Queridos Irmãos e Irmãs
1. O crescimento extraordinário dos meios de comunicação e
a sua aumentada disponibilidade trouxeram oportunidades
excepcionais para o enriquecimento da vida não apenas dos
indivíduos, mas também das famílias. Ao mesmo tempo, hoje
as famílias estão a enfrentar novos desafios, que derivam
das mensagens, diversificadas e muitas vezes
contraditórias, apresentadas pelos mass media. O tema
escolhido para o Dia Mundial das Comunicações - "Os mass
media na família: um risco e uma riqueza" - é um tema
oportuno, dado que convida a uma reflexão sóbria sobre o
uso que as famílias fazem dos meios de comunicação e, em
contrapartida, do modo como os mass media tratam as
famílias e as solicitudes familiares.
O tema deste ano recorda também a todos, tanto aos
comunicadores como aos seus destinatários, que toda a
comunicação tem uma dimensão moral. Como o próprio Senhor
disse, é da abundância do coração que a boca fala (cf. Mt
12, 34-35). As pessoas crescem ou diminuem de estatura
moral, de acordo com as palavras que elas pronunciam e com
as mensagens que preferem ouvir. Consequentemente, a
sabedoria e o discernimento no uso dos mass media são
exigidos de maneira particular da parte dos profissionais
das comunicações, dos pais e dos educadores, uma vez que
as suas decisões influenciam enormemente as crianças e os
jovens, por quem eles são responsáveis e que, em última
análise, são o futuro da sociedade.
2. Graças à expansão sem precedentes do mercado das
comunicações nas últimas décadas, numerosas famílias no
mundo inteiro, mesmo as que dispõem de meios bastante
modestos, agora têm acesso, no seu próprio lar, a recursos
mediáticos imensos e diversificados. Por conseguinte, elas
têm oportunidades virtualmente ilimitadas nos campos da
informação, da educação, da expansão cultural e até mesmo
do crescimento espiritual – oportunidades estas que
excedem em grande medida as que eram disponíveis para a
maioria das famílias no passado recente.
Não obstante, estes mesmos meios de comunicação possuem a
capacidade de causar prejuízos graves às famílias,
apresentando uma visão inadequada e mesmo deformada da
vida, da família, da religião e da moral. Este poder,
tanto para reforçar como para desprezar os valores
tradicionais, como a religião, a cultura e a família, foi
compreendido com clareza pelo Concílio Vaticano II, que
ensinou que, "para o recto uso destes meios, é
absolutamente necessário que todos os que se servem deles
conheçam e ponham em prática, neste campo, as normas da
ordem moral" (Inter mirifica, 4). Os mass media, em
qualquer forma que seja, devem inspirar-se sempre no
critério ético do respeito pela verdade e pela dignidade
da pessoa humana.
3. Estas considerações dizem respeito de forma particular
à abordagem das famílias pelos meios de comunicação. Por
um lado, o matrimónio e a vida familiar são frequentemente
descritos de maneira sensível e realista, mas também com
simpatia, de modo a exaltar virtudes como o amor, a
fidelidade, o perdão e a abnegação generosa em prol dos
outros. Isto é também verdade no que se refere às
apresentações dos mass media que reconhecem os fracassos e
as desilusões, inevitavelmente experimentados pelos
cônjuges e pelas famílias – tensões, conflitos, derrotas,
escolhas negativas e actos prejudiciais – mas, ao mesmo
tempo, fazem um esforço em vista de separar o justo do
injusto, de distinguir o amor verdadeiro das suas
imitações e de mostrar a importância insubstituível da
família como unidade fundamental da sociedade.
Por outro lado, a família e a vida familiar são também,
com muita frequência, descritas de maneira inoportuna
pelos meios de comunicação. A infidelidade, a actividade
sexual fora do matrimónio e a ausência de uma visão moral
e espiritual do vínculo matrimonial são descritas de
maneira não crítica, enquanto às vezes se apresentam de
modo positivo o divórcio, a contracepção, o aborto e a
homossexualidade. Estas visões, promovendo as causas
contrárias ao matrimónio e à família, são prejudiciais
para o bem comum da sociedade.
4. A reflexão conscienciosa sobre a dimensão ética das
comunicações deveria conduzir a iniciativas concretas,
destinadas a eliminar os riscos contra o bem-estar da
família, apresentados pelos mass media, e assegurando que
estes poderosos instrumentos da comunicação permaneçam
como fontes genuínas de enriquecimento. Os próprios
comunicadores, as autoridades públicas e os pais têm uma
responsabilidade especial, a este propósito.
O Papa Paulo VI ressaltava que os comunicadores
profissionais deveriam "conhecer e respeitar as
necessidades da família, e isto pressupõe neles, por
vezes, uma coragem verdadeira e sempre um elevado sentido
de responsabilidade" (Mensagem para o Dia Mundial das
Comunicações de 1969). Não é fácil resistir às pressões
comerciais ou às reivindicações de conformidade com as
ideologias seculares, mas é isto que os comunidades
responsáveis devem fazer. A aposta é grande, dado que cada
ataque contra o valor fundamental da família constitui um
ataque contra o verdadeiro bem da humanidade.
As próprias autoridades públicas têm o sério dever de
promover o matrimónio e a família, para o bem da sociedade
em geral. Contudo, hoje muitas pessoas aceitam e agem
segundo as argumentações libertárias efémeras dos grupos
que defendem práticas que contribuem para o grave fenómeno
da crise da família e para o enfraquecimento do próprio
conceito de família. Sem recorrer à censura, é imperativo
que as autoridades públicas definam políticas de regulação
e procedimentos para garantir que os meios de comunicação
não ajam contra o bem da família. Os representantes da
família deveriam fazer parte deste empreendimento
político.
Os responsáveis pela política nos mass media e no sector
público devem trabalhar também por uma distribuição
equitativa dos recursos comunicativos a níveis nacional e
internacional, enquanto respeitam a integridade das
culturas tradicionais. Os meios de comunicação não
deveriam parecer ter uma agenda hostil aos valores
familiares sólidos das culturas tradicionais, ou a
finalidade de substituir tais valores, como parte de um
processo de globalização, com os valores secularizados da
sociedade consumista.
5. Os pais, como os educadores primários e mais
importantes dos seus filhos, são inclusivamente os
primeiros a dar-lhes um ensinamento acerca dos meios de
comunicação. Eles são chamados a formar os seus filhos no
"uso moderato, crítico, atento e prudente dos mass media"
em casa (Familiaris consortio, 76). Quando os pais
o fazem de modo consistente e positivo, a vida familiar
fica enormemente enriquecida. Até mesmo as crianças muito
jovens podem receber lições importantes sobre os meios de
comunicação: que os mesmos são produzidos por pessoas
ansiosas de transmitir mensagens; que estas são com
frequência mensagens para agir de um modo específico –
para comprar um produto, para assumir um comportamento
ambíguo – que não corresponde aos melhores interesses da
criança, nem está em sintonia com a verdade moral; que as
crianças não deveriam aceitar ou imitar sem crítica aquilo
que encontram nos mass media.
Os pais precisam também de regular o uso dos meios de
comunicação em casa. Isto incluiria um plano e uma
programação do uso dos mass media, limitando estritamente
o tempo que os filhos dedicam aos meios de comunicação,
fazendo da diversão uma experiência familiar, eliminando
de forma total alguns deles e, periodicamente, excluindo
todos eles, em vantagem de outras actividades em família.
Sobretudo, os pais deveriam dar bons exemplos aos filhos,
através de um uso ponderado e selectivo dos mass media.
Eles descobrirão com frequência que é útil reunir-se com
outras famílias para estudar e debater sobre os problemas
e as oportunidades apresentados pelo uso dos meios de
comunicação. As famílias deveriam ser ouvidas, quando
dizem aos produtores, aos publicitários e às autoridades
públicas o que gostam e o que não gostam.
6. Os meios de comunicação social têm uma enorme
potencialidade positiva para promover valores humanos e
familiares sólidos e, desta maneira, contribuir para a
renovação da sociedade. Considerando o seu grande poder de
formar ideias e de influenciar comportamentos, os
comunicadores profissionais deveriam reconhecer que têm
uma responsabilidade moral não apenas para dar às famílias
todo o encorajamento, assistência e apoio possíveis, em
vista desta finalidade, mas também para exercer a
sabedoria, o bom juízo e a justiça na sua apresentação das
questões que dizem respeito à sexualidade, ao matrimónio e
à vida familiar.
Os meios de comunicação são recebidos diariamente como
hóspedes familiares em muitos lares e famílias. Neste Dia
Mundial das Comunicações, encorajo tanto os comunidades
profissionais como as famílias a reconhecer o privilégio e
a responsabilidade singulares que isto comporta. Que todas
as pessoas comprometidas no campo das comunicações
reconheçam que são verdadeiramente "responsáveis e
administradores de um poder espiritual enorme, que
pertence ao património da humanidade e que está destinado
a enriquecer toda a comunidade humana" (Discurso aos
especialistas das comunicações, Los Angeles, 15 de
Setembro de 1987, n. 8). E que as famílias sejam sempre
capazes de encontrar nos mass media uma fonte de ajuda, de
encorajamento e de inspiração, enquanto lutam para viver
como comunidade de vida e de amor, para formar os jovens
nos valores morais sólidos e para fazer progredir uma
cultura de solidariedade, liberdade e paz.
Vaticano, 24 de Janeiro de 2004, Festa de São Francisco de
Sales.
JOÃO PAULO II
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