1. Com o título
prometido no programa esperam certamente de mim uma palavra
de esperança e de perspectiva pastoral. A situação da
família na Igreja e a missão da família no mundo são
dimensões interdependentes. A missão da família cristã no
mundo, não é separável da missão da Igreja na sociedade. A
família só será uma realidade irradiadora do Reino de Deus
se ela for uma realidade eclesial viva, fortemente marcada
pela ousadia do Espírito e atravessada pela exigência da
santidade cristã. A tibieza das famílias cristãs
enfraquecerá a Igreja como sacramento de salvação e sinal do
Reino.
Por isso, antes de abordar a missão da família cristã
no mundo contemporâneo, parece-me necessário considerar as
relações mútuas entre a família e a Igreja.
I - A Igreja e a Família
2. A família, com as características essenciais
que ainda hoje a definem, não é uma "invenção" do
judeo-cristianismo. Ela constitui um dado estrutural da
antropologia da criação. Na harmonia do universo, que
preside a todo o seu processo evolutivo, o fenómeno humano
surge como clímax de todo o processo e revela-se como a
fonte de sentido de toda a evolução do universo. O homem
desvela o segredo do sentido do cosmos; o homem, desde o seu
aparecimento no processo da criação, revela-se com uma
centralidade que dá sentido a todas as coisas.
Este "fenómeno humano" manifesta-se na
bipolaridade sexuada do homem e da mulher e também neste
aspecto o ser humano dá sentido a toda a vitalidade do
universo. Homem e Mulher Ele os criou (Gen. 1, 27). Segundo
a Bíblia, o homem criado à imagem de Deus é homem e mulher:
dois indivíduos, um único ser humano, chamados à unidade que
exprime e anuncia a vocação de unidade e harmonia do próprio
cosmos.
Esta unidade procurada insere-se na busca progressiva
da perfeição da criação, não é uma "fusão" com a
perda da identidade dos sujeitos desta busca de unidade, mas
uma comunhão, onde cada um mantendo a sua individualidade, a
reconhece continuamente na relação com o outro. No par
humano, o ser humano afirma-se como relacional, isto é,
alguém que se descobre e constrói na relação com o outro.
Sem anular o indivíduo este torna-se pessoa, porque encontra
a sua verdade na relação.
Esta unidade relacional do homem e da mulher, que na
sua complementaridade física e espiritual garantem a
reprodução da espécie, mostra-se decisiva para a harmonia da
criação, é o núcleo fundamental da vocação comunitária da
humanidade e, por isso mesmo, sua célula fundante e
fundamental. Fonte de sentido para toda a criação, esta
unidade primordial alia a força da natureza com o sentido
que lhe vem do espírito, afirmando, desde o início, a
dimensão cultural e espiritual como componente essencial de
toda a comunidade humana. Com a força da natureza, pode
haver complementaridade física e reprodução da espécie; mas
só haverá comunidade de pessoas com dimensão cultural e
espiritual, que vai encontrar uma expressão decisiva na
dimensão religiosa, ou seja, da comunhão com Deus, que se
reconhece como Criador.
3. O judeo-cristianismo é o quadro religioso e cultural
em que nos situamos. Ele não fundou a família como
comunidade primordial, mas enriqueceu-lhe o sentido,
desvelou-lhe o mistério, definiu-lhe o horizonte de
perenidade e de eternidade. O "fenómeno humano" é o
ponto de partida da revelação religiosa, mas esta supera-o
porque lhe desvela o sentido definitivo. Toca-se a dimensão
humana de Deus e a dimensão divina do homem. E é na
comunidade primordial do homem e da mulher que se intui este
encontro fundamental do humano e do divino. "Deus criou o
homem à Sua imagem, homem e mulher Ele os criou" (Gen.
1, 27).
O diálogo entre Deus e o homem radica na criação do ser
humano como dinamismo de relação e desafio de comunhão. No
progresso desse diálogo revelador, Deus acabará por se
manifestar como sendo Ele Próprio uma comunhão de Pessoas,
onde a unidade do amor não compromete a individualidade dos
sujeitos. E percebe-se, então, como um Deus comunhão de
Pessoas só podia criar à Sua imagem, ou seja, só podia criar
um ser humano que se afirmasse mais pela comunhão
inter-pessoal do que pela individualidade dos sujeitos.
Sobre a comunidade primordial do homem e da mulher brilha
agora a luz da comunhão trinitária e a participação divina
do ser humano expressa nessa comunhão. Criou-os à Sua
imagem.
Esta imagem divina é, no ser humano, uma marca
relacional e uma exigência de comunhão, que traz o gérmen de
uma outra expressão maior desta vocação de comunhão: a
possibilidade de entrar em comunhão com Deus. Percebe-se
então que Deus criou porque queria alargar a Sua experiência
de comunhão de amor e esse é o grande desafio que faz
continuamente ao homem, na proposta de aliança. E o homem
pode acolher e perceber essa proposta de aliança, porque na
comunhão primordial homem e mulher ele traz a marca de uma
vocação de aliança e de comunhão. Não é apenas uma expressão
poética quando, através dos autores sagrados, Deus explica o
Seu desejo de aliança com a humanidade, comparando-a à
aliança primordial do homem e da mulher. E mesmo nessa etapa
da revelação, que parece decisiva e inovadora, está-se
apenas a explicitar o sentido profundo da aliança primordial
do homem e da mulher.
4. Quando a vocação humana de comunhão, expressa desde
a origem na comunhão do homem e da mulher, assume claramente
a sua dimensão de transcendência na proposta divina de
aliança com o Povo escolhido, a vida relacional dos homens e
das mulheres vais ser interpelada por um duplo dinamismo: o
de serem seres em relação e de fazerem comunhão entre si - é
o dinamismo da comunidade - e de encontrarem na relação de
aliança que Deus lhes propõe a força que lhes permite
aprofundar continuamente a experiência comunitária; e
tomarem a sério a aliança, fazendo comunhão com Deus,
saboreando desde já as primícias da definitiva comunhão, no
Reino definitivo.
Estes dois dinamismos entrecruzam-se na realidade
concreta da vida do povo crente. A experiência de comunhão
entre humanos pode ter a densidade da comunhão de aliança
com Deus. Todas as verdadeiras experiências de comunidade
integram a densidade da aliança, encontram nela a força que
as faz crescer e a garantia da sua plenitude. Mais uma
vez a família, comunidade primordial, aparece como
experiência nuclear deste processo. A comunhão do homem e da
mulher pode caminhar para a sua perfeição, porque Deus faz
parte dessa comunhão. Comunidade natural, a união do homem e
da mulher encontra na Palavra de Deus a luz que a guia pelos
caminhos do amor. Comunhão de pessoas com a força de Deus,
torna-se caminho e sinal da comunhão com Deus e gérmen da
comunhão alargada no Povo de Deus.
Radica aqui a possibilidade de a comunhão conjugal ser
sacramento da graça e da edificação da Igreja. Está
encontrada a convergência inevitável entre a família
comunhão e a Igreja comunhão. O amor de Cristo pela Igreja
torna-se o modelo inspirador do amor dos esposos. Os maridos
devem amar as suas esposas como Cristo ama a Igreja (cf. Efs.
5). Situar a comunhão familiar no âmago da comunhão eclesial
revela o verdadeiro sentido da comunhão conjugal. A
revelação do amor do Deus comunhão, desvela o sentido da
criação. A graça plenifica a natureza.
5. Este horizonte da graça que plenifica a natureza
constitui o pano de fundo doutrinal que orienta toda a acção
da Igreja em relação à família cristã. E metodologicamente
permito-me, antes de tratar de questões pastorais
propriamente ditas, enumerar em síntese os pontos principais
da doutrina cristã sobre o casamento e a família.
* O cristianismo não introduz na consideração da
família alterações ontológicas na antropologia da família;
antes adopta a antropologia da criação explicitando-lhe a
dimensão transcendente, oferecendo-lhe uma força de
autenticidade e plenificação e enquadrando-a no contexto
religioso da aliança.
* A família é uma comunidade de pessoas, radicada na
comunhão do homem e da mulher; a diferenciação e a
complementaridade dos sexos é um elemento antropológico
fundamental na compreensão cristã da família, porque o "humano"
é homem e mulher e porque a procriação é elemento
constitutivo do ideal familiar. Nenhuma espécie de abertura
ou de adaptação aos tempos poderá levar jamais a Igreja a
considerar como família as uniões entre pessoas do mesmo
sexo.
* A família é uma comunhão de amor. A unidade procurada
não é "fusão" mas comunhão de pessoas, exprime-se
também pelo corpo, mas é união espiritual. Só o amor dá
sentido à sexualidade humana.
* Esta comunhão é expressão da caridade e é possível
com a força do Espírito Santo. A graça da comunhão recebida
pelos esposos cristãos é um dom baptismal e é a mesma graça
oferecida a todos os baptizados para que sejam comunhão, em
Igreja.
* A união conjugal, sendo por natureza da ordem da
comunhão de amor, tornou-se, em Cristo, sinal sacramental da
graça eclesial.
* Como toda a experiência cristã, a união conjugal
anseia por uma plenitude final. A dimensão escatológica do
matrimónio confunde-se com a dimensão escatológica da
Igreja.
A Família como alvo privilegiado da
acção pastoral da Igreja.
6. A
acção pastoral da Igreja em relação à família parte deste
mistério perene da família. Trata-se de lhe revelar o seu
mistério e de a ajudar a encontrar a sua plenitude. Não se
pode pedir à Igreja que na sua acção pastoral renuncie a
esta dimensão perene, que lhe foi apenas dada e revelada.
A Igreja terá, certamente, em conta as circunstâncias
mutáveis da família, mas não pode mudar a sua compreensão do
mistério da família, ao ritmo das mutações culturais e
sociológicas. É sua missão, isso sim, ajudar as famílias
cristãs a situar-se nessas mutações, com discernimento e
coragem para viverem o mistério de sempre nas condições
concretas do mundo de cada tempo.
Indicarei agora algumas características fundamentais da
acção pastoral da Igreja em relação à família, aquilo que
vulgarmente se designa pela expressão "pastoral familiar".
7. É uma pastoral baptismal. O baptismo é o
fundamento do matrimónio cristão. Chamados, pela fé e pelo
baptismo, à comunhão de caridade, em Igreja, por Jesus
Cristo, não teria sentido que os esposos cristãos vivam a
sua experiência primordial de comunhão, fora da exigência
desta comunhão, em Igreja, caminho da santidade cristã.
Trata-se, pois, de uma pastoral da fé, da esperança e da
caridade, descobrindo progressivamente a novidade cristã na
maneira de viver. É familiar porque toda a acção pastoral da
Igreja integra e tem em conta as circunstâncias concretas da
vida de cada cristão e de cada comunidade. Toda a acção
pastoral se situa na perspectiva do mistério da encarnação.
É por isso que a Igreja, ao longo do seu caminhar no
tempo, chegou à formulação jurídica do princípio que, entre
cristãos, o único matrimónio válido, é o sacramento do
matrimónio. Em circunstâncias, como as actuais, em que um
grande número de baptizados, não fizeram uma iniciação
cristã e não têm uma fé vivida, esta equação entre baptismo
e sacramento traz problemas pastorais acrescidos. Um maior
rigor na admissão dos nubentes ao matrimónio sacramento não
é solução evidente. Exceptuando circunstâncias graves, não é
justo negar o matrimónio religioso a dois nubentes
baptizados que o pedem sinceramente. Temos de os ajudar a
descobrir a verdadeira dimensão daquilo que pedem. Por mais
difícil que isso seja na prática, o momento do pedido do
casamento religioso pode ser aproveitado como momento de
anúncio querigmático da pessoa de Jesus Cristo.
8. Esta circunstância põe em realce uma outra
característica desta pastoral específica: como toda a
pastoral baptismal deve ter um ritmo catecumenal.
Trata-se de uma caminhada em que se aprofunde e experimente
a riqueza do baptismo, a comunhão com Jesus Cristo, em
Igreja, descobrindo a beleza da comunhão fraterna,
iniciando-se na oração, e aceitando a novidade da moral
cristã, porque se descobre que a comunhão com Cristo
transforma todas as expressões da nossa vida.
A preparação para o matrimónio deveria ter o ritmo de
uma caminhada catecumenal. Só intuindo e saboreando a
novidade cristã os noivos se preparam para o casamento, pois
só essa descoberta prepara para a vida da Igreja, como
caminho de santidade. Mas mesmo depois do matrimónio
celebrado, os casais deveriam, durante um tempo, aceitar
continuar essa caminhada catecumenal, sobre a orientação do
seu Bispo.
9. É uma pastoral comunitária. Trata-se de fazer
descobrir a dimensão de comunhão de toda a vida cristã, em
Igreja e a sua concretização nas diversas formas de vivência
comunitária, entre as quais a família é a primeira, embora
não a única. Toda a comunidade eclesial de aprofundamento da
fé, que passa por Movimentos, grupos de Catequese de Adultos
etc, deve ter ritmo e pedagogia comunitários, convergindo
todos para a Eucaristia, principal expressão da comunhão
eclesial. Na Igreja as pessoas individuais descobrem o
sentido da vida na participação comunitária. A família não
pode ser só o contexto em que os indivíduos crescem e
encontram a própria felicidade. A sua grande riqueza, que é
também a sua maior exigência, está na experiência
comunitária. E em comunidade os indivíduos se não contribuem
para a felicidade dos outros, também não constroem a própria
felicidade.
10. É uma pastoral em ritmo pascal. Só participa
na ressurreição de Cristo quem O segue, abraçando
corajosamente a própria cruz. O mito da facilidade, da
felicidade ao alcance da mão, enfraqueceu a família como
espaço de fidelidade e de luta. A capacidade de amar,
sofrendo, e a generosidade do perdão são atitudes cristãs
essenciais à solidificação da família cristã como comunidade
de amor. A família só resiste na coragem da luta, na
generosidade do perdão, na resistência à tentação.
No ritmo de uma família interpenetram-se os desejos de
radicalidade e a sabedoria da gradualidade. Mistério
grandioso de graça, alicerçado na Páscoa de Cristo e
fortalecido pelo dom do Espírito, deve ter como horizonte a
radicalidade da santidade. Aventura de homens frágeis e
pecadores, devem ter a humildade de não desanimar nos seus
fracassos, pois o que parece humanamente impossível,
torna-se possível com a força de Deus. Só o confundir o
pecado com a virtude e as situações de fragilidade com a
normalidade leva os esposos a fechar-se à esperança de um
futuro novo. E como em toda a vida cristã, só a esperança
permite que não se cave um fosso entre a fé e a caridade.
II - A Família na Igreja.
11. Para que toda a Igreja cresça como experiência de
comunhão, é prioritário ajudar as famílias a serem
experiências de comunhão de vida e de amor. Não só os casais
se devem ajudar uns aos outros nesta construção da
comunidade familiar, mas todos os outros agentes de
pastoral, sobretudo os sacerdotes, os religiosos e
religiosas e outras pessoas consagradas, devem dar
prioridade a este objectivo pastoral, eu diria mesmo, devem
deixar-se devorar por esta paixão de ajudarem as famílias a
ser o que Deus quer que elas sejam. Aí se manifestará a
complementaridade dos carismas na Igreja, porque a vocação
cristã fundamental é comum a todos: ser comunhão, em Jesus
Cristo, na caridade.
Aliás este reforçar da família como comunidade de fé e
de amor é, em última análise, o objectivo das principais
áreas da acção pastoral da Igreja. Quando se dá catequese às
crianças e aos jovens, quando se cuida, com particular
solicitude, das pessoas idosas, quando investimos na Escola
Católica, estamos a colaborar com a família e a contribuir
para a sua solidez como comunidade de vida. A família
precisa de ser ajudada pela Igreja a ser comunidade, pois
quanto mais ela o for, mais a Igreja toda o será, e a
Eucaristia, grande expressão da Igreja comunhão, será cada
vez mais a oferta da vida real dos seus filhos.
12. Será a família, enquanto tal, um agente de acção
pastoral? É preciso ter em conta que a família pode ser, em
si mesma, um espaço de irradiação apostólica. A família
comunidade, que é continuamente repassada pelas exigências
do Reino de Deus, é semente desse Reino.
Os membros dessa família que se empenham na acção
apostólica, dentro da Igreja ou no meio do mundo como
construtores de uma sociedade mais justa e fraterna,
testemunham a força de vida que recebem da família. É
difícil a uma pessoa casada viver profundamente o ritmo de
comunhão, em Igreja, se não o vive na própria família. A
Igreja não pode ser só um refúgio, embora por vezes o seja,
como família onde se sentem reconhecidos e amados aqueles
que não encontraram o amor.
Quando cada membro de uma família se insere
profundamente na Igreja como comunhão, transportará para o
seio da família essa experiência como semente da comunhão.
Não é só a Igreja que recebe dinamismo de comunhão a partir
da família; esta também é continuamente enriquecida pela
experiência eclesial dos seus membros. A presença da família
na Igreja, ajuda esta a ser uma grande família, onde todos
são irmãos porque têm a Deus como Pai; mas a experiência de
comunhão eclesial interpela continuamente as famílias a
serem comunhão de vida e de amor.
III - A Família Cristã no
mundo contemporâneo.
13. Quando falo de mundo contemporâneo falo, de modo
particular, das sociedades Ocidentais, que melhor conhecemos
e sentimos e onde estamos inseridos, embora aquilo que é
perene da família cristã como sinal de um mundo novo seja
válido para todos os quadrantes culturais.
Todos estamos conscientes de que o actual ambiente
cultural não facilita a vida à família cristã. Esta para
permanecer fiel e ser sinal, trava continuamente uma luta,
como quem nada contra a corrente. Se resistir, fortalece-se;
mas a fidelidade tornou-se mais exigente.
Sem a preocupação de ser exaustivo, indicarei alguns
traços dessa cultura ambiente e as repercussões que têm
sobre a família.
* A prioridade do indivíduo sobre a pessoa e a
comunidade. A própria sociedade é concebida como um conjunto
de indivíduos, com direitos e deveres regulados pela Lei e
raramente se fala da dimensão comunitária da sociedade, que
no entanto é o verdadeiro princípio da sua humanização.
Uma família concebida apenas como conjunto de
indivíduos, com direitos e deveres, que não aprendam a
encontrar o sentido da sua liberdade no dom de si mesmo aos
outros, está ferida de morte como comunidade de vida e de
amor. A infidelidade pode aparecer como um direito, a vida
não partilhada uma afirmação da privacidade individual, e o
divórcio a maneira de resolver conflitos.
* Uma visão funcional da sexualidade. Está na moda
desligar a sexualidade do amor; se este existir, pode
ajudar. A intimidade sexual aparece na lógica do próprio
interesse, não gera compromissos, não é expressão de uma
vida partilhada. Se a sexualidade não tiver a beleza e a
exigência do amor, a união do casal não é construtora de
comunhão e a sua estabilidade está ameaçada. É que na lógica
da comunhão, nada exige tanto a gratuidade e generosidade do
dom e da busca do bem do outro, como a intimidade sexual. A
convivência acordada ou negociada será sempre um simulacro
do amor.
* Prioridade do que é efémero e positivo sobre o perene
com a marca da eternidade. Se vivemos numa civilização do
provisório, do usa e deita fora, porque não havemos de mudar
as opções fundamentais da nossa vida? Aliás haverá ainda
lugar para opções definitivas?
* A ciência genética fez grandes progressos nos últimos
tempos, permitindo ao homem penetrar no mundo insondável da
vida. Esses progressos podem ser benéficos para os casais,
desde que os critérios científicos não ditem comportamentos
e não se transformem em princípios éticos.
* As leis que se aplicam à família são pragmáticas,
tendem a regularizar situações de facto, raramente assentam
em princípios doutrinais sobre a família. Legaliza-se o
aborto, facilita-se o processo de divórcio, equiparam-se à
família as chamadas "uniões de facto", ferindo a
família na sua dignidade institucional. O universo ético que
protege a família na sua dignidade é cada vez menos
secundado pelas leis, obrigando os cônjuges à coragem de
posições pessoais, generosas e decididas.
Neste contexto a família cristã, na sua fidelidade,
assume a qualidade de denúncia profética, sinal de um mundo
novo, traçando na sociedade um rasto de luz, semente da
esperança.
14. E no entanto estamos convencidos que só a família,
concebida como comunhão de amor e de vida, humaniza a
sociedade. Dela irradia o carácter sagrado da vida, a
dignidade do homem e da mulher, iguais e diferentes. A
fidelidade generosa, no seio da comunidade familiar, é fonte
de generosidade e de honestidade, no seio da sociedade.
Cada pessoa deve muito à força da família a maneira
como se comporta em sociedade. A família é o ponto de
partida para a cidade e o lar onde se regressa, em busca da
força da comunidade. Famílias felizes são semente de uma
sociedade diferente.
Será que a família cristã sofre, hoje, ataques
específicos, ou os dados que referimos são apenas frutos
inevitáveis da evolução da sociedade? Por vezes temos a
sensação de que o ideal cristão de família é alvo de ataques
concretos. Será que querem atingir a Igreja, destruindo a
família? Mas cautela! Quem destruir a família, destrói a
sociedade.
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca
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