Parece estar no horizonte a realização
de uma nova consulta aos portugueses, sob a forma de
referendo, sobre a alteração da Lei do aborto.
É uma matéria em que a doutrina católica é claramente
conhecida de todos, quer nos seus conteúdos, quer no seu
carácter perene e imutável.
Creio poder afirmar que, tanto pessoalmente, como o conjunto
do Episcopado, já demos provas suficientes de abertura
dialogante em muitas questões da nossa sociedade. A nossa
firmeza nesta matéria é apenas motivada pela nossa convicção
de que na procriação humana existe uma vida humana desde o
primeiro momento e que interrompê-la violentamente é a
expressão mais grave do respeito que a vida humana merece e
exige de nós.
Esta não é uma questão explicitamente religiosa, pois é da
ordem do direito natural, na medida em que o respeito pela
vida é o principal fundamento da ética. No debate que
antecederá o referendo é importante que todos os que defendem
o carácter inviolável da vida procurem esclarecer os outros.
Não se trata de uma luta política, mas de um debate cultural e
moral, a travar por todos com serenidade e dignidade. Não
desconhecemos o drama do aborto clandestino, embora
gostássemos de o ver tipificado através do estudo já
anunciado, nem ignoramos que a defesa da vida, em todas as
circunstâncias, exige convicção, generosidade e coragem,
compreensão e apoio da sociedade.
Mas, na perspectiva da Igreja, não é questão que possa
resolver-se pela cedência e pela tolerância, mas sim pela
coragem partilhada.
Qualquer lei que permita o aborto cria uma separação entre a
legalidade e a moralidade, pois o aborto voluntariamente
procurado, mesmo que legal, continua a ferir a moralidade
natural e as exigências da consciência.
Esta batalha insere-se numa outra mais vasta: a da educação e
da cultura, bases de uma sociedade harmónica, capaz de
enquadrar as pessoas na sua dignidade e na sua luta pela vida.
Nesta batalha a sociedade poderá sempre contar com o
contributo empenhado da Igreja, que tem na plena realização do
homem o seu principal objectivo. Outros pontos de agenda desta
Assembleia Plenária são disso a concretização. Ponhamos os
nossos trabalhos sob a protecção maternal de Nossa Senhora de
Fátima.
Fátima, 4 de Abril de 2005
† JOSÉ, Cardeal-Patriarca,
Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa
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