PEREGRINAÇÃO DA DIOCESE DE COIMBRA AO SANTUÁRIO DE FÁTIMA
Missa Votiva do Imaculado Coração de Maria
L1: Is 61, 9-11 | Sl: 1 Sam 2, 1.4-5.6-7.8abcd | Ev: Lc 2, 41-51 (LVII 164 / MR 857)
Caríssimos irmãos e irmãs!
“Com Maria, seguimos juntos. O caminho continua...” Ao virmos a Fátima avivamos em nós a condição de peregrinos, que procuram fazer caminho juntos, com Deus e com a humanidade. Vimos fortalecer-nos para que o caminho continue com mais fé, amor e esperança, e com o auxílio da Virgem Maria, a Mãe que acompanha a peregrinação terrena de todos os seus filhos.
Hoje celebramos a missa do Imaculado Coração de Maria, o mesmo é dizer, olhamos para a Virgem Maria enquanto pessoa pura e santa, amada por Deus, totalmente decidida a cumprir a vontade de Deus e escolhida para ser mãe de Jesus e mãe da Igreja.
O texto do Evangelho escutado, a perda e o encontro de Jesus no Templo, conclui dizendo: “Sua Mãe guardava todos estes acontecimentos em seu coração”. De facto, Maria, a Mãe de Jesus, é a pessoa mais próxima do seu Filho: trouxe-O no seu ventre, deu-O à luz, acompanhou o percurso da Sua infância e depois, percorreu os seus passos durante a Sua vida pública, com a paixão, a morte, o testemunho da ressurreição e o Pentecostes, que fortalece a Igreja para a missão.
No Templo de Jerusalém, quando Jesus tinha doze anos, já Maria guardava e meditava os acontecimentos no seu coração. Depois, com o passar dos anos e o desenrolar dos factos e das palavras de Jesus, a memória de Maria é muito mais vasta e compreende tudo o que é importante conhecer e transmitir da pessoa, da vida, dos gestos e das palavras de Jesus.
A Virgem Maria torna-se a memória viva de Jesus. Ninguém em melhores condições do que Ela para contar tudo sobre Jesus, na sua terra, aos apóstolos e discípulos, aos evangelistas, às comunidades cristãs que nascem. Ela acredita que Ele está vivo, que ressuscitou, e que acompanha a vida da Igreja nascente.
O que Ele conta não é simplesmente um conjunto de dados de uma biografia, embora todos esses dados, com datas e detalhes estivessem bem presentes na sua memória. Maria lembra-se de tudo, recorda-se de todos os pormenores. A Mãe não podia esquecer nada do que se passara, nem as maiores alegrias nem as maiores dores. Estava tudo bem guardado. No entanto, a Virgem Maria, conta muito mais do que acontecimentos passados e marcantes. Ela conta a pessoa de Jesus, Filho de Deus, feito Homem no Seu seio e como Ele continua a ser o Senhor da Sua vida, a animá-la, a dar-lhe esperança, a alimentar a sua fé, a estimular o seu amor a todos os que lhe foram dados como filhos junto à cruz.
Quando guarda todos os acontecimentos no seu coração, quando faz memória da pessoa de Jesus e quando conta como Ele permanece em si mesma, Maria realiza a ação de evangelizar, de anunciar Cristo ao mundo; Ela transmite o conhecimento que passou pelo seu coração, o amor que sente da parte de Deus e o amor que tem a Jesus. Maria guarda Jesus no coração e conta aos outros esse Jesus que guarda no coração.
Irmãos e irmãs, esta nossa vinda a Fátima em peregrinação ensina-nos, de novo, o que é evangelizar e qual o método a seguir na evangelização que somos chamados a realizar no mundo. Maria oferece-se como o método e o modelo: guarda Jesus na memória e no coração e conta aos outros quem Ele é, como Ela O ama como Mãe, como Ele a salva enquanto Deus e como alegra e enche de esperança a sua vida.
A Virgem Maria recorda-nos que os primeiros evangelizadores são o pai, a mãe, os avós, os familiares, quando contam com palavras e gestos a Pessoa de Jesus em que acreditam, que têm no coração e como fortalece as suas vidas. A peregrinação da Sagrada Família a Jerusalém por ocasião da Festa da Páscoa é o sinal de que assumiram a missão da transmissão da fé em Deus, de contar o que o Senhor fizera com os seus antepassados e como Lhe estavam agradecidos.
Depois, há o lugar e o papel da Igreja, da comunidade cristã, com a catequese, as ações de primeiro anúncio, a liturgia, a caridade para com os mais pobres. Também ali se conta a memória transmitida ao longo de muitas gerações acerca de Jesus e como Ele anima a fé das comunidades. Conta-se a história de Jesus, quando se escuta a Palavra de Deus inspirada pelo Espírito Santo; quando se repetem os gestos da Última Ceia; quando somos convidados a amar-nos uns aos outros como irmãos; quando rezamos o Pai Nosso; quando recebemos o Pão da Vida.
Entre os acontecimentos e as coisas que Maria guardava no seu coração estão também, com toda a certeza, as palavras que Jesus lhe dirige, quando se encontram no Templo de Jerusalém: “Não sabíeis que Eu devia estar na casa de meu Pai?”
Maria não compreende tudo, pois é demasiado grande o mistério que envolve Jesus, filho de Deus e filho das suas entranhas, mas aceita, faz silêncio, medita, pondera tudo com fé, como refere Lucas noutro lugar. Nunca mais esquece aquelas palavras de Jesus: “estar na casa do Pai”. Estar no seu amor, realizar a sua vontade, manter-se unido ao Pai na comunhão da oração, permanecer no seu amor... É tudo isso que Maria inclui nas palavras de Jesus e é tudo isso que ela nos ensina e transmite, porque faz parte da sua memória.
Maria, que já fazia parte do Povo de Israel, o antigo Povo de Deus, compreende que a sua vocação, como a de Jesus, consiste em estar na casa do Pai, na casa de Deus, no Novo Povo de Deus, na Igreja. Ali, na Igreja, Ela pode guardar para sempre e comunicar a memória que tem de Jesus; ali, na Igreja, Maria mantém-se unida a Deus e aos irmãos por meio da sua oração, que é a forma que tem de manter viva a memória do coração, o conhecimento da vontade de Deus, a força de amor do Espírito Santo, que conduzirá sempre a sua vida, até ao fim.
Irmãos e irmãs, a nossa peregrinação aviva em nós a certeza de que precisamos de estar na casa do Pai, de que a Igreja, a comunidade cristã, o Novo Povo de Deus é o lugar em que podemos manter a fé, comunicar a fé como experiência feliz, receber a força de amor do Espírito Santo que nos anima em todos os momentos.
A Igreja é a memória viva de Jesus. Se nos afastamos da Igreja e começamos a caminhar sozinhos, perdemos a memória de Jesus, Ele deixa de ser relevante para a nossa vida, a fé começa a desabar e a tornar-se indiferente. Se nos afastamos da Igreja perdemos o sentido e a necessidade da oração e sem ela desaparece a relação pessoal com Ele que alimenta fé, fortalece a esperança e funda o amor.
A Virgem Maria ensina-nos, hoje, que a via da pertença ativa à comunidade cristã é insubstituível na nossa peregrinação de crentes; ensina-nos que a oração é a via de preservação da memória da presença de Deus em nós, que nos ajuda em todas as situações a pormo-nos a caminho da casa do Pai, onde há amor, há perdão, há futuro.
Neste dia de peregrinação, confiemo-nos ao Imaculado Coração de Maria, e com Ela sigamos juntos, pois o caminho continua, com mais fé, amor e esperança.
Fátima, 06 de julho de 2024
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra