VIGÍLIA PASCAL – 2023
Caríssimos irmãos e irmãs!
Na celebração da Páscoa irrompe sempre com novo vigor o anúncio de Cristo Ressuscitado na Igreja e no mundo, que o queiram acolher como presença renovadora de todas as coisas. Este anúncio não ignora a paixão, a cruz e a morte, antes pelo contrário, reconhece essa dimensão da vida de Jesus, mas acredita que foi superada pelo poder de Deus. Se a morte de Jesus fosse silenciada ou esquecida, a Páscoa da Ressurreição conduzir-nos-ia a uma negação da nossa condição humana e mortal e não nos conduziria à renovação e libertação que esperamos.
O anúncio pascal é sempre anúncio de morte e de ressurreição, anúncio de derrota e de triunfo, é sempre anúncio que nos abre as portas da esperança. Se ficasse pela notícia da morte de Jesus e parasse na contemplação da cruz, poderia levar ao desespero; se ficasse pela notícia da ressurreição, poderia fazer-nos cair na ilusão e afastar-nos da nossa verdadeira condição e do nosso mundo real.
O anúncio pascal inclui sempre a referência à paixão, à morte e à ressurreição de Jesus Cristo, que foi acolhido por Pedro e pelos outros discípulos e que continua presente no meio do seu povo a alimentar a sua esperança e o seu futuro. O anúncio pascal transmite um acontecimento da ordem da fé, mas desafia sempre as pessoas as acolhê-lo, a aceitá-lo e a deixarem-se transformar por ele na sua vida real e pessoal, no modo como são Igreja e na sua participação na vida da sociedade, três dimensões que não se excluem, mas se completam.
O anúncio pascal dirige-se a cada um, que é convocado para ver e acreditar com uma fé pessoal, à maneira da que brotou nas mulheres que foram de manhã cedo ao sepulcro, no discípulo que chegou primeiro e em Pedro. Cada um à sua maneira conheceu a nova realidade e teve a oportunidade do encontro com Jesus, que estabeleceu nele uma nova relação com o Ressuscitado e ofereceu a possibilidade de uma nova experiência de fé e de vida. Todos puderam passar do conhecimento humano acerca da pessoa de Jesus para o conhecimento do Cristo Pascal, que inaugura a nova relação, a relação de fé.
Ainda hoje, o encontro com o Jesus pascal, que morreu e ressuscitou e está presente na vida da humanidade, continua a ser gerador de uma fé que se transforma em seguimento. Foi isso que nos disse de forma clara o Papa Bento XVI, na Encíclica “Deus é Amor”, “No início do ser cristão não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa, que dá à vida um novo horizonte e, com isso, a direção decisiva”.
Todos nós, os cristãos, havemos de continuar a realizar diariamente esse encontro, que nunca está plenamente realizado. Fazemo-lo na oração, na leitura orante da Palavra de Deus feita com o coração, na celebração dos sacramentos da fé, na participação ativa na vida da comunidade e na oferta da nossa vida com amor.
Mesmo sendo batizados e cristãos desde a infância ou membros da Igreja desde longa data, não podemos dar por adquirido esse encontro, até que a nossa vida esteja transformada, até que Cristo viva em nós e nós vivamos n’Ele, até que estejamos verdadeiramente cristificados. Acontece que podemos passar a nossa peregrinação sobre a terra a supor que somos cristãos e membros da Igreja sem que esse encontro se dê realmente, a ponto de estarmos disponíveis para dar a vida por Jesus e pelos irmãos como Ele a deu por nós.
Cada cristão é sempre um convertido a precisar de aprofundar a sua conversão, um peregrino a intensificar a sua caminhada com Cristo, um filho a concretizar a sua condição na relação com o Pai, um irmão a progredir no seu amor a Cristo e aos outros irmãos.
Tomemos, nesta Páscoa a firme resolução de deixar Cristo entrar em nós, permitamos que Ele dê um novo horizonte à nossa existência e trace a direção decisiva de tudo o que somos e fazemos.
O encontro com o Cristo Pascal leva-nos a um empenho novo na renovação do nosso modo de sermos Igreja. Não estamos tranquilos enquanto não construirmos uma Igreja mais perfeita e mais santa, mais capaz de anunciar a Boa Nova do Reino com mais verdade e mais autenticidade.
Quando o Papa Francisco convocou o Sínodo sobre a Igreja comunhão, participação e missão, estava a desafiar-nos à escuta da voz do Espírito, que nos quer levar a um maior conhecimento do sentido da fé, da identidade do Povo de Deus e do modo como havemos de brilhar no mundo como sinal da salvação realizada por Jesus Cristo. Queremos ser colaboradores de Deus, na fidelidade ao Espírito Santo, da renovação da Igreja, perscrutando os sinais dos tempos para estarmos no mundo como força transformadora.
O desafio é grande, pois, trata-se de sermos Igreja mais espiritual, comunidade que vive da fé, comunidade que reza, celebra, anuncia o Evangelho, pratica a caridade, acolhe a todos e se põe ao serviço da humanidade de forma abnegada e livre.
No encontro com Cristo encontramos o único fundamento que nos poderá fortalecer enquanto Igreja do mesmo Cristo ao serviço da missão que nos foi confiada.
Que esta Páscoa constitua um tempo decisivo para nos tornarmos uma Igreja mais participativa e mais capaz de viver na intimidade com o Cristo Pascal e de O dar ao mundo como alento, esperança e rumo a seguir.
O encontro com o Cristo Pascal leva sempre a um envolvimento sério na vida da sociedade, pois não somos cristãos para nós, não somos Igreja voltada para dentro de si mesma, mas cristãos e Igreja, que se assumem como missão.
Não podemos prescindir do nosso lugar neste mundo que Deus quer salvar, nem nesta sociedade que tem urgência de vozes e de gestos proféticos. Se havemos de reconhecer que frequentemente nos temos demitido da missão voltada para fora ou se nos têm empurrado para as margens da sociedade, assumimos o compromisso de estar presentes, mesmo que isso nos cause dissabores, mesmo que não sejamos compreendidos ou amados.
O encontro com o Cristo Pascal leva-nos a olhar com fé, com esperança e com a amor para a missão, que inclui sempre a participação na Sua cruz, mas focados na glória da Ressurreição. Temos, sem dúvida uma missão a realizar na comunidade humana de que fazemos parte, mas sendo sempre o que Jesus nos pede: uma Igreja atenta a todas as realidades, pois tudo o que diz respeito aos homens e mulheres, nossos irmãos, os diz respeito a nós.
Não queremos conformar-nos com este mundo, mas assumir as suas derrotas e vitórias para ser proposta de cultura cristã, cheia de alma cristã, de paz, de amor e de justiça que nascem do Cristo Pascal, em que acreditamos e com quem temos uma relação pessoal geradora de futuro.
Coimbra, 09 de abril de 2023
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra