Noite de Natal 2022 - Homilia de Dom Virgílio

SOLENIDADE DO NATAL DO SENHOR 2022
MISSA DA MEIA-NOITE

Caríssimos irmãos e irmãs!

O Natal celebra um acontecimento da ordem da fé: o nascimento de Jesus no presépio de Belém, a vinda do Filho de Deus ao mundo, a realização da promessa feita ao Povo de Deus segundo a qual o Messias, o esperado pelas nações haveria de chegar com a missão de Salvador a humanidade.

Na liturgia e em ambiente festivo, os cristãos cantam, nesta noite e com alegria, palavras que resumem a sua fé na incarnação do Verbo de Deus: “Hoje nasceu o nosso salvador, Jesus Cristo, Senhor”. Esta frase resume um mistério de fé, cujo alcance vem muito para além deste acontecimento histórico a que esta quadra faz alusão.

Cada palavra tem um conteúdo denso e doutrinal, que podemos explicitar e que importa de novo trazer à nossa memória crente, para que não fiquemos pelos sinais exteriores, culturais e folclóricos que povoam as nossas aldeias e cidades, as nossas casas e até a nossa mente. A referência ao acontecimento fundante do Natal precisa de ser explícita na nossa sociedade e mesmo na nossa Igreja, na comunidade dos crentes, para que não fique nas sombras que sempre provocam os grandes projetores de luzes.

“Hoje nasceu o nosso salvador, Jesus Cristo, Senhor”. O “hoje” atualiza um acontecimento que, sendo do passado, continua bem atual na memória dos crentes e torna Jesus Cristo presente na vida da Igreja pela ação do Espírito Santo.

“Nasceu” refere o facto concreto da vinda de Jesus a este mundo na família de Maria e José pela ação do mesmo Espírito Santo.

“O nosso salvador” faz alusão à sua atitude e missão, que consiste em dar vida, consolar e salvar toda a humanidade perdida na sua debilidade, nos seus erros e pecados. Nesta missão se unem o Natal e a Páscoa, no único mistério de redenção humana querida e realizada por Deus por meio de Seu Filho.

A última expressão, “Jesus Cristo, Senhor”, dá-nos a conhecer a sua identidade: Jesus, como o nome próprio dado pela família, em alusão à realidade que este termo significa na língua local: “Deus salva”; “Cristo” é o título que lhe é dado pela comunidade cristã, e que exprime a sua certeza acerca da fidelidade de Deus, que realiza sempre as suas promessas: Ele é o Messias ou o Ungido de Deus, sobre quem repousa o Espírito do Senhor; o título de “Senhor” alude à sua condição divina revelada na Páscoa, de paixão, morte, ressurreição e glorificação junto do Pai.

É chegado o tempo em que os cristãos vivem o Natal de Jesus Cristo como o Natal da fé, sem cederem às muitas e variadas apropriações que dele se vêm fazendo num contínuo crescendo de manifestações culturais que nada têm a ver com ele. Se assim não for corre-se o risco de ele ficar perdido no meio de muitas tradições que o transformam em projetos comerciais e sociais que não inspiram nada de relevante para a comunidade humana.

O mundo em que vivemos tem urgência de uma Igreja de crentes, que seja verdadeiramente influenciadora da humanidade. A fé e a espiritualidade cristãs constituem o contributo específico que temos a oferecer ao mundo e fazem, de facto, a diferença, no meio da falta de rumo que se vive e no contexto da superabundância de propostas vazias de conteúdo e alheias à dimensão espiritual, essencial em qualquer projeto de crescimento da humanidade.

Quando se confundem os ideais da fé cristã com os ideias do mundo na celebração do Natal, sente-se a falta de alguém que não se conforme com o espírito do mundo e fica-se entregue ao vazio do mundo. O Natal precisa de conteúdo e tem de ser verdadeiramente influenciador daquilo que vivemos e dos valores que defendemos.

O Evangelho fala-nos da luz que precisa de brilhar no meio das trevas sem se deixar ofuscar por elas; fala-nos ainda do sal, que dá gosto à vida e não pode perder o seu sabor; do fermento que leveda toda a massa e produz o seu efeito regenerador. Estamos num tempo difícil em que a luz da fé parece ofuscada, em que o sal do sentido da vida perdeu o seu sabor e em que o fermento da transformação não tem a sua força. Noutras palavras, tudo se encaixa no Natal, se confunde com o Natal e se aproveita do Natal, que fica refém de tudo e de todos e acaba por significar pouco mais do que as festividades anuais da estação do inverno.

Enquanto cristãos, não podemos ficar à espera de que sejam outros a resgatar o Natal dos grilhões que o vêm aprisionando. Esse é o contributo específico que nos cabe se estamos dispostos a ajudar a elevar a humanidade. Essa tarefa pede-nos renúncia a muita coisa que se difundiu entre nós, pede-nos espírito de fé e de missão, exige-nos que, como nos disse o Senhor, não nos conformemos com o espírito do mundo, mas queiramos transformar o mundo.

A Palavra de Deus que escutámos concentra em si a originalidade do Natal do Senhor, à qual somos chamados a voltar. O Deus Menino envolto em panos e deitado numa manjedoura é o sinal dado aos homens, para que, juntamente com os Anjos do Céu cantem a glória de Deus e se comprometam na construção da paz para todos.

Ali estão apontadas as duas dimensões da nossa vida de cristãos nas quais havemos de progredir e que havemos de incarnar e testemunhar: a fé como amor a Deus e suporte da nossa vida em tempos bons e maus; o testemunho de vida totalmente voltada para os outros e ao serviço da justiça e da paz, como realização da felicidade que esperamos.

Neste Natal, vamos sentir Deus presente em nós, vamos falar de Deus à família e aos homens, vamos assumir caminhos de mudança de costumes alheios à sua originalidade, vamos comprometer-nos a colher o seu espírito de fé, de esperança e de amor.

Em oração confiante peçamos a graça de um santo e feliz Natal.

Coimbra, 24 de dezembro de 2022
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

 

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