Santissimo Corpo e Sangue de Cristo - Homilia de Dom Virgílio

SOLENIDADE DO SANTÍSSIMO CORPO E SANGUE DE CRISTO
Igreja de Santa Cruz - 2024

Caríssimos irmãos e irmãs!

A celebração da Solenidade do Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo nasceu há longos séculos para nos ajudar a crescer no amor a Jesus Cristo, que permanece presente na Sua Igreja. Ele é o Cristo vivo, que nos deixou o memorial da Sua paixão, morte e ressurreição como sacramento do amor que nos alimenta e nos salva.

Não há diferença entre a celebração de hoje e a de cada domingo, a nossa Páscoa semanal; também não há diferença entre o Cristo presente no Pão e no Vinho que consagramos neste dia e o Cristo presente cada domingo em que celebramos a Missa; não há diferença entre o Cristo que hoje comungamos e o que comungamos cada domingo; assim como não há diferença entre a presença eucarística do Cristo que hoje levamos em procissão de gratidão e de louvor e a presença no Pão e no Vinho que oferecemos cada domingo ou o Cristo que guardamos nos nossos sacrários para a adoração dos fiéis e para ser levado aos outros fiéis que não podem participar pessoalmente em virtude da idade avançada ou da doença.

É sempre o mesmo Jesus Cristo, o Filho de Deus, que anunciou a Boa Nova aos pobres, que nos chama a segui-l’O pelos caminhos da vida, que por nós morreu e ressuscitou.  D’Ele nos vem o nome de cristãos, d’Ele nasce em nós a pertença à Igreja e d’Ele aprendemos a viver como irmãos que se estimam e se amam sem quaisquer fronteiras, pois Ele mesmo acolheu a todos, deu a vida por todos e convida a todos para entrarem no Seu Reino de amor e de paz.

Gostaria, hoje, de recordar-vos, caríssimos irmãos e irmãs, que a Eucaristia é ato de amor, é celebração de amor e é semente de amor que se estende à nossa vida e que alastra no mundo com a nossa colaboração livre e generosa.

A Eucaristia é ato de amor de Deus por nós todos, uma humanidade que tem no amor recebido e partilhado a sua vocação primeira, a sua fonte de vida e de esperança. Deus Pai amou tanto o mundo que lhe deu o Seu Filho Único, e Jesus, o Filho que nos foi dado, entregou-Se totalmente, aceitou vir ao nosso encontro e dar por nós a Sua vida até à cruz e à morte.

A celebração para a qual a Igreja nos convida em cada domingo não é, por isso, uma formalidade ou uma obrigação, mas sim uma possibilidade de acolhermos esse mesmo amor, que precisa de muitos encontros e de muitos momentos de resposta e de partilha com os irmãos. Por amor, havemos de acolher a proposta de celebrar em cada domingo esse encontro, porque o amor é uma realidade que, no encontro, sempre novo, cresce, se dilata, entra em nós, se oferece e se renova. A meta consiste em permanecer no amor de Deus como Ele permanece em nós, em permitir que Ele ilumine toda a nossa vida tornando-a uma vida no amor.

Quando, iluminados pela fé e conduzidos pelo Espírito Santo, compreendemos a Eucaristia como amor, compreendemos também o significado da celebração semanal da assembleia dos fiéis, memorial da Páscoa de Jesus e sinal do amor de Deus por nós.

Convido-vos a aprender com as crianças o que isto significa, porque elas, particularmente por ocasião da sua primeira comunhão, manifestam conhecer Jesus Eucaristia como amor. A compreensão da Eucaristia como amor começa, normalmente, a desvanecer-se quando, no nosso percurso de crescimento humano, deixamos de ser como crianças e entendemos o amor humano como concorrente com o amor divino. De acordo com o convite do Evangelho, tornemo-nos como crianças, disponíveis para acolher o dom de Deus e nada nos separará do amor de Deus.

A Eucaristia é semente do amor de Deus que, uma vez semeada nos nossos corações e felizmente acolhida, cresce e alastra em renovados gestos de amor a toda a humanidade.

Sabemos que o nosso mundo, as nossas famílias e a sociedade em geral precisam de se renovar para que todos tenham nela o seu lugar e possam viver em paz e harmonia. Perguntamos: quais os caminhos a percorrer para que isso possa acontecer? Como nos podemos tornar protagonistas de uma mudança que trave os percursos que estão a destruir a felicidade, o direito a viver em paz, a urgência da justiça? Qual a força que pode mudar o nosso mundo? Não faltam respostas parciais, fundadas nas capacidades humanas, no aperfeiçoamento das estruturas de governo e de poder, numa pretensa bondade natural do ser humano.

A revelação cristã irrompeu na história da humanidade como a afirmação do amor de Deus depositado nos nossos corações, que nos permite, de facto, incarnar um caminho novo. A Eucaristia, sacramento desse amor manifestado em Cristo, revela e comunica a única possibilidade de recriar a humanidade: Deus amor em nós e nós participantes do amor de Deus por meio de Jesus Cristo.

Quem celebra a Eucaristia acredita que a semente da esperança e da mudança habita em si mesmo pela graça de Deus. Quem celebra a Eucaristia acolhe em si essa força de amor que, como uma semente, cresce em ondas de amizade, de perdão, de compreensão, de diálogo e de comunhão com os outros. Quem celebra a Eucaristia abre-se à purificação da consciência que leva a rejeitar as obras mortas, de que falava a Epístola aos Hebreus, e a procurar uma consciência purificada, que se manifesta no serviço ao Deus vivo e aos irmãos.

Caríssimos irmãos e irmãs, procuremos alimentar a nossa fé, a nossa esperança e o nosso amor com a Palavra e o Pão na celebração da Eucaristia. Cristo vivo em nós e centro das nossas comunidades cristãs é a semente que, morrendo, dá muito fruto.

Coimbra, 30 de Maio de 2024
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

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