos os que são chamados a ser discípulos. O amor de Deus derramado em nossos corações, faz de nós filhos que entram na relação de proximidade e encontro salvador com o Pai. A resposta de amor que lhe queremos dar, faz de nós discípulos de Jesus, disponíveis para dar a vida até ao fim.
Fortalece-nos e conforta-nos olhar para aqueles que nos precederam na fé e ver neles o testemunho desse amor recebido e dado a Deus e aos irmãos. Ajuda-nos muito a prosseguir na senda de discípulos de Jesus e de membros da sua Igreja o exemplo daqueles que se centraram no amor recebido de Deus e retribuído ao mesmo Deus e partilhado com os irmãos.
Queremos estar disponíveis para a vocação a que o Jesus nos chamar, queremos servir a Igreja onde e como o Espírito Santo nos levar, queremos realizar a missão que nos foi confiada neste mundo, mas queremos acima de tudo, durante a vida terrena, permanecer no amor de Deus que se manifestou em Jesus Cristo, o nosso Senhor e Salvador, na esperança de um dia entrarmos na glória eterna do seu amor.
Obrigado, Papa Bento XVI, por nos ensinares a dizer sempre e sem desfalecer, nas tribulações do tempo presente ou na esperança da glória futura: “Senhor, amo-Te”.
Coimbra, 03 de janeiro de 2023
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra