Missa Vespertina da Ceia do Senhor 2023 - Homilia de Dom Virgílio

MISSA DA CEIA DO SENHOR – 2023

Caríssimos irmãos e irmãs!
A Igreja não pode viver sem a Eucaristia, diz-nos a tradição da Igreja. Ancorada na mais antiga transmissão do primeiro anúncio feito por Paulo à Comunidade de Corinto, a Igreja de todos os tempos acredita que o mistério da sua existência e da sua vida nasce do Jesus Eucarístico, do Jesus que se oferece ao Pai por todos nós e do Jesus que agradece por nós a salvação realizada na totalidade da sua vida, na última Ceia, no alto da cruz e na ressurreição gloriosa.
“Isto é o meu Corpo... este cálice é a nova aliança no meu Sangue” – fórmula sacramental de um mistério que se perpetua pelos séculos, a anunciar a morte do Senhor até que Ele venha. Sem esta presença real em que acreditamos, a Igreja perderia a sua alma de fé em Jesus Cristo e os cristãos perderiam o alimento que sustenta a sua vida cristã e a sua identidade única de comunidade que se oferece ao Pai e que agradece tudo o que gratuitamente recebe.
Paulo garante que recebeu do Senhor aquilo que nos transmitiu como primeira mensagem ou boa nova que havemos de receber e anunciar. Trata-se das palavras do próprio Cristo, que exprimem a sua única atitude de vida, e do mandamento mais profundo, “fazei isto em memória de Mim”, ou seja, não temos outra lei senão a que nos convida a seguir os seus passos, a concretizar a mesma atitude de vida, que se resume no amor maior: o sacrifício da própria vida.

Diante do mistério de Jesus Cristo, o mistério de Deus amor presente na Eucaristia e simbolizado no lava-pés narrado no Evangelho segundo São João, Pedro sente o peso da sua indignidade. Se lhe custa entender como é que o Filho de Deus, o Santo de Deus, se ajoelha diante da sua pessoa humana e pecadora, mais lhe custará a entender como é que o mesmo Filho de Deus, Senhor da vida e da eternidade, pode entregar-se à morte para resgatar a sua humanidade decadente, mortal e terrena.
“Senhor, Tu vais lavar-me os pés?”, são as palavras sinceras, por um lado, e reveladoras da distância entre Deus e o homem que Jesus veio abolir quando se aproximou de nós na sua encarnação, quando partilhou a nossa humanidade na sua peregrinação terrena e quando foi elevado no alto da cruz em vez de todos os pecadores.
Nem Pedro nem nós seríamos dignos de nos deixarmos aproximar do Senhor se ele mesmo não quisesse encurtar essa distância; não teríamos acesso aos dons do alto se Jesus não se fizesse um de nós; não poderíamos ser purificados se ele não se curvasse diante de nós para nos lavar os pés das poeiras do caminho, se Ele não nos desse a água e o Espírito que nos elevam à condição de irmãos seus e filhos do Pai que está nos céus.
Pedro precisou de se revestir de uma atitude de humildade humana para permitir que Jesus entrasse na sua vida; essa humildade, no entanto, é apenas uma sombra da humildade de Deus que por meio de Jesus Cristo quis entrar na nossa vida. Enquanto a humildade de Deus é inquestionável e se torna patente para nós no gesto do lava-pés, a única que está em causa e precisa de fazer caminho é a nossa própria humildade, sem a qual Deus não encontra a porta aberta para estar connosco, para nos purificar e para fazer de nós um povo de filhos.
Ao contrário do que, por vezes sentimos, a fé em Deus é sempre um dom e é sempre fruto de uma resposta humana forjada na humildade. Quando as expressões da nossa fé cristã são marcadas por atitudes de arrogância diante de Deus, como se ela dependesse de nós, ou de superioridade diante dos outros, como se fossemos mais perfeitos do que eles, contrariamos o exemplo que o Jesus Eucarístico e Pascal nos mandou seguir.
Quando Jesus naquele momento solene da sua entrega nos ordena “fazei isto em memória de Mim”, está a dar-nos a regra fundamental da humildade que permite a Deus realizar em nós a sua obra, está a dizer-nos “se não te lavar os pés não terás parte comigo”, se não te deixares amar por Deus, não serás capaz de O amar e não poderás amar os outros como irmãos a quem Ele ama, pois, todo o amor vem de Deus.

A Igreja não pode viver sem a Eucaristia, porque não pode viver sem Jesus e sem amor. Somos convidados a voltar a ela como celebração, como adoração, como lugar de encontro com os irmãos e irmãs na mesma fé, como sinal da caridade de Deus para connosco e da nossa caridade para com o próximo, como a ação primeira que a Igreja realiza e como a ação que constrói a Igreja.
A crise de participação na Eucaristia dominical é um sintoma da falta de humildade dos cristãos que julgam edificar-se sozinhos e que, na sua arrogância, se sentem auto suficientes, ou o centro da sua vida e da sua fé.
Devemos interrogar-nos muito seriamente acerca de que cristianismo querem viver as famílias e as crianças que pedem a catequese, a primeira comunhão e a profissão de fé, mas não querem a participação na alegria da Missa Dominical. Ficamos perplexos com os jovens que se preparam para o Crisma, o sacramento da maturidade da fé, sem, no entanto, estarem convencidos do lugar da Eucaristia na sua vida e na sua fé. Preocupam-nos os adultos que, quando se libertaram da “obrigatoriedade” do preceito dominical, prescindiram da Eucaristia celebrada para ficarem numa ideia privatizada de fé ou num ativismo social e cultural religioso, mas sem expressão no encontro com o Cristo Real, o Cristo Palavra e Pão, que se oferece no Sacramento e se leva para a vida.
As ações de transmissão da fé, na família, na catequese e na comunidade cristã, têm muitas vertentes a considerar: teóricas, práticas, doutrinais, existenciais, catequéticas, sacramentais, caritativas... No entanto, podem fracassar nos seus objetivos se não têm a capacidade de comunicar até às entranhas o mesmo que Paulo comunicou aos seus ouvintes, leitores e discípulos, quando lhes transmitiu o que ele mesmo recebera: “o Senhor Jesus, na noite em que ia ser entregue, tomou o pão e, dando graças, partiu-o e disse: «Isto é o meu Corpo; Este cálice é a aliança no meu Sangue»”.
Do mesmo modo, as ações de transmissão da fé que não levam ao sentido do serviço e do amor de Jesus, que lava os pés aos seus discípulos, que não levam à caridade eucarística para com o próximo, não alcançam os seus objetivos.
Irmãos e irmãs, na Eucaristia está a nossa vida, a nossa fé, a nossa esperança e a nossa caridade, porque nela está Jesus Cristo, o Nosso Senhor e o Nosso Salvador.

Coimbra, 06 de abril de 2023
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

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