Introdução
1. Na nossa Carta Pastoral “A Igreja na
sociedade democrática”, dizíamos que, “na medida em que as
circunstâncias o sugiram ou exijam, é previsível que nos venhamos a
pronunciar sobre outras áreas da realidade portuguesa” [1]. Entre
estas está a educação por se tratar de um problema fundamental da
sociedade, que nos afecta a todos e nos pede atenção e colaboração.
A Igreja Católica em Portugal sempre deu uma atenção
especial à acção educativa. Neste momento histórico preocupam-nos
seriamente alguns aspectos fundamentais. Entre outros, assinalamos
os seguintes:
-
a pobreza de valores nos projectos educativos;
as
dificuldades da família;
-
a relação da comunidade educativa familiar
com os outros parceiros educativos;
-
a situação crítica de muitas
escolas que dificilmente podem responder às exigências do sistema
educativo;
-
a problemática ligada à liberdade de ensino e de escolha
livre, em igualdade de circunstâncias, das escolas e dos projectos
educativos desejados;
-
a moderação e complementaridade, pelo Estado,
de terceiros intervenientes no processo educativo;
-
a tentação de
estatização do ensino;
-
as novas tecnologias da comunicação com a sua
capacidade de influenciar a vida das pessoas.
Nós, Bispos
portugueses, reconhecemos, como nosso dever, dar um contributo a
esta causa, uma vez que a educação em Portugal passa por uma
situação de crise. Esta atinge as instituições educativas, os
agentes educativos e, mais directamente, as crianças e os jovens,
enquanto sujeitos principais do processo educativo. Trata-se de uma
questão sobre a qual a Igreja tem o direito e a obrigação de
intervir, dentro do âmbito que lhe é próprio.
É nossa
preocupação contribuir com uma reflexão serena sobre a temática
geral da educação, de modo a ajudar os diversos agentes educativos
no exercício da sua missão, para que se possam encontrar melhores
caminhos, enfrentando e ultrapassando a actual crise.
2. O
Concílio Vaticano II “considerou atentamente a gravíssima
importância da educação na vida do homem e a sua influência cada vez
maior no progresso social do nosso tempo” [2]. O mesmo documento
sublinhou a relevância desta problemática, propôs objectivos e
critérios de orientação e reafirmou a responsabilidade dos diversos
intervenientes.
O momento actual é marcado por
transformações profundas na área da educação, o que acarreta algumas
perturbações. Como sempre acontece nas mudanças culturais, são as
pessoas as mais afectadas no seu mundo de relações, valores e
projectos.
“O homem é o caminho da Igreja” [3]. A pessoa
humana é a razão de ser da sua missão, traduzida numa adequada
solicitude. Pelos valores evangélicos, a Igreja propõe à pessoa os
alicerces dum verdadeiro Humanismo. Neste sentido, pode-se dizer que
ela é “perita em humanidade” e, na sua história, conta com uma longa
experiência no campo da educação.
É a pessoa humana, na
riqueza integral das suas dimensões, que constitui o objectivo
central da nossa intervenção. De facto, subjacente à crise da
educação, encontra-se frequentemente uma visão reduzida da pessoa
que leva a valorizar parcialmente algumas componentes ou valores em
detrimento da verdade plena sobre o homem. Ora “o mistério do homem
só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente” [4].
Por isso, achamos que é nossa missão defender a dignidade
extraordinária e inalienável da pessoa como fundamento dos valores
que integram um projecto educativo. “Apoiada na fé, a Igreja pode
subtrair a dignidade da natureza humana a quaisquer flutuações de
opiniões, por exemplo, as que rebaixam exageradamente o corpo humano
ou, pelo contrário, o exaltam sem medida. Nenhuma lei humana pode
salvaguardar tão perfeitamente a dignidade da pessoa e a liberdade
do homem como o Evangelho de Cristo, confiado à Igreja” [5].
Nós, Bispos da Igreja em Portugal, reconhecemos e apreciamos
o esforço de muitos educadores empenhados em definir um projecto de
educação que promova o desenvolvimento equilibrado de todas as
dimensões do ser humano. Em conjunturas por vezes difíceis, na
família, na escola, nas associações, em grupos ou movimentos, eles
dão o melhor do seu saber e da sua dedicação para manter elevada a
qualidade na educação. Os educadores são verdadeiros artífices de um
futuro de pessoas harmoniosamente desenvolvidas e com boa relação
social. Manifestamos a nossa solidariedade e apoio a todos os
educadores, não raras vezes, sujeitos a pressões desgastantes, a
marginalizações e até a discriminações injustas. Estimulamo-los a
continuarem o seu trabalho, sem desânimo e com esperança, em vista
de um nobre objectivo: construir o homem, o homem pleno, onde brilha
a luz do verdadeiro Homem, Jesus Cristo.
Educação -
tarefa complexa
3. A educação é uma tarefa permanente e
englobante que conta com tempos privilegiados, integrados num
processo de amadurecimento contínuo. Ela envolve uma diversidade de
aspectos da pessoa e exige uma atmosfera criada por todos os
intervenientes e um empenhamento concertado dos diversos agentes
educativos.
O principal objectivo da educação é suscitar e
favorecer a harmonia pessoal, a verdadeira autonomia, a construção
progressiva e articulada dos aspectos racional e volitivo, afectivo
e emocional, moral e espiritual. Desta harmonia pessoal decorre a
participação social e feliz, cooperante e solidária, que resulta na
harmonia social.
O educando progride no processo educativo
na medida em que toma consciência da sua dignidade e da dignidade
dos outros, em que se concilia, a pouco e pouco, com o seu meio
humano e com o próprio ambiente e em que aprende a própria relação
com o divino, a qual permite perceber todos os contornos da sua
existência pessoal e social.
Ao educador, promotor da
maturação humana, cabe um árduo trabalho, expresso em variadas
vertentes: descobrir e orientar as capacidades de cada um dos
educandos; alimentar adequadamente, pela proposta de conhecimentos
e atitudes, a sua real existência, a fim de que ele se compreenda e
se tome a sério como ser em construção e como membro de um corpo em
crescimento, que é a sociedade; transmitir valores morais universais
sobre os quais se alicerça uma vida com sentido e com futuro. Nesse
processo, vai-se desenvolvendo a capacidade de escolha consciente e
de decisão livre.
Porém, este serviço não se exerce sem
tensões, havendo sempre alguma distância entre os ideais que os
educadores acalentam e a caminhada efectiva de cada educando; entre
aquilo que é conveniente para todos e o que é necessário para cada
um ou para cada grupo; entre a importância da visão global da
educação e a oportunidade ou a necessidade de reforçar alguma das
suas vertentes.
4. A harmonia social é o suporte de uma
sociedade democrática. Um dos níveis de construção dessa harmonia é
a educação para a cidadania: propõe noções e comportamentos, que
induzem os indivíduos a adquirir o estatuto e a prática de cidadãos,
e explicita-se na organização e participação nas instituições
cívicas.
No processo de aquisição da plena cidadania, a
identidade cultural, enquanto consciência de pertença a um grupo e a
um povo, precisa de se aliar à identidade moral, que permite a
consciência e a experiência do ser. A educação moral, ao
proporcionar a apropriação dos valores e o aperfeiçoamento da
interioridade, é a melhor forma de servir a libertação da pessoa,
permitindo-lhe que esta se construa na relação com os outros e
motivando-a para o compromisso moral, expresso em gratuitidade e
amor. A educação não se esgota na cidadania: o seu objectivo último
é formar pessoas.
5. Para cumprir a sua missão de educar
para a cidadania, os projectos e as comunidades educativas têm de
contemplar o aprender a conhecer, o aprender a fazer, o aprender a
viver juntos, mas também o aprender a ser [6]. Sem esta consciência
personalista, sem o crescimento pessoal de uma verdadeira estrutura
autónoma vertebrada por valores e convicções, os cidadãos não
ultrapassarão o limiar de indivíduos enquadrados nas estruturas
cívicas como consumidores passivos dos esquemas sociais
apresentados.
A educação moral e religiosa presta um valioso
contributo na formação da personalidade na medida em que ajuda a
descobrir o projecto divino sobre a pessoa, sobre a vida humana e
sobre a sociedade. Longe de prejudicar a liberdade pessoal e a
inserção social, propõe aos educandos uma interpretação integral da
existência pessoal e do compromisso social e orienta-os na definição
de um projecto de vida enriquecido pelos valores humanizantes do
Evangelho que dão conteúdo à liberdade e fundamento à dignidade e à
responsabilidade pessoais. Além de ajudar a conhecer e a interpretar
a nossa cultura, marcada nas suas expressões literárias e artísticas
pelo cristianismo, torna-se também uma disciplina de grande
importância para aprender a viver juntos e para aprender a ser.
6. No desenvolvimento da consciência da pessoa, desempenham
uma função imprescindível os modelos de vida que se propõem aos
educandos como referências concretas na orientação da existência. Ao
longo da história, e também na época em que vivemos, encontramos
muitos modelos interessantes a propor e testemunhos de verdadeira
humanidade. Tal facto manifesta, nas mais diversas tonalidades,
confessionais ou não, o importante contributo dos valores
evangélicos na construção da pessoa.
O nosso tempo
caracteriza-se também pela indiferença, relativização ou mesmo
recusa de princípios, leis e instituições. Um mundo sem referências
fundamentais entra em desagregação [7], cai na espiral de violência
e acaba na autodestruição. Não podemos ignorar as sementes de vida
nem mascarar as sementes de morte que percorrem o nosso presente
histórico.
Não está em causa a capacidade para o juízo, mas
esta, muitas vezes, parece eclipsada e adiada pela sede da
satisfação imediata, pela alienação do consumo e pela reacção
negativa a regras e a qualquer forma de autoridade. Nestas
circunstâncias, a crise atinge seriamente a disponibilidade para o
compromisso na acção, condição fundamental para a mudança.
7. A evolução complexa da nossa sociedade exige a
apresentação clara dos elementos que permitam a identificação da
nossa matriz cultural, a afirmação explícita de quadros de valores
estruturantes dos projectos educativos e a abertura à pluralidade
dos mesmos projectos. Exige, ainda, uma atenção cuidada à
diversidade das vertentes bio-psicológica, social e espiritual da
pessoa humana. São estes os critérios que prevalecem sobre o
subjectivismo cultural de cada educador, sobre o pragmatismo
tecnicista e económico vazio de valores e sobre uma filosofia
educativa neutra.
Todos os parceiros e agentes educativos
devem identificar e concertar as suas responsabilidades, elevar e
explicitar as suas propostas educativas. A sociedade civil é o
espaço natural para aí surgirem iniciativas que enfrentem a tarefa
educativa com esperança e entusiasmo. Cabe ao Estado dar suporte a
essa pluralidade através de propostas subsidiárias e complementares.
Centralidade da pessoa humana na educação - a
educação, um serviço à pessoa humana
8. A dignidade
irrepetível de cada pessoa fundamenta o seu direito inalienável a
uma educação adequada às suas circunstâncias específicas. A pessoa é
o sujeito primeiro e o objecto último da educação. “Tudo quanto
existe sobre a terra deve ser ordenado em função do homem, como seu
centro e seu termo: neste ponto existe um acordo quase geral entre
crentes e não-crentes” [8].
A educação dos jovens e a
educação continuada dos adultos ganham actualidade e urgência,
quando o progresso social, o desenvolvimento técnico e científico e
os caudais acrescidos de informação e comunicação proporcionam e
exigem uma participação cada vez mais activa e consciente de todos.
Descobrir e ajudar a descobrir a dignidade da pessoa humana é o
núcleo central da própria tarefa evangelizadora da Igreja [9].
9. A pessoa é um ser complexo, nas suas dimensões física,
intelectual, afectiva, estética, social, moral, ética, espiritual e
religiosa; por isso, exige-se uma cuidada atenção ao
desenvolvimento equilibrado de todas estas vertentes.
É
importante promover os valores físicos que conduzam a uma vida
sadia. É preciso estimular os valores estéticos, caminho excelente
de educação da sensibilidade. Os valores éticos e morais dão à
pessoa uma estrutura interior autónoma, quer pelo exercício da
inteligência e pelo treino da vontade, quer pelo domínio dos
impulsos, reforçando os positivos e corrigindo os negativos. Pela
educação da afectividade, desenvolve-se a maturidade humana e
conquista-se, a pouco e pouco, a consciência da responsabilidade, a
prática da liberdade, o hábito da corresponsabilidade e da
participação gratuita.
Todos estes aspectos, devidamente
conjugados na formação, tornam o mistério da pessoa humana um
espelho da beleza de Deus.
10. “É só na liberdade que o
homem se pode converter ao bem. Os homens de hoje apreciam
grandemente e procuram com ardor esta liberdade; e com toda a razão.
(...) A liberdade verdadeira é um sinal privilegiado da imagem
divina no homem” [10]. A dignidade humana exige que o exercício da
liberdade seja fruto de uma construção interior, moldada pela
superação das inclinações negativas e pelo enriquecimento das
capacidades próprias, com verdadeira autonomia, e não sob coacção
externa. Em última instância, a consciência bem formada é a
conselheira final das decisões.
A educação tem a tarefa
nobre de motivar para a construção da responsabilidade, em prática
progressiva da liberdade, guiada por valores que se tornam
convicções, resultando em reconhecimento e gosto de si próprio, em
reconhecimento dos outros e em vontade de articulação social alegre
e empenhada.
A educação para a liberdade inclui o gradual
exercício dos direitos fundamentais da pessoa humana e o cumprimento
dos respectivos deveres. Inclui ainda o respeito dos direitos dos
outros e a consciência da solidariedade, fruto de uma inteligência
esclarecida, de uma vontade activa e de uma afectividade
equilibrada. No exercício dos deveres, o homem dá-se ao outro,
contrariando a imagem excessivamente egocêntrica que resulta de um
exagerado clamor por direitos.
11. No projecto de Deus, os
humanos são seres em relação, como a experiência existencial
testemunha. Daqui resulta uma saudável tensão entre o
desenvolvimento pessoal harmonioso e a crescente abertura à
comunidade, que se vai operando pela inserção progressiva nos
diversos níveis da comunidade humana, pela abertura ao diálogo com
os outros e pelos graduais esforços de cooperação. As comunidades
educativas proporcionam diversas formas práticas de vivência da
progressiva articulação do desenvolvimento pessoal com o
desenvolvimento social.
Nesta vida de relação, a educação da
sexualidade adquire particular importância, na medida em que exprime
e condiciona, em última instância, todas as formas de relacionamento
social. Entre a paixão egocêntrica e a ternura e entre o prazer
narcísico e a felicidade de crescer com os outros, há uma sadia
edificação e aprofundamento da relação humana. Desde a realização
pessoal até à participação generosa na realização dos outros, há que
fazer um longo percurso de conhecimento pessoal e reconhecimento
recíproco.
As aprendizagens afectivas, por serem envolventes
da personalidade, são as que mais fazem enriquecer ou perigar o
equilíbrio da pessoa. É indispensável a educação da afectividade
para o amadurecimento da sexualidade. “O ser humano é chamado ao
amor e ao dom de si na sua unidade corpórea-espiritual. Feminilidade
e masculinidade são dons complementares, pelo que a sexualidade
humana é parte integrante da capacidade concreta de amor que Deus
inscreveu no homem e na mulher” [11].
Sendo “um modo de ser,
de se manifestar, de comunicar com os outros, de sentir, de se
expressar e de viver o amor humano” [12], de espelhar em nós o
próprio ser relacional de Deus – “Deus criou o Homem à Sua imagem, à
imagem de Deus Ele o criou; homem e mulher Ele os criou” (Gén. 1,27)
–, a educação da sexualidade merece cuidado específico em todos os
processos e projectos educativos. “A sexualidade deve ser orientada,
elevada e integrada pelo amor, o único que a torna verdadeiramente
humana. Preparada pelo desenvolvimento biológico e psíquico, cresce
harmonicamente e realiza-se em sentido pleno somente com a conquista
da maturidade afectiva, que se manifesta no amor desinteressado e no
dom total de si” [13].
A educação da sexualidade, impossível
sem uma escala de valores humanos, corporais e espirituais, deve
começar na mais tenra infância, idealmente na família, porque deve
passar pela educação da afectividade. É essencial que a criança se
sinta objecto de amor e vá descobrindo a sua capacidade de
corresponder ao amor. Na própria relação de amor, vai fazendo
progressivamente a experiência religiosa, porque sentir a doação
gratuita é experimentar o reflexo do amor divino.
A
castidade, como virtude humanizante e libertadora da banalização e
da perversão da sexualidade, insere-se em todo o processo da
educação da sexualidade no amor e pelo amor.
12. A
globalização vivida nos nossos dias e a mobilidade das populações
geram novas perspectivas educativas e criam novos desafios à
educação. A par da multiplicidade de talentos individuais, surge a
pluralidade das expressões culturais. A educação, para além de ter
necessariamente em conta a construção da harmonia pessoal com o
grupo de pertença, é chamada a integrar a riqueza multicultural. A
educação deve ser multicultural, multilinguística e multi-religiosa.
Entre a pessoa e a comunidade, entre as diferentes culturas na
comunidade, há um longo caminho de harmonização, que dá à educação o
lugar central na dinâmica social, tornando-a o mais poderoso factor
de inclusão.
Este mosaico multicultural, multi-étnico e
multi-religioso, cada vez mais presente e variado na sociedade
portuguesa, é um grande desafio e um enriquecimento extraordinário.
A concepção cristã de pessoa, de vida e de sociedade, assim como a
lei fundamental do Evangelho – o amor –, tornam-se vigorosos
elementos de estruturação interna de convicções, com frutos visíveis
de integração social. A educação tem de ser inclusiva e incluidora.
O contributo da educação cristã é um óptimo incentivo a todos os
esforços de acolhimento, de integração e de interacção da
diversidade de culturas.
O Educando – protagonista
principal
13. Os projectos e processos educativos, sejam de
âmbito escolar ou cultural, sejam de carácter cívico ou religioso,
elaboram-se, revêem-se e reformam-se em função dos educandos. É à
volta deles que todas as instituições educativas e todos os agentes
educativos se devem constituir e organizar, projectar e realizar.
A simples transmissão de conhecimentos e a imposição de
modelos ou padrões estéticos, éticos e espirituais não bastam para o
desenvolvimento harmónico dos educandos. O segredo pedagógico está
em conseguir desencadear no espírito e no coração dos educandos um
movimento interior que favoreça o desabrochar das próprias
qualidades, desperte o desejo de aperfeiçoamento e correcção pessoal
e leve a acolher os contributos que a família, a escola, os grupos e
a Igreja oferecem. Uma lógica de ensino deve ser conjugada com uma
lógica de aprendizagem, em que o educando participa activamente no
processo educativo, caminhando para a gradual construção como ser
autónomo e em relação harmoniosa.
14. A autoridade do
“mestre”, em educação, passa mais pelo que ele vive e faz e não só
pelo que diz. Mesmo nas ciências mais positivas, o aprender a
aprender e o aprender a fazer resultam, essencialmente, do
empenhamento comum na investigação, na experimentação e na reflexão.
Educar, como processo de conduzir e alimentar, não é substituir-se
ao educando: é caminhar com ele. Nesse caminho comum, os modelos e a
palavra testemunhada pela vida têm lugar relevante, mesmo
insubstituível. No que respeita ao aprender a viver com os outros, a
relação educadores-educandos é o laboratório essencial do
crescimento.
Na tradição cristã, o testemunho faz parte
essencial do anúncio: o ser é o processo mais eficaz e o suporte
didáctico mais autêntico do aprender a ser – “crê o que lês, ensina
o que crês, vive o que ensinas” [14]. O testemunho da vida é a forma
simples e espontânea de irradiar valores e a credencial das palavras
que se comunicam [15].
A relação pedagógica é o desafio
fundamental na educação. O único suporte didáctico consistente é o
amor, sobretudo, na educação integral que inclui a educação
religiosa. Este é o itinerário que respeita e privilegia o educando
como protagonista principal em todo o processo educativo.
A Família - primeira comunidade educativa
15. É
vocação da família ser o espaço por excelência para a educação. “Os
pais, que transmitiram a vida aos filhos, têm uma gravíssima
obrigação de educar a prole e, por isso, devem ser reconhecidos como
seus primeiros e principais educadores. Esta função educativa é de
tanto peso que, onde não existir, dificilmente poderá ser suprida”
[16]. Quando existem condições para que se desenvolva a especial
relação afectiva entre os diversos membros, a família configura-se
como espaço privilegiado de educação e como primeira experiência de
socialização. Hoje esta missão é partilhada, normalmente, com o
jardim de infância e com diversas experiências de pertença eclesial.
As dificuldades reais sentidas pelas famílias e os sintomas
de desagregação que muitas delas acusam são fortes interpelações
para que não deixemos de estimular quantos se esforçam por preservar
um espaço familiar coeso, facultando aos filhos uma experiência de
amor, de aceitação, de perdão, de afirmação e de crescimento
harmónico e integrado, não obstante as diversas sensibilidades e
maneiras de ser. Incitamos os que sofrem rupturas ou situações
angustiantes a que não desistam de encontrar a melhor atmosfera
possível para uma interacção educativa familiar. Em todos os casos,
os pais mantenham para com os filhos um respeito a toda a prova.
16. A primeira responsabilidade educativa dos pais é
irrenunciável e inalienável. Na generalidade dos casos, a família
conta com o apoio de outras comunidades educativas, mas cabe-lhe
sempre a primeira responsabilidade, o direito e o dever de escolher
o projecto educativo para os seus filhos, na medida do possível e
dentro de uma pluralidade desejável de ofertas.
A família
continua a ser a integradora de todos os apoios educativos. No caso,
hoje frequente, do tempo efectivo de vivência familiar ser restrito,
com maioria de razão é dever da família velar pelo contributo
educativo das outras instituições, sem ceder à tentação de
transferir as suas responsabilidades para outras comunidades. De
facto, o ambiente familiar, animado pelo amor, é a atmosfera
educativa por excelência.
No ambiente familiar, a criança
começa a sua existência e promove-se como pessoa, sentindo-se aceite
pelo que é e não pelo que faz. Na família, exercita-se a capacidade
de perdoar, juntamente com o sentido da responsabilidade e da
percepção da autoridade.
17. A família é o terreno mais
disputado entre a tradição e a modernidade. As actuais
circunstâncias da vida transformaram profundamente as relações
familiares, envolvendo a própria concepção da família. O conceito de
família está profundamente alterado e a sua desagregação real,
agravada pelo desleixo, diminui fortemente a interacção entre os
seus membros e a sua capacidade educativa.
Entretanto, a
família deve ser o habitat natural da vida humana, na sua génese e
no seu desenvolvimento, embora muitas circunstâncias dificultem o
seu papel. Apelamos aos responsáveis pelos enquadramentos jurídicos,
que à família dizem respeito, a que promovam o alargamento possível
e a estabilidade desejável do espaço familiar.
No campo
educativo, por exigência do bem comum, é tarefa do Estado criar
condições para que a família seja, quanto possível, a comunidade
educativa primária e a estrutura básica do bem social. Pela
repercussão que tanto a acção do pai como a da mãe têm na educação
dos filhos, preocupa-nos a facilidade com que, entre nós e com o
apoio das leis, o casal se possa desfazer. O Estado tem a obrigação
de defender e promover o fundamento antropológico e a estabilidade
da família, criando condições para que não precise de transferir as
suas responsabilidades para qualquer outra instância educativa.
Esta acção do Estado exerce-se através de uma concepção de
família que se coadune com a sua própria natureza, de um
enquadramento legal de regimes fiscais que favoreçam a estabilidade
familiar e de uma criação de sistemas de trabalho e remuneração que
facilitem a vida familiar. O respeito pelas pessoas em ruptura
familiar ou noutras situações de relação afectiva não pode suprimir
nem fazer esquecer este princípio essencial: o direito e o dever
educativo inicial e fundamental é missão da família e dos pais.
A Escola - responsabilidades acrescidas
18. A escola
desempenha, hoje, um papel decisivo na transformação dos indivíduos
e das suas atitudes. É nela que as crianças e os jovens passam a
maior parte do seu tempo, numa atitude normalmente receptiva. Por
isso, a escola configura, de forma relevante, a evolução da pessoa
humana como ser em desenvolvimento e em permanente relação.
A democratização do ensino, o prolongamento da escolaridade
obrigatória e a generalização do acesso a níveis superiores vieram
fazer da escola a instância educativa onde se desenvolve quase todo
o processo educativo.
Com a redobrada importância da escola,
aumentaram também os seus problemas, uma vez que nela se repercute
toda a vida social e se reflectem os problemas sociais mais
gravosos. Por um lado, na escola confluem comportamentos como a
rejeição do institucional, o clima de comodismo, a era do
superficial, o esvaziamento dos valores, a relativização da verdade,
o hábito do conflito, a intolerância e a competitividade. Por outro
lado, também nela se reflecte o ambiente de cooperação, de
acolhimento e de intervenção, que possa existir na comunidade
envolvente.
Lugar de aprendizagem, por excelência, dos
saberes intelectuais e de experiências de vida, a escola é o espaço
do progressivo acesso normal ao património cultural de um povo,
tornando-se um contributo específico para o desenvolvimento da
matriz cultural dos indivíduos. Embora as novas tecnologias da
comunicação proporcionem igual acesso, a relação humana
professor-aluno tem possibilidades educativas insubstituíveis.
Cultivando as faculdades intelectuais, desenvolvendo o
espírito crítico e promovendo o sentido dos valores, a escola
prepara para a vida profissional e social activa. Igualmente
proporciona a abertura, a convivência e a cooperação mútua [17], e
promove a participação e a relação.
19. Os professores
desempenham um papel preponderante na comunidade educativa que deve
ser a escola. A sua função de motivadores principais exige uma
humildade e honestidade de quem reconhece que a verdadeira escola,
como serviço à pessoa, é a da busca permanente, onde os educandos
têm um papel fundamental. Tudo isto exige dos educadores a paixão de
quem se dá à missão de ajudar os educandos a crescer de forma
integral, coerente e harmoniosa.
Todos os outros membros da
comunidade educativa, em particular os auxiliares de acção
educativa, são também relevantes, por interferirem, embora de
maneira menos formal, no processo, pois testemunham valores e
sugerem atitudes do quotidiano, importantes na estruturação da
personalidade: a delicadeza e o respeito na utilização das coisas,
no trato com os outros e no relacionamento com o meio ambiente.
20. Na escola, o processo educativo desenvolve-se numa
interacção entre educandos e educadores, que permite passar do
abandono, da indiferença, da super-protecção ou do autoritarismo a
uma proposta que fascine e gere expectativas, que encoraje e
compreenda, que confronte e exija o diálogo. Tudo isto é possível
com um quadro de participações na vida da escola baseado num
paradigma explícito de valores. Deste modo, a pessoa humana
constrói-se a si própria, cresce num contexto relacional e torna-se
capaz de participar e partilhar, numa perspectiva de
complementaridade e comunhão.
A educação é um processo
localizado, que permite a apropriação de modelos balizadores,
personificados em membros da comunidade educativa, contribuindo para
a dimensão cultural que nasce e se desenvolve em cada homem. Uma
educação assim entendida prepara para a afirmação da diferença,
entendida como riqueza.
A interacção dos elementos da
comunidade educativa, com relevância para a associação de pais na
elaboração do projecto educativo e no desenvolvimento do mesmo, faz
da escola um pólo aglutinador e uma expressão sinergética da tarefa
educativa dentro da comunidade local. Os pais não estão na periferia
da escola, são parte integrante da comunidade educativa. Por isso, a
relação da escola com a família tem de se exprimir em clara
interacção.
Os outros parceiros educativos, como as
entidades religiosas, o poder local, os órgãos culturais e
recreativos e os movimentos ou grupos estruturados são também
elementos deste processo interactivo.
O Estado como
serviço - complementaridade do Estado e liberdade de educação
21. “O dever de educar, que pertence primariamente à família,
precisa da ajuda de toda a sociedade” [18]. O Estado presta um
serviço à comunidade nacional e à sociedade civil, no campo da
educação. Enquanto suporte e organizador da iniciativa da sociedade
civil, é sua tarefa fundamental defender os direitos e deveres
educativos dos pais e apoiar as instituições que os completem na
responsabilidade da educação. Segundo o princípio de
subsidiariedade, deve suprir as falhas dos pais, sem, todavia,
contrariar os seus legítimos e justificados desejos, assim como
criar as estruturas indispensáveis, escolas ou outras instituições,
na medida em que o bem comum o exigir [19].
É próprio do
Estado garantir que todos os cidadãos tenham acesso a uma
participação activa e consciente na riqueza cultural e na vida
cívica, o que exige a possibilidade de um equilibrado
desenvolvimento de todas as vertentes integrantes da pessoa humana,
sem exclusão de nenhuma, designadamente a religiosa, como às vezes
acontece [20].
22. A bem da educação e dos seus objectivos,
numa comunidade organizada, participativa e responsável, está vedado
ao Estado o monopólio da educação e da sua programação segundo
quaisquer directivas ideológicas, sociais, políticas ou religiosas
[21]. Nenhum projecto educativo é neutro; a educação é sempre
intencional. A pretensão de uma educação neutra torna-se um
dirigismo educativo, inadmissível numa sociedade democrática. Não
pode aceitar-se a justificação da neutralidade para satisfazer o
pluralismo cultural. Este resolve-se através de projectos escolares
diferenciados, já que as crianças e os jovens têm o direito a uma
educação dentro dos seus padrões de cultura.
O direito de
ensinar e aprender, bem como o direito primário dos pais à escolha
do quadro formativo de valores para os seus filhos, fundamentam o
pluralismo de ofertas educativas válidas. O Estado deve apoiar
projectos educativos, confessionais ou outros, e velar para que
cumpram o serviço à educação, no respeito pela diversidade de
opções. Na escola do Estado, quando se justifica a sua existência, o
mesmo pluralismo de convicções deve ser proporcionado, sem
sobrecarga nem desrespeito pelos educandos. Consequentemente, um
paradigma de valores confessionais, cristãos ou outros, com carácter
curricular, tem sempre justificado cabimento na escola pública.
Muito se tem feito pela melhoria das condições materiais e
humanas, para que a escola cumpra a sua missão. Mas, e isso é
preocupante, permanecem equívocos e subsistem sinais de uma tentação
inaceitável de estatização da educação, que é preciso superar com
diálogo, com serenidade, com justiça, com respeito pela legítima
iniciativa dos cidadãos ou dos grupos, sejam eles ou não
confessionais.
23. A escola católica é e deve ser uma escola
de qualidade, uma comunidade educativa com lugar activo e
participativo para aqueles que a integram, com um projecto educativo
concreto, conhecido e respeitado por todos. É “lugar privilegiado de
promoção integral mediante o encontro vivo e vital com o património
cultural, (...) em forma de elaboração, isto é, de confronto e de
inserção dos valores perenes no contexto actual” [22]. Procura fins
culturais, propõe uma visão da realidade, salientando a dimensão
ética da cultura e ajudando a formar personalidades fortes e
responsáveis [23].
A escola católica é também um espaço
educativo com uma fisionomia própria: uma proposta de clara matriz
evangélica. Caracteriza-se pela concepção de vida de comunidade
educativa fundamentada em relações interpessoais pautadas por
princípios, valores e critérios cristãos; pelo seu projecto
educativo, concebido na perspectiva da síntese entre fé e cultura e
entre fé e vida; pelos valores de referência dirigidos à promoção
integral da pessoa, radicados e inspirados em Jesus Cristo e no
Evangelho, como última instância de avaliação e de crítica. A escola
católica propõe aos seus educandos um desenvolvimento pessoal, uma
intervenção social e uma participação activa e qualificada na
construção do mundo e na ordenação da sociedade, segundo o projecto
de Deus [24].
A escola católica insere-se ainda na legítima
diversidade de iniciativas e de ofertas. Deve apresentar-se como
desafio profético na abertura e acolhimento a todos, como projecto
inovador na educação e no ensino e como espaço de exercício de
solidariedade e de serviço. Em síntese, deve ser uma escola
inclusiva e incluidora de todos. Para a sua viabilização, há que
encontrar as formas adequadas de apoio estatal, de harmonia com as
diversas situações e meios, possibilidades de escolha e opção pelos
pais e pelos encarregados de educação, com o claro intuito de melhor
favorecer as pessoas e de reconhecer e respeitar os seus legítimos
direitos.
Meios de comunicação social - potencial
educativo e riscos inerentes
24. Nas últimas décadas, ampliou-se
o conjunto dos parceiros e factores com poder decisivo na educação.
As instituições educativas tradicionais viram-se confrontadas com
outros agentes, alterando profundamente a relação de forças.
Entre os factores intervenientes neste novo processo, têm
preponderância os meios de comunicação social.
Os caudais de
informação e o acesso generalizado aos mesmos, as possibilidades de
intercâmbio e o conhecimento instantâneo dos factos que os meios de
comunicação social hoje oferecem constituem uma riqueza
incalculável. O mundo tornou-se uma “aldeia global”, em que a
multiculturalidade acontece mesmo sem a presença física. Estão
criadas as condições para se construir a cidadania mundial. Contudo,
para que tal se faça de modo harmonioso, é indispensável que as
comunidades educativas integrem os dados da informação no processo
formativo dos educandos. A educação implica não apenas o
conhecimento a partir da informação, mas também a apreciação
crítica, o discernimento e a interiorização dos valores e normas dos
comportamentos e atitudes.
25. A proximidade dos
acontecimentos, sejam de relevância mundial, nacional ou local,
sejam felizes ou dolorosos, envolve cada pessoa na marcha deste
mundo, das sociedades e dos grupos. É um dinamismo que poderá
conduzir ao reconhecimento dos outros e mover à simpatia e ao
respeito, tornando-se porta aberta para uma escola de tolerância, de
acolhimento e de cooperação. A possibilidade de partilhar aumentou
substancialmente.
Mas é também evidente a possibilidade dos
riscos de perversão deste potencial educativo. É possível a
fascinação alienante. É possível a veiculação de padrões de valores
negativos para a construção da personalidade, tanto mais que falta
hoje um sentido unívoco na concepção dos valores. É possível o risco
de diluição de identidades, quer pessoais, pela projecção dos
comportamentos, quer colectivas, pela amálgama cultural, em vez do
enriquecimento mútuo decorrente da diversidade.
Não podemos
ainda descurar o prejuízo, para o “homem do conhecimento”, da
reflexão e da interiorização, que poderá resultar da predominância
do “homem espectador” que, ao endeusar a civilização da imagem,
facilmente adormece ou faz mesmo regredir os hábitos de pensar.
É difícil ser-se educador quando não se é livre. A submissão
ao poder económico ou político retira aos agentes educativos a
liberdade e a capacidade de educar. Os meios de comunicação social,
quando enfeudados a qualquer poder, deixam de ser agentes
educativos.
A pessoa corre o risco de se esgotar na
experimentação do imediato, ainda que fisicamente distante,
transportando para a sensação descomprometida o sentido da vida, dos
outros e do mundo. Enquanto moderador do bem público, o Estado não
se pode eximir à obrigação de tutelar a iniciativa privada, para que
ela respeite os parâmetros de uma comunicação que seja plural e
enriquecedora, positiva e dinamizadora da vida.
Educar para
o uso crítico dos meios de comunicação social tornou-se uma
necessidade a que é preciso responder, sendo de desejar que surjam
iniciativas válidas nesse sentido, sejam elas de âmbito privado ou
estatal.
A Igreja ao serviço da sociedade
26. A
Igreja, consciente de que a sua missão é proporcionar ao homem um
desenvolvimento harmonioso e integral, à luz do mistério da
Encarnação e do mistério Pascal, sempre encontrou formas de se
empenhar na promoção da pessoa. Mesmo em países de minoria católica,
a Igreja surge muitas vezes como uma proposta de educação e
crescimento, sobretudo para os mais desfavorecidos. Em todo o seu
trabalho de evangelização, está presente a promoção da pessoa. São
diversas as instituições educativas da Igreja, com relevância para o
trabalho formativo, a nível de escolas, às vezes as únicas
instâncias educativas existentes.
Na fidelidade a Jesus
Cristo e ao homem, a Igreja é geradora de cultura e factor de
mutação, com incidências na harmonia social [25]. Como espaços de
participação e corresponsabilidade, os grupos e movimentos
apostólicos despertam muitos cidadãos para um espírito de cidadania
activa, com empenhamentos sociais, culturais e políticos.
A
Igreja pode prestar um valioso serviço à sociedade, dando
perspectivas de construção da pessoa humana, empenhando os seus
fiéis no ordenamento das realidades temporais segundo o projecto do
Criador e desenvolvendo energias e compromissos de crescimento
pessoal, de coesão social, de justiça, de solidariedade e de
humanização.
A própria expressão cultual, com todos os seus
elementos envolventes (literatura, música, escultura e arquitectura,
entre outros), constitui uma proposta de educação permanente e
resulta em património educativo irrenunciável. Os bens culturais
criados no seio da Igreja constituem um património estético de
inegável valor educativo e fazem parte da nossa matriz cultural. A
nossa cultura não se entende sem a mundividência cristã inspirada
nos valores evangélicos.
27. A Igreja tem o dever de
oferecer propostas de valores evangélicos a todos os que estão em
processo educativo. Fá-lo, de modo institucionalizado, pela escola
católica, a que já nos referimos, dos níveis da primeira infância
aos universitários.
A Igreja oferece também, através da
catequese, da liturgia, do serviço da caridade e dos meios de
comunicação social próprios, a visão evangélica da pessoa humana, da
sociedade e do mundo, segundo a história da salvação, que envolve a
pessoa numa alegre harmonia, integrando o cosmos, a pessoa, o outro
e o próprio Deus. Presta esse serviço no âmbito das instituições,
públicas ou privadas, que lhe franqueiam as portas, conscientes de
que essa visão faz parte dum projecto de educação integral. Com a
mesma exigência de sistematização e rigor dos outros saberes, com a
mesma seriedade e profundidade, esse contributo tem lugar de
interveniente no cerne da educação, onde se plasma a personalidade
do educando [26].
Para além da presença institucional na
escola através dos professores de Educação Moral e Religiosa
Católica, o testemunho e a acção dos professores cristãos que, como
tal, legitimamente se assumem, a motivação interveniente das
associações de pais, o envolvimento constante de movimentos e grupos
no meio escolar e o diálogo regular com o mundo da cultura são
serviços de uma presença fecundante da Igreja no seio das
comunidades educativas.
As melhores energias da Igreja, em
pessoas e meios, são dedicadas à educação da fé. Na vida das
comunidades, a catequese de infância e de adolescência, a preparação
do Crisma e do Matrimónio, os grupos de formação de jovens e de
adultos, movimentam milhares de pessoas interessadas e merecem a
dedicação generosa de muitos animadores voluntários. São verdadeiras
escolas de fé que orientam para uma vida digna e realizada, onde se
lançam as bases sólidas da educação para os valores espirituais e
humanos e onde se aprende a ser pessoa e a viver em relação
comunitária e em espírito de serviço ao homem e à sociedade. Podemos
concluir que a Igreja é, em si mesma, para os seus membros uma
experiência educativa e, para todos, uma proposta de educação.
Conclusão
28. A educação integral é o corolário
legítimo da dignidade humana. Progrediu-se muito na preocupação e
realização educativa: ampliaram-se os espaços e comunidades
educativas, quanto ao tempo, quanto aos aspectos integrantes e
quanto aos intervenientes. É importante ter presente que todo esse
trabalho e progresso é sempre em função da pessoa, um serviço que se
lhe presta em ordem à sua educação e desenvolvimento integral. Esse
deve ser, de facto, o objectivo de todo o labor educativo.
Aos pais, porque lhes cabe o direito e o dever inalienáveis
de serem os primeiros educadores, queremos dizer: assumam esta sua
missão e preparem-se para exercê-la com qualidade; mantenham no seio
da família o clima de amor e afectividade indispensável à educação
dos filhos; procurem e aceitem as parcerias necessárias com outras
instâncias educativas; organizem-se em associações de pais nas
escolas e nas outras organizações que acolhem os seus filhos, como a
catequese paroquial e o escutismo; lutem pelas condições normais que
lhes permitam agir com responsabilidade, nomeadamente na escolha da
escola e dos projectos educativos que mais lhes interessem para os
seus filhos e aos quais dão maior valor e apreço.
Sozinha,
sobretudo hoje, a família não pode realizar uma tarefa tão complexa
como é a educação. Para não se demitir e não transferir para outros
uma missão que é sua, a família deve ter consciência viva desta
realidade, preparar-se e formar-se convenientemente, e ser ajudada
neste propósito.
Reconhecemos ao Estado uma função de
defesa, suporte e apoio às responsabilidades familiares, e também um
papel fundamental no serviço às pessoas e ao bem comum e na
organização da sociedade civil. Compete-lhe, quando necessário,
colmatar a falta de iniciativa e capacidade das famílias; resistir à
tentação de estatizar a escola e o processo e projectos educativos,
atitude inconcebível e inaceitável numa sociedade democrática;
promover a legítima pluralidade de ofertas e escolhas que configurem
uma verdadeira liberdade de educação. Respeitar e fazer respeitar na
educação a nossa matriz cultural é, a nosso ver e neste campo, o
papel de um Estado de direito legitimado por um regime democrático.
Sabemos que a escola realiza uma parte fundamental do
projecto e do processo educativo. É desejável que, dentro da sua
autonomia, ela se abra ao meio e que toda a comunidade envolvente se
empenhe num trabalho educativo em convergência. A educação para a
plena cidadania traz consigo o aperfeiçoamento da capacidade do
juízo de valor; mas, acima dele, o compromisso e a acção serão
decisivos para a mudança de atitudes e de comportamentos que
aproximam do outro, numa relação baseada em valores e geradora de
valores. Desejamos que a escola, sempre aberta à inovação educativa,
encontre o seu caminho e seja fiel à sua vocação.
Dos meios
de comunicação social, porque podem constituir um poderoso
instrumento educativo, quer pela informação que proporcionam, quer
pelos valores que veiculam, é de esperar que não descuidem o seu
papel educativo e usufruam de liberdade de tutelas condicionantes,
sejam elas económicas, políticas ou ideológicas.
Consciente
da sua missão educativa, a Igreja continuará a proporcionar à pessoa
a visão cristã do mundo, do homem e de Deus, e não se demitirá de
continuar a oferecer, com total liberdade, propostas educativas.
Assim, ela própria tem consciência de que realiza, de múltiplas
formas, uma função educativa relevante na sociedade portuguesa.
A conjugação de esforços de todos os parceiros educativos
resulta num maior bem para a pessoa e para a sociedade. Por isso
mesmo, torna-se urgente o respeito mútuo, o diálogo liberto e a
partilha de perspectivas e projectos. Os momentos de crise que
vivemos reclamam um redobrado esforço neste sentido, com o apreço
por tudo o que cada um é capaz de dar e com a humildade de oferecer,
generosamente, as riquezas próprias.
A educação é uma arte
difícil que pede criatividade e dedicação. É bela e gratificante na
medida em que ajuda a formar pessoas felizes e realizadas e a
construir uma sociedade de paz e solidariedade.
À Virgem
Maria, Mãe, pedagoga da serenidade, do silêncio, da interiorização,
do carinho e da solicitude constante, confiamos as nossas
preocupações e rogamos-lhe que seja estímulo para os educadores e
que estes se deixem renovar cada vez mais na dedicação, na
criatividade e na esperança.
Lisboa, 6 de Janeiro de 2002
Notas
[1] CONFERÊNCIA
EPISCOPAL PORTUGUESA, Carta Pastoral A Igreja na socie-dade
democrática, nº 23 (cf. também nº 19).
[2] CONCÍLIO VATICANO
II, Declaração Gravissimum Educationis, Proémio.
[3] JOÃO
PAULO II, Carta Encíclica Redemptor Hominis, nº 14.
[4]
CONCÍLIO VATICANO II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes, nº 22.
[5] Ibidem, nº 41.
[6] Cf. J. DELORS, Educação, um
tesouro a descobrir (Porto 1996), p. 77ss.
[7] Cf.
CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, Carta Pastoral Deus-Pai, Criador e
Senhor, nº 23.
[8] CONCÍLIO VATICANO II, Constituição
Pastoral Gaudium et Spes, nº 12.
[9] Cf. CONCÍLIO VATICANO
II, Declaração Gravissimum Educationis, Proémio; JOÃO PAULO II,
Exortação Apostólica Christifideles Laici, nº 37.
[10]
CONCÍLIO VATICANO II, Constituição Pastoral Gaudium et Spes, nº 17.
[11] CONSELHO PONTIFÍCIO DA FAMÍLIA, Sexualidade humana:
verdade e significado, nº 10.
[12] CONGREGAÇÃO DA EDUCAÇÃO
CATÓLICA, Orientações Educativas sobre o Amor Humano. Linhas gerais
para a educação sexual, nº 4.
[13] Ibidem, nº 6.
[14] Cf. CONGREGAÇÃO DO CULTO DIVINO E DA DISCIPLINA DOS
SACRA-MENTOS, Pontifical Romano, nº 24.
[15] Cf. PAULO VI,
Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi, nn. 21 e 41.
[16]
CONCÍLIO VATICANO II, Declaração Gravissimum Educationis, nº 3.
[17] Cf. CONCÍLIO VATICANO II, Declaração Gravissimum
Educationis, nº 5.
[18] CONCÍLIO VATICANO II, Declaração
Gravissimum Educationis, nº 3.
[19] Cf. Ibidem, nº 3.
[20] Cf. Ibidem, nº 6.
[21] Cf. CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA PORTUGUESA, artº 43º.
[22] CONGREGAÇÃO DA EDUCAÇÃO
CATÓLICA, A Escola Católica, nn. 26-27.
[23] Cf. Ibidem, nn.
29-31.
[24] Cf. CONCÍLIO VATICANO II, Declaração Gravissimum
Educationis, nº 8; CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, Orientações
Pastorais sobre a Escola Católica, nn. 8-17.
[25] Cf.
CONFERÊNCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, Carta Pastoral A Igreja na
sociedade democrática, nº 6.
[26] Cf. CONGREGAÇÃO DO CLERO,
Directório Geral da Catequese, nº 73.
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