Santa Isabel de Portugal 2024 - Homilia de Dom Virgílio

SOLENIDADE DE SANTA ISABEL DE PORTUGAL – PADROEIRA DE COIMBRA
SANTA CLARA-A-NOVA – 2024

Caríssimos irmãos e irmãs!

Passados todos estes séculos, estamos, de novo a celebrar Santa Isabel de Portugal, a Rainha Santa, padroeira de Coimbra. Trata-se de um elemento importante do nosso caminho comunitário e da nossa identidade, que tem na civilização judeo-cristã, caldeada com o mundo grego, romano e com tantas outras relações culturais, a sua pedra angular. 

No contexto atual da interculturalidade, que tem contornos diferentes da que se viveu nos milénios passados, estamos abertos ao diálogo com todos, conscientes, no entanto do contributo que temos a dar à sociedade e sem negarmos as dimensões fundamentais da nossa identidade.

Santa Isabel de Portugal, juntamente com outras grandes figuras históricas nascidas neste contexto civilizacional, sintetiza na sua vida um ideal de pessoa e de sociedade, que é, ao mesmo tempo, um projeto que atravessa os tempos e continua a oferecer como linhas principais: a abertura a Deus, o respeito pela dignidade humana, a consideração do caráter sagrado de toda a vida humana, a preservação da terra como a nossa casa comum, o amor indiscriminado ao próximo... Por isso, aqui estamos a celebrar esta solenidade, ainda hoje, num gesto de recordação do passado e de projeção em ordem a um futuro que Santa Isabel de Portugal simboliza para nós.

O contexto em que realizamos esta celebração propõe-nos, hoje, uma breve reflexão sobre as duas atitudes centrais da vida de Santa Isabel, e bem enraizadas na Sagrada Escritura, que escutámos: a oração e a caridade. Primeiro, porque estamos a viver o Ano da Oração, na preparação para o Jubileu de 2025, sob o lema “Peregrinos de esperança”. Depois, porque o Papa Francisco, relendo o Evangelho de Jesus, nos propõe diariamente a via da caridade como a melhor expressão da vida cristã, que manifesta o nosso amor a Deus e o nosso amor ao próximo.

Segundo o Profeta Isaías, na primeira leitura, a caridade encaminha o crente para a oração. Depois de elencar os atos mais comuns de caridade, como quebrar os laços da escravidão, ajudar a libertar, repartir o pão, dar pousada, levar roupa aos necessitados, fala do diálogo com o Senhor, dizendo: “Então, se chamares, o Senhor responderá; se O invocares, dir-te-á: «Estou aqui».” 

Segundo o profeta, a caridade encaminha para a oração e põe-nos em sintonia com o coração de Deus, que nos ouve, nos responde, faz brilhar em nós a nossa luz e nos dá novo vigor, tornando a nossa vida como um jardim fresco e como nascente que não seca. É um duplo movimento: o da caridade para com o próximo, que encaminha para a oração, diálogo de amizade com Deus; e o da oração, que traz Deus à nossa vida e nos fortalece para a caminhada em direção aos outros.

Do mesmo modo, o texto do Evangelho segundo S. Mateus, une as duas dimensões do amor: o amor a Deus, que se exprime por meio da manifestação dos sentimentos de fé e de confiança da oração do crente; o amor ao próximo, que se exprime pela caridade nas ações de auxílio, de socorro e de consolação: “Quantas vezes o fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes”.

Na oração como na caridade, trata-se sempre do mesmo amor que, nascido no coração humano, é expressão do amor divino e se orienta para o mesmo Deus e para as pessoas que connosco compartilham a condição humana. 

Numa perspetiva simplesmente humana e fechada à dimensão divina e transcendente, muito caraterística da cultura hodierna, bastaria a harmonia nas relações humanas, a que pode chamar-se amor ou caridade, para edificar um mundo bom e feliz.

Numa perspetiva intimista de cariz religioso, rejeitada pela Escritura, ou de cariz humanista, como atualmente é proposta por algumas espiritualidades de caráter agnóstico ou ateu, bastaria o bem-estar, a tranquilidade ou a paz consigo mesmo, com os outros e com a natureza, alcançadas pelo silêncio, pela meditação ou pela introspeção, para a realização humana.

A oração cristã é a respiração da fé do crente, que confia em Deus e se abandona a Ele. Ela nasce sempre do reconhecimento da nossa pequenez de criaturas diante da grandeza do Criador; brota do coração e dos lábios do homem que reconhece que o seu verdadeiro mal é o pecado, do qual nascem todos os outros males. Por sua vez, a oração do crente é sempre fruto da certeza de que Deus nos ama, a ponto de enviar o Seu Filho para salvar o que estava perdido; e ensina-nos sempre mais a amar como Deus ama, ao estilo de Deus, ao modo de Deus.

A oração cristã consiste em aceitar uma relação de amizade com o Deus que veio ao nosso encontro por meio de Jesus Cristo e que continua a oferecer-se para acompanhar os nossos passos. Quando deixamos que o Espírito Santo reze em nós, Ele põe-nos a caminho do Deus que nos procura e o encontro dá-se. Deus está sempre disponível, mas deixa-nos na liberdade de darmos os nossos passos, de aceitarmos e querermos fazer o caminho que nos cabe.

Quando o Espírito reza em nós conhecemos o amor de Deus e podemos exprimi-lo por meio dos gestos de caridade, que não é uma realidade simplesmente humana, mas tem a marca do divino, pois Deus é amor.

Santa Isabel de Portugal foi mulher de intensa espiritualidade cristã, verdadeiro motor da sua vida e ação, unindo oração e caridade, harmonizando a força da fé em Deus com o impulso do coração que ama os irmãos. 

Os traços centrais dessa sua espiritualidade orante manifestam-se na profunda fé em Jesus na Eucaristia, que comungava frequentemente; no amor ao Espírito Santo, cuja devoção e festividades propagou entre nós; na devoção mariana, sobretudo à Imaculada Conceição, que acolheu e divulgou em Portugal, a partir de Coimbra

Igual lugar na sua espiritualidade têm os pobres, homens e mulheres: neles via espelhado o rosto de Jesus e em Jesus crucificado contemplava o rosto de cada um daqueles com quem repartiu o seu pão e a sua vida, qual eco das palavras de Jesus... “o que fizestes a um dos Meus irmãos mais pequeninos...”.

Pedimos hoje a sua intercessão por todos nós, a fim de que sejamos homens e mulheres de oração e caridade, numa harmonia de vida que exprima mais fielmente a nossa fé em Deus e o nosso amor ao próximo.

Coimbra, 04 de julho de 2024
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

 

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