1. A evolução demográfica dos países europeus e
muito particularmente de Portugal é caracterizada por um acentuado
envelhecimento da população. Na realidade, já não se pode sequer falar da
existência de uma pirâmide etária, uma vez que a marcada redução da natalidade
estreitou muito a base da pirâmide, enquanto a sua ponta se torna cada vez menos
aguda. Dentro de poucos anos, 20% da população portuguesa corresponderão a
cidadãos com mais de 65 anos, ou seja, pertencentes à chamada terceira idade. A redução da natalidade e a
mais longa sobrevida dos idosos conduzem a esta situação, que é nova e levanta
receios e questões.
2. Não é nossa intenção analisar as causas destas rápidas e
profundas mutações demográficas nem perspectivar as linhas de orientação para o
modo como a sociedade deve encarar estes problemas, de óbvias consequências
sociais, laborais, económicas, relacionais e de saúde. Neste momento
limitamo-nos a verificar que esta é a realidade e que ela exige atenta análise e
a adopção de atitudes e comportamentos em relação aos idosos e ao sempre
crescente número dos muito idosos.
3. Devemos começar por saudar carinhosamente aqueles que
atingiram a chamada terceira idade ou até largamente a ultrapassaram,
aproximando-se das nove ou dez décadas de vida (fracção da população a que
alguns chamam a quarta idade). Já percorreram uma longa vida de trabalho e de
canseiras, formaram família, educaram filhos, contribuíram para a construção do
mundo em que vivemos e aproximam-se do término da sua existência terrestre. A
todos, e muito especialmente aos que vivem na pobreza, no isolamento, no
esquecimento ou na amargura, saúda esta Comissão com calorosa amizade e sincera
gratidão, certa de que todo o povo cristão a acompanha nesta homenagem. Sempre a
Igreja teve especial carinho e atenção pelos mais velhos membros do Corpo de
Cristo, ajudando-os nas suas necessidades espirituais e materiais, de forma
individual e institucional, recomendando vivamente aos fiéis que respeitem,
acarinhem e acompanhem as pessoas idosas.
4. A Igreja reconhece que não basta dispensar cuidados e
atenções às pessoas idosas, como se de meros receptores se tratasse. As pessoas
idosas são, por sua natureza, fonte de dádivas, tesouro de experiências,
conselheiras sábias e prudentes. Graças à disponibilidade que manifestam e à
generosidade que as anima, elas oferecem o seu tempo, as suas actividades, as
suas habilitações, o seu saber e não raras vezes as suas economias, contribuindo
para dar eficácia à solidariedade eclesial e privada, à acção caritativa, ao
esforço pedagógico. Voluntários nos hospitais, professores em instituições de
solidariedade, educadores, animadores da assembleia dominical, membros de
confrarias e comissões fabriqueiras, visitadores de doentes, acompanhantes de
deficientes, catequistas, responsáveis por casas de acolhimento e refúgio,
consultores e procuradores dos pobres e marginalizados, os idosos, graças aos
seus carismas, desempenham um importante e precioso papel na organização e vida
da sociedade e muito particularmente da Igreja.
5. Assim sendo, as pessoas idosas têm de ser entendidas como
cidadãos, na plena acepção da palavra, com direitos e deveres inalienáveis. Não
são pessoas que mendigam a esmola da caridade pública nem se sentem responsáveis
pelas preocupações dos organismos oficiais, tementes de um descalabro financeiro
dado o aumento de pensionistas e a redução da população activa. O cidadão idoso
reivindica para si os direitos humanos, tais como os apresenta a Declaração
Universal; não aceita que o considerem como um cidadão de segunda ou uma
incómoda causa de risco orçamental. Se as circunstâncias próprias da sua
biologia (maior susceptibilidade face a certas doenças, maior frequência de
alterações degenerativas, diminuição da acuidade dos sentidos, eventual
incapacidade física ou psíquica) o tornam num maior consumidor de cuidados de
saúde, tal facto em nada afecta a sua dignidade ou lhe retira direito algum. É
indispensável que as famílias e a sociedade se inteirem desta situação e actuem
em conformidade, aceitando como uma dádiva a existência de pessoas idosas,
respeitando os seus direitos, solicitando a sua colaboração e propiciando-lhes
os cuidados de que necessitem.
6. No concreto, conclui-se que embora muito se tenha já
realizado, ainda há um longo e difícil caminho a percorrer. É necessário que o
Sistema Nacional de Saúde se adapte à realidade desta nova situação, garantindo
um acesso rápido e fácil às instituições, criando condições acolhedoras para os
idosos, instituindo um esquema de visitação domiciliária, dando prioridade aos
cuidados continuados, oferecendo apoio psicológico e de enfermagem, sem esquecer
a criação de uma rede de instituições de cuidados paliativos, em apertada e
eficaz colaboração com as instituições privadas de solidariedade social. Deve
favorecer-se a permanência dos idosos no seu meio familiar, através de medidas
sociais, de apoio por equipas de saúde, de natureza fiscal, que constituam no
seu conjunto um coerente incentivo e estímulo para que as famílias conservem no
seu meio os idosos, sem serem esmagadas por tarefas para as quais estão
impreparadas e por despesas que não podem suportar. Apesar disso, é
indispensável aumentar o número de lares e de instituições (centros de dia,
centros para grandes deficientes, hospícios, etc.), garantindo a sua qualidade e
a satisfação de condições de humanização. Devem ser alargados os benefícios
concedidos às pessoas idosas necessitadas, facilitando as deslocações, o emprego
dos tempos livres, o turismo e o termalismo da terceira idade, a frequência de
cursos (técnicos, universitários ou outros), a aprendizagem de artes e ofícios,
a criação de micro-empresas, etc.
7. Nenhuma iniciativa ou medida terá êxito se não se basear no
princípio fundamental do reconhecimento da dignidade e valia das pessoas idosas,
enquanto cidadãos de pleno direito. A Igreja não o esquece nunca, nem poderia
fazê-lo, obrigada como está por uma prática bimilenária, pela Palavra, pela
Tradição e ainda mais pela esperança que a anima. Esperança que não confunde,
supera todas as esperanças do mundo e a todos nos garante que o mais
maravilhoso, nos horizontes da pessoa humana, está para chegar. Diante dos olhos
de todos, e sobretudo da Igreja, está o exemplo vivo de João Paulo II, velho,
doente e frágil, que ocupa a cadeira de Pedro, irradiando carismas, energia,
sabedoria, alegria e estímulo ao comprometimento apostólico dos fiéis.
|