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DOCUMENTOS OFICIAIS
DA IGREJA
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Meditação sobre a vida |
Conferência Episcopal Portuguesa
5 de Março de 2004
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Introdução
1. Na nossa sociedade a vida é, frequentemente, tema
de notícia. E é natural que assim seja, pois não sendo
exclusiva do homem, a vida define o próprio homem, na
sua dignidade, na sua responsabilidade, no drama da
sua existência, no horizonte da sua esperança, que se
afirma como desejo de mais vida, de uma vida melhor.
Sendo o seu dom mais precioso, o homem encontra nela
um desafio para a liberdade, a motivação para a
generosidade e a responsabilidade: a vida torna-se,
para ele, o fundamento principal da exigência ética,
porque aí se descobre como ser responsável perante a
sua própria vida e perante os outros seres vivos,
sobretudo os outros homens, chamados a descobrir a
vida no diálogo fraterno e na corresponsabilidade
mútua. Como afirma João Paulo II, “trata-se de uma
realidade sagrada que nos é confiada para a guardarmos
com sentido de responsabilidade e levarmos à
perfeição, no amor, pelo dom de nós mesmos a Deus e
aos irmãos”(1) .
Na maneira de abordar o problema da vida, o homem
exprime o carácter paradoxal e, por vezes,
contraditório da sua própria existência. É capaz de
beleza e de drama, das mais sublimes expressões de
generosidade, e das mais abjectas manifestações de
violência e de desprezo pela vida. A alegria encantada
da mulher, que exulta quando lhe foi dada a notícia da
sua maternidade ou recebe pela primeira vez, nos seus
braços, o filho recém-nascido, é ensombrada pelo drama
de mães que abandonam os seus filhos ou lhes truncam a
vida antes de nascerem, frequentemente instigadas por
outros. À generosidade heróica de tantos ao serviço da
vida e dos seus irmãos, contrapõe-se a violência de
quem não hesita em matar ou prejudicar gravemente os
seus irmãos, nas suas possibilidades de viver. Perante
estas atitudes contraditórias frente ao mistério da
vida, sentimos como o homem precisa de redenção.
A nossa sociedade tem sido, nos últimos tempos,
atravessada por manifestações desta contradição.
Anuncia-se com júbilo o resgate de sobreviventes,
depois de vários dias soterrados nos escombros de uma
tragédia e noticia-se, com ternura, a descoberta de um
bebé abandonado. A ciência genética abre novas
esperanças à qualidade de vida e há já pais a congelar
as células estaminais do cordão umbilical dos seus
bebés. Mas simultaneamente ressuscita-se uma campanha
violenta a favor da legalização do aborto e a
sociedade assiste perplexa à extensão do fenómeno de
abusos sobre crianças.
A doutrina da Igreja sobre a vida, a que o Santo Padre
chama o “Evangelho da Vida”, é conhecida de todos, e é
sincero o esforço dos cristãos para a porem em
prática, embora com a imperfeição inerente à nossa
fragilidade pecadora. A relevância que têm assumido,
entre nós, nos últimos tempos, os problemas da vida,
leva-nos a convidar todos os cristãos a fazerem,
connosco, uma meditação sobre a vida e a aprofundar
mais o “Evangelho da Vida”, pois só ele pode ser a
fonte inspiradora da exigência moral de todas as
nossas atitudes perante a vida.
A vida é um dom de Deus
2. A plenitude da vida é a definição de Deus. Ele é o
Vivo por excelência. O nosso Deus é um Deus vivo (cf.
Jos 3,10). N’Ele a vida é perfeita e definitiva: Ele
vive pelos séculos dos séculos (cf. Ap 10,6; 15,7).
Deus vivo, Ele é a fonte da vida. “N’Ele vivemos, nos
movemos e existimos” (Ac 17,28). O próprio Jesus
reconhece ter recebido a vida de Deus Pai: “Porque
assim como o Pai possui a vida em Si Mesmo, do mesmo
modo concedeu ao Filho possuir a vida em Si Mesmo” (Jo
5,26); “e como o Pai, que vive, Me enviou e Eu vivo
pelo Pai, assim aquele que me receber como alimento
viverá por Mim” (Jo 6,57).
Toda a vida é uma participação da vida divina. Nós
vivemos porque um sopro divino nos tornou vivos. Esta
convicção atravessa a Bíblia do primeiro ao último
livro (cf. Gn 2,7; Ap 11,11). A vida é, pois, o
primeiro dom de Deus, e a sua manifestação mais nobre
é louvar o Senhor que nos faz viver. Cultivá-la e
respeitá-la é manifestação da nossa fidelidade ao Deus
que nos faz viver. O respeito pela vida ganha dimensão
religiosa, e constitui uma mensagem gravada no coração
de cada homem, tornando-se lei natural e universal.
Mas quem reconhece Deus como fonte da vida, sabe que
qualquer agressão contra ela magoa o coração de Deus.
O respeito pela vida faz, assim, parte da lei
fundamental dada por Deus ao seu Povo: “Não matarás” (Ex
20,13).
Este dom divino da vida atinge a sua expressão máxima
em Jesus Cristo. Ele é a vida (cf. Jo 14,6). Comunicar
a vida e fazer viver é a razão de ser da Sua missão:
“Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”
(Jo 10,10). É que Ele, como Filho eterno de Deus,
participa, desde a eternidade, na plenitude da vida:
“N’Ele estava a vida e a vida era a luz dos homens” (Jo
1,4). Esta plenitude da vida que, na ressurreição, se
exprime completamente no Homem Jesus, abre-nos para o
verdadeiro horizonte da vida, que tem a sua origem em
Deus e só em Deus encontrará a sua plenitude.
A vida é um longo caminho
3. A narração bíblica das origens (cf. Gn 1) situa a
criação do homem no termo de um longo caminho, onde o
homem sobressai como plenitude da criação. E nesse
momento uma nova caminhada se inicia, para a
humanidade e para cada homem, até à sua plenitude.
Para toda a humanidade, esta longa caminhada constitui
a história, onde a vida humana se vai afirmando
dramaticamente, definindo-lhe progressivamente os
contornos da sua dignidade. Nesta caminhada da
história da vida, Jesus Cristo torna-se um marco
decisivo e definitivo, porque revela o verdadeiro
sentido da vida no amor dos irmãos, e na Sua morte e
ressurreição anuncia a superação da morte, como
passagem para uma vida perfeita e definitiva.
Mas à semelhança desta longa caminhada da história,
também a vida de cada homem se apresenta como um longo
percurso desde o seu início no seio materno até à
plenitude escatológica. Tal como no início da criação,
a vida aparece como uma “semente de vida”, chamada a
desabrochar e a desenvolver-se até à sua plenitude. No
início do processo da vida, a vida plena é apenas uma
esperança anunciada. Mas ela tem a objectividade de
toda a verdadeira esperança, pois contém toda a
potencialidade para o seu desenvolvimento, do ponto de
vista físico, na maravilha do código genético, e do
ponto de vista espiritual, na força que lhe vem de ser
participação na vida de Deus. A vida tem, desde o seu
início, toda a dignidade de que se reveste, pois logo
aí podemos já contemplar o seu mistério. Não é lícito
tratar com menos respeito a vida nas suas etapas de
crescimento com o pretexto de ainda não ser a vida
humana na sua plenitude. A vida humana é, desde o seu
começo, a principal fonte da exigência ética e
afirmação da nossa responsabilidade perante ela.
À luz da fé, esta caminhada da vida é o percurso
percorrido desde o primeiro “sopro de vida” recebido
de Deus, até à plenitude da vida, em Cristo, na
ressurreição final. Sabemos que é um dom ameaçado, não
apenas pelas vicissitudes naturais, mas pela nossa
fragilidade pecadora. O processo da vida é um caminho
de redenção. Caminho percorrido com pleno sucesso por
Jesus Cristo, n’Ele nos fortalecemos para a conquista
da vida. Filho de Deus, Ele torna-se, para nós, na Sua
ressurreição, a fonte da vida. Participando na Sua
vida plena, todos podemos aprender a viver em Cristo
(cf. Rm 14,7ss). A sua Palavra torna-se fonte de vida:
“Eu vos garanto: quem ouve a minha Palavra e acredita
n’Aquele que Me enviou, possui a vida eterna” (Jo
5,24). Ele próprio se torna “pão da vida” (Jo
6,48.51). A fé em Jesus Cristo põe o homem em contacto
com essa fonte da vida. “Aquele que acredita em Mim…
do seu seio jorrarão rios de água viva” (Jo 7,38).
Este novo horizonte de vida que se abre para nós, em
Jesus Cristo, ensina-nos a contemplar o mistério da
vida desde o seu início. Então percebemos que a
fidelidade a Jesus Cristo nos torna em servidores
incansáveis da vida.
Servidores da vida
4. O facto de a vida ser um dom de Deus, participação
na própria vida divina, exige a cada homem que seja
servidor da vida, da sua e da dos seus irmãos. Tal
como a vida em Deus é comunhão de amor entre pessoas,
a vida que d’Ele recebemos convida-nos à comunhão de
amor com os outros homens. A vida não é um processo
isolado, que possa ser vivida no individualismo. Cada
um de nós é responsável pela vida dos seus irmãos, na
medida em que os podemos ajudar a construir a sua
própria vida, descobrindo cada um de nós, nessa
inter-ajuda fraterna, o sentido da própria existência.
Essa é a mensagem de Jesus, que Ele porá radicalmente
em prática no dom da Sua vida para que todos os homens
tenham vida: “Quem procura ganhar a sua vida, vai
perdê-la; e quem a perde, vai conservá-la” (Lc 17,33).
Está aqui anunciada a fecundidade da Páscoa de Cristo,
fonte de vida, donde nasce a Igreja que surge como um
“povo da vida”. “Interiormente renovados pela graça do
Espírito, «Senhor que dá a Vida», tornámo-nos um povo
pela vida e como tal somos chamados a comportar-nos”
(2) . Nascida da vida nova do ressuscitado, a Igreja
define-se como “um povo pela vida”. Não lhe peçam que
ela, alguma vez e em qualquer circunstância, seja
contra a vida, porque, se o fizer, será infiel à sua
natureza e missão. Promover a vida é, para a Igreja,
uma missão. “Somos enviados como povo. O compromisso
de servir a vida incumbe sobre todos e cada um. É uma
responsabilidade tipicamente eclesial, que exige a
acção concertada e generosa de todos os membros e
estruturas da comunidade cristã”(3) .
A doutrina sobre a vida é parte constitutiva do
Magistério da Igreja, como “povo da vida”. É um dos
casos em que a doutrina da Igreja, sujeito de verdade,
prevalece sobre as posições pessoais individuais. O
ponto de referência para o Povo de Deus é este
Magistério da Igreja, voz perene da tradição
apostólica, aferido na comunhão eclesial a que preside
o Santo Padre, Sucessor de Pedro.
5. A paternidade e a maternidade são a primeira
expressão deste serviço da vida. Ao homem e à mulher
foi dado por Deus esse dom maravilhoso de serem
colaboradores do Criador na comunicação da vida. O
acto de procriar é um serviço à vida, que origina uma
exigência de serviço a essa vida, enquanto pais e
filhos coexistirem neste mundo. Como são maravilhosos
os testemunhos de tantas mulheres mães, que se
sujeitam a todos os sacrifícios para salvarem a vida
dos seus filhos, em maternidades de risco; e da
generosidade abnegada dos pais que sofrem e lutam para
que os seus filhos vivam e cresçam na vida. O amor de
pai e de mãe é um valor fundador da dignidade humana.
Isso torna mais dramática a fraqueza daqueles e
daquelas que abandonam os seus filhos ou mesmo os
impedem de nascer.
O ideal do serviço à vida exprime o que de mais nobre
e generoso existe na missão da Igreja. São páginas
grandiosas, tantas vezes silenciosas, escritas no
“livro da vida” por quantos se dedicam aos seus
irmãos, doentes, pobres e marginalizados, idosos,
crianças abandonadas. É a mão amiga que se estende à
mãe em dificuldade, ou se oferece generosamente para
colaborar com os pais na educação dos seus filhos.
Toda a missão da Igreja é uma missão para a vida e
pela vida.
O drama do aborto
6. Devido à actualidade e à gravidade do tema, não
podemos deixar de lhe fazer uma referência especial
nesta “meditação sobre a vida”. É um drama antigo. Tal
como outras manifestações de violência e de
desrespeito pela vida do próximo, o drama do aborto
coexiste com a dignidade da vida, sobretudo com a
grandeza do dom de a poder comunicar. O que é
relativamente novo, mas realmente um retrocesso, é a
tentativa de o “normalizar”, tirando-lhe a gravidade
ética de que se reveste, porventura considerá-lo um
direito da mulher-mãe.
Há um aspecto em que facilmente todos se põem de
acordo: a dramaticidade de que se reveste o aborto nas
sociedades contemporâneas. O sofrimento espiritual
provocado na mulher que aborta, esse existe em todas
as circunstâncias.
Estamos de acordo que toda a sociedade se deve
empenhar, por todos os meios legítimos ao seu alcance,
para erradicar este drama. Mas pensamos, em nome do
carácter sagrado da vida e da dignidade da mulher, que
a legalização do aborto não é o caminho. Não se
constrói uma sociedade justa sobre a injustiça. Em
nenhum momento podemos esquecer que a vida é o
primeiro fundamento da ética.
O aspecto crucial
7. O ponto crucial de toda a polémica acerca da
legalização do aborto consiste nisto: o embrião humano
e o feto são ou não um ser humano desde o primeiro
momento? Todos os defensores das leis abortistas se
desdobram em explicações justificativas, dando a
entender que nas primeiras semanas o feto não é uma
pessoa humana. Recorrem mesmo à filosofia de
inspiração cristã que define a pessoa como uma
capacidade de relação, para afirmarem que só estamos
perante uma pessoa humana quando é clara a sua
capacidade de relação.
Quem não for capaz de escutar a Palavra da Bíblia e da
Igreja, ao menos ouça a ciência, que tão maravilhosos
progressos fez no campo da genética. Esta torna-se uma
questão cada vez mais indiscutível do ponto de vista
científico. São os cientistas quem o afirma: desde os
primeiros momentos, estabelece-se uma relação vital,
que se desenvolve progressivamente, entre o feto e a
mãe, afirmando assim a sua alteridade em relação à
própria mãe. O Papa afirma claramente: “O ser humano
deve ser respeitado e tratado como uma pessoa desde a
sua concepção e, por isso, desde esse momento,
devem-lhe ser reconhecidos os direitos da pessoa,
entre os quais e primeiro de todos, o direito
inviolável de cada ser humano inocente à vida”(4) .
No estádio actual da ciência, começa a ser
incompreensível que um “Estado de Direito”, cuja
essência é a defesa e a promoção da vida, não tenha
uma posição oficial em relação a esta questão. Para
nós ela é clara: sempre que uma pessoa tem de tomar
uma decisão, seja ela qual for, acerca do aborto, toma
uma decisão, na responsabilidade da sua liberdade,
acerca da vida ou da morte de um ser humano, que por
estar no início da caminhada da vida, tem direito a
que o deixem e ajudem a percorrer esse caminho.
Desfazer algumas confusões
8. Está provado que a legalização do aborto é uma
questão fracturante da sociedade. Cada cidadão é
chamado a ter uma posição pessoal responsável e
reflectida. Para isso muito ajudará o esclarecimento
de algumas confusões que alimentam a própria discussão
pública de tão delicada matéria.
* Será o aborto uma questão política, no
sentido em que decorra, como corolário, de certas
ideologias políticas, como forma de conceber a
sociedade?
Parece-nos que não. Houve já quem afirmasse que o
aborto é uma exigência de determinadas orientações
políticas. É preciso "despolitizar" o problema e com
isso a discussão ganhará em objectividade. A defesa da
vida é um valor supra-político, na medida em que deve
inspirar qualquer política que esteja ao serviço do
homem e da sociedade. É indigno da maturidade política
de um Povo que alguém seja a favor da legalização do
aborto só porque pertence a um determinado partido ou
segue uma certa visão da sociedade.
* Será o aborto uma questão religiosa?
Os defensores da legalização do aborto pretendem, por
vezes, fazer passar essa mensagem, remetendo o
problema para o foro íntimo da consciência e afirmando
que num Estado laico, onde há separação entre a Igreja
e o Estado, não se pode impor à sociedade a dimensão
religiosa do problema. Os cristãos, porque acreditam
que toda a vida vem de Deus, encontram na sua fé um
motivo profundo para defenderem a vida. Mas a
inviolabilidade da vida humana, desde o seu início até
à morte natural, é uma questão de direito natural. É
um dos alicerces da convivência ética dos homens em
sociedade. E quando os decisores políticos relegam o
problema para o campo das opções de consciência, é
preciso não esquecer que na moderna concepção dos
Estados, o Estado é considerado “pessoa de bem” e, por
isso, também tem consciência.
* Será o aborto um direito da mulher?
Todos reconhecemos que a mulher é protagonista
principal, embora não única, no drama do aborto,
porque a decisão é sua, porque lhe sofre as
consequências. Mas o aborto não é redutível a uma
afirmação dos direitos da mulher, do direito ao que se
passa no seu corpo, como tem sido afirmado. Uma das
primeiras manifestações da maternidade é o
reconhecimento, pela mãe, da alteridade do seu filho,
isto é, reconhecer que traz no seu seio outra pessoa,
em relação à qual, além dos deveres específicos da
mãe, tem os mesmos deveres que qualquer indivíduo tem
perante a vida de outrem.
* Os deveres morais para com o nascituro
confundem-se com a moral sexual?
Não! Embora uma sexualidade equilibrada seja elemento
importante na procriação equilibrada e responsável, o
problema do aborto não é uma questão de moral sexual.
Isso sempre foi claro na moral da Igreja. Os
mandamentos da Lei de Deus distinguem os conteúdos da
obrigação moral. Um diz “não matarás” e veicula toda a
exigência da Lei de Deus perante a vida dos outros. Um
mandamento diferente manda-nos “guardar castidade”, ou
seja, convida-nos a viver a sexualidade como expressão
de dom gratuito e de comunhão amorosa.
* Será possível descriminalizar o aborto?
A resposta a esta questão depende daquele ponto
crucial, se sim ou não consideramos o nascituro um ser
humano desde o início. Se a nossa posição é essa, não
vemos como se poderá tirar ao aborto a classificação
de “crime”. A violência mortal sobre um ser humano
constitui a natureza do principal acto criminoso. Na
sequência da Tradição, confirmada pelo Concílio
Vaticano II, o Magistério da Igreja continua a
considerar o aborto um “crime abominável”. Na
Evangelium Vitae, João Paulo II afirma: “Dentre todos
os crimes que o homem pode realizar contra a vida, o
aborto provocado apresenta características que o
tornam particularmente grave e abjurável”(5) .
Como em todos os crimes, circunstâncias psico-sociais
podem tornar "inimputável" ou com responsabilidade
atenuada, quem praticou um aborto ou para ele
contribuiu. Mas isso não retira ao acto em si mesmo a
sua natureza criminosa, que não decorre apenas da
subjectividade de quem o pratica, mas da gravidade da
acção em si mesma.
* Será possível despenalizar o aborto?
Isso corresponde a perguntar se é possível, do ponto
de vista legal, definir um crime sem lhe atribuir uma
pena. Não nos compete pronunciar-nos sobre essa
questão de natureza jurídica. Parece-nos, no entanto,
que o caminho não é "despenalizar", mas considerar, em
sede de julgamento, eventuais circunstâncias
atenuantes, até porque o grau de responsabilidade não
é o mesmo, quer entre as mulheres que abortam, quer
entre aqueles que as condicionam e contribuem para o
aborto.
Seja qual for a resposta dada a esta questão, ela não
poderá fundamentar qualquer forma de legalização do
aborto que constitua um direito da mulher.
Para além do drama do aborto
9. Vida promovida, vida ameaçada, eis o paradoxo da
dimensão dramática da vida humana. O único caminho
para precaver todas as formas de violência sobre a
vida humana, é o cultivo da sua beleza e dignidade e
do serviço generoso que lhe podemos prestar. Só amando
e servindo a vida, evitaremos as violências sobre a
vida. Não esgotemos no drama do aborto os nossos
deveres para com a vida. Esta meditação sobre a vida é
para fazer todos os dias porque servir a vida é adorar
o Deus Vivo e Criador.
10. Não queremos terminar esta meditação sem uma
palavra de reconhecimento e estímulo a todos aqueles e
aquelas que, no dia a dia, sacrificam a própria vida
para defender a do próximo, e a todas as pessoas e
grupos que têm alertado a sociedade portuguesa para o
valor fundamental da vida, com tudo o que deve ser
feito para a salvaguardar e promover, das famílias ao
Estado.
Fátima, 05 de Março de 2004
(1) João Paulo II, Carta Encíclica EVANGELIUM
VITAE, 25.03.1995, nº 2.
(2) Ibidem, nº 79
(3) Ibidem, nº 79
(4) Ibidem, nº 60
(5) Ibidem, nº 58
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