As recentes polémicas a respeito da educação sexual
conduzem necessariamente ao debate de uma questão crucial: deve esta
vertente da educação fazer parte do currículo obrigatório, ou aos pais
deve ser dada a possibilidade de recusar um determinado modelo que
considerem não conforme às suas convicções morais e filosóficas?
Princípios básicos a ter em conta na resposta a esta
questão são os que estão consagrados em instrumentos jurídicos de alcance
fundamental. O artigo 26º, nº 3, da Declaração Universal dos Direitos do
Homem confere aos pais o direito preferencial de escolha do tipo de
educação dos seus filhos. O artigo 2º do Protocolo I anexo à Convenção
Europeia dos Direitos do Homem estatui que «o Estado, no exercício das
funções que tem de assumir no campo da educação e do ensino, respeitará o
direito dos pais a assegurar a educação e o ensino consoante as suas
convicções religiosas e filosóficas». Este direito dos pais também é
reconhecido pelo artigo 14º, nº 3, da Carta Europeia dos Direitos
Fundamentais. O artigo 43º, nº 2, da Constituição Portuguesa declara que o
Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer
directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.
E o artigo 67º, nº 2, c), deste mesmo diploma atribui ao Estado a
incumbência de cooperar com os pais na educação dos filhos.
É bom começar por recordar estes princípios. E recordar
também que alguns dos sinais mais caracteristicamente identificadores dos
regimes totalitários (de direita e de esquerda) coincidem precisamente com
as tentativas de “doutrinamento” da juventude através do ensino e de
associações de adesão obrigatória. Essas experiências poderão ter passado
à história, mas, hoje, há que estar alerta quanto a outras tentativas de
“doutrinamento” da juventude, talvez mais discretas e subtis, mas não
menos perigosas na perspectiva dos direitos da família. É que já não é no
âmbito da formação político-ideológica que se situa essa invasão pelo
Estado do domínio próprio da família, mas num âmbito, como é o da
sexualidade humana, que, como muito poucos, se situa num precioso reduto
de intimidade típico da família. Invadir este reduto será levar ainda mais
longe as pretensões totalitárias do Estado.
Dir-se-á que não é nada disto que está em causa, que não
está em causa qualquer “doutrinamento” da juventude. A educação sexual não
poderá ser facultativa, como é a educação moral e religiosa, e deverá ser
obrigatória, como são obrigatórias a biologia e a matemática. Tratar-se-á
da transmissão de conhecimentos objectivos, não da formulação de juízos de
valor. No entanto, esta perspectiva só aparentemente é neutra, envolve ele
própria uma opção doutrinal contestável. Reduz a “educação sexual” à
“instrução sexual”, retirando-a do campo da ética. Se a educação sexual se
equipara à biologia e à matemática, e se distingue da educação moral e
religiosa, é isso mesmo que se pretende, desligá-la do campo da ética,
situá-la num domínio onde são estranhos juízos de “bem” e de “mal”
Também não é neutro situar a educação sexual no campo da
educação para a saúde. O seu objectivo será, então, apenas o de prevenir
doenças sexualmente transmissíveis, ou a gravidez. «Podes fazer o que
quiseres desde que tomes as devidas precauções»; «usa o preservativo e faz
o que quiseres»; «escolhe o “sexo seguro”» - este é um discurso muito
comum. Mas está longe de ser neutro. Também a gravidez, nesta perspectiva,
é muitas vezes encarada quase como uma doença a evitar a todo o custo, ou
um empecilho na busca de um prazer irresponsável, nunca como um
maravilhoso fruto natural (ainda que planeável) de um amor radical,
duradouro e que não se encerra entre duas pessoas. Não há neutralidade
nesta perspectiva
É óbvio que a verdadeira educação sexual não prescinde da
formação para os valores, e não dispensa a formulação de juízos de “bem” e
de “mal”. Na sociedade pluralista em que vivemos não serão unânimes esses
juízos e podem as divergências a esse respeito dar origem a vivas
polémicas como aquela a que temos assistido. São divergências desse tipo
que estão em causa. Não seria de esperar que fosse objecto de tão viva
polémica, ou de petições com tantas assinaturas, o ensino da circulação
sanguínea ou do teorema de Pitágoras...
Não podemos ignorar que se confrontam modelos de educação
sexual porque há juízos de valor diferentes sobre comportamentos sexuais.
Há modelos de educação sexual que apresentam as práticas heterossexuais e
homossexuais como comportamentos por igual eticamente legítimos. Outros
dirão que há que respeitar um desígnio natural que assenta na riqueza e
fecundidade da dualidade sexual. Pode apresentar-se a relação sexual como
expressão de um impulso momentâneo e desligado do projecto de vida futuro
dos parceiros, ou pode apresentar-se essa relação de forma não banalizada,
como expressão de uma doação pessoal (a entrega do corpo não pode
desligar-se da entrega da pessoa) sem reservas, que envolve toda a pessoa,
toda a sua vida e o seu futuro, e deve, por isso, ocorrer no contexto do
casamento. Pode apresentar-se a masturbação como salutar busca
individualista do prazer, ou pode apresentar-se essa prática como
contrária àquele desígnio de comunhão interpessoal que é próprio da
sexualidade humana.
A educação sexual não pode escapar a estas questões e, de
forma mais ou menos explícita, por acção ou por omissão, dá-lhes uma
resposta. As “Linhas Orientadoras” do Ministério da Educação e os manuais
por elas recomendados dão uma resposta a essas questões e não são
certamente neutros a esse respeito. Essa resposta pode estar, ou não, de
acordo com a resposta que é dada pelos pais. Se não estiver, estes
sentir-se-ão compreensivelmente agredidos.
Dir-se-á que o professor não tem que dar respostas, mas
apenas enunciar as várias alternativas, estimular o debate franco, e
permitir que os alunos optem por si. Mas será isso “ajudar a crescer”,
será isso “educar”? Será isso sequer possível em crianças dos primeiros
anos do ensino básico? Valerá esta metodologia para todos os tipos de
comportamentos sexuais, por exemplo, também para a pornografia e a
prostituição? E não estará também subjacente a esta perspectiva uma
filosofia determinada, a do relativismo, que põe no mesmo plano todas as
opções?
Em suma, a educação sexual envolve necessariamente opções
valorativas que não são unânimes nas sociedades pluralistas em que
vivemos. Podem conceber-se vários modelos alternativos (como se verifica
com a educação moral e religiosa) que contemplem as várias opções
presentes na sociedade de hoje. Aos pais deve ser dada a possibilidade de
escolher entre esses vários modelos de acordo com as suas próprias
convicções. Se isso não for possível, é legítimo, à luz dos direitos
humanos nacional e internacionalmente consagrados a que inicialmente me
referi, que recusem modelos que contrariem as suas próprias convicções
morais e filosóficas. O juízo sobre a orientação de determinado modelo
deve ser feito por cada pai ou mãe individualmente. É o critério destes
sobre a pretensa neutralidade, ou não neutralidade, sobre o carácter
inofensivo, ou ofensivo, de determinado modelo, que deve prevalecer. Este
direito não pode ser exercido por uma qualquer associação de pais em nome
deles. Não lhes pode ser negado ainda que sejam minoritários num
determinado grupo, ou ainda que alguém os apelide de
“ultra-conservadores”. |