"Entre os baptizados a aliança matrimonial,
pelo qual o homem e a mulher constituem entre si uma comunhão íntima
de toda a vida, ordenada por sua índole natural ao bem dos cônjuges
e à procriação e educação da prole, foi elevado
por Cristo Nosso Senhor à dignidade de sacramento"
(cân.1055)
O Matrimónio
(cân. 1055 a 1165)
É
necessário reportarmo-nos aos textos do II Concílio do Vaticano, e
em particular à Constituição Pastoral 'Gaudium et Spes' n.º 48,
para compreendermos a novidade da definição de casamento dada pelo
Código.
A Constituição pastoral sobre a Igreja no mundo actual diz,
com efeito: 'A íntima comunidade da vida e do amor conjugal, fundada
pelo Criador e dotada de leis próprias, é instituída por meio do
contrato matrimonial, ou seja com o irrevogável consentimento
pessoal. Deste modo, por meio do acto humano com o qual os cônjuges
mutuamente se dão e recebem um ao outro, nasce uma instituição
também à face da sociedade, confirmada pela lei divina.'
O
matrimónio, pelo qual o homem e a mulher se comprometem a constituir
entre si uma comunidade de toda a vida, está, pela sua própria
natureza, ordenado ao bem dos esposos e à procriação e educação dos
filhos. Para os baptizados, Cristo elevou o matrimónio à dignidade
de sacramento (cân. 1055, § 1). É por isso que, entre baptizados, o
contrato matrimonial não pode existir validamente sem ser, ao mesmo
tempo, sacramento (§ 2).
O matrimónio baseia-se no
consentimento das partes, isto é no acto de vontade pela qual um
homem e uma mulher, que para este efeito são juridicamente capazes,
manifestam que se entregam e se recebem mutuamente através de um
compromisso irrevogável (cân. 1057, § 1 e § 2).
As
propriedades essenciais do matrimónio são a unidade e a
indissolubilidade que, em razão do sacramento, adquirem uma firmeza
particular no matrimónio cristão (cân. 1056). O matrimónio dos
católicos, mesmo que só uma das partes seja católica, rege-se pelo
direito canónico; o poder civil é competente apenas no que se refere
aos efeitos puramente civis do matrimónio (cân. 1059).
Todos aqueles
que não estão proibidos pelo direito podem contrair matrimónio (cân.
1058).
O matrimónio diz-se 'ratum' (rato) quando teve lugar
validamente entre dois baptizados. Diz-se 'consummatum' (consumado)
após o acto conjugal 'realizado de modo humano', especifica o Código
no cânon 1061, § 1, ou seja, num "acto conjugal de si apto para a geração da
prole, ao qual, por sua natureza, se ordena o matrimónio e com o
qual os cônjuges se tornam uma só carne'. O matrimónio presume-se
consumado, salvo prova em contrário, desde que tenha havido
coabitação (cân. 1061, § 1 e § 2).
Um matrimónio inválido diz-se
putativo se tiver sido celebrado de boa fé ao menos por parte de um
dos cônjuges, até que ambas as partes venham a certificar-se da sua
nulidade (cân. 1061, § 3). O direito considera como legítimos os
filhos nascidos de um tal matrimónio (cân. 1137).
I.
IMPEDIMENTOS QUE INVALIDAM O MATRIMÓNIO
Quais são os
impedimentos? Existem doze. O impedimento derimente torna a pessoa
inábil para contrair validamente o matrimónio
1. A idade: o
matrimónio não é válido se o homem não tiver 16 anos cumpridos
e a mulher 14. As Conferências episcopais podem estabelecer uma idade
mais avançada (cân. 1083); os pastores de almas devem tentar impedir
o matrimónio de jovens antes da idade habitualmente aceite na região
(cân. 1072). A Conferência Episcopal Portuguesa fixou a idade dos 16
anos tanto para o homem como para a mulher. Trata-se de um
impedimento de direito humano. Daí que haja lugar para a sua
dispensa.
2. A impotência para realizar o acto conjugal (e
não a esterilidade), se ela for antecedente e perpétua. Em caso de
dúvida, não se pode impedir o matrimónio (cân. 1084). A impotência é
a incapacidade para realizar o acto conjugal, isto é a incapacidade
de realizar a cópula com todos os seus elementos essenciais, tal
como estão configurados pela natureza. É elemento essencial da
cópula que se dê , de maneira suficientemente completa, o acto de
transmissão que, de per si, está ordenado à fecundação; isto é, que
faz parte do processo natural generativo. A potência sexual, como
capacidade jurídica, é reconduzida à capacidade de transmitir o
líquido seminal, independentemente da sua composição, normal ou
defeituosa. Tem de haver ejaculação. A impotência, assim entendida, invalida
quando é antecedente ao casamento, perpétua (incurável por meios
ordinários, lícitos e não perigosos para a vida ou prejudiciais para
a saúde) e certa. A esterilidade afecta não o acto sexual mas a
gestação da prole. Por isso não constitui impedimento a não ser que
a fecundação tenha sido posta como condição no consentimento
matrimonial.
3. O vínculo de um matrimónio anterior, mesmo
não consumado (cân. 1085). Este impedimento existe igualmente quando
se trata de não católicos que tenham contraído matrimónio civil
entre si. Mesmo que se tenham divorciado, a sua união é, até prova
em contrário, considerada válida, e nenhum deles pode contrair
validamente matrimónio perante a Igreja católica. Este impedimento
não pode cessar logicamente por dispensa. Cessa pela morte de um dos
cônjuges ou por algumas das formas de dissolução previstas na
legislação canónica.
4. A disparidade de culto. Este termo
não se encontra no Código, quer dizer que é nulo o matrimónio entre
duas pessoas das quais uma não é baptizada e a outra foi baptizada
na Igreja católica ou nela recebida e não a tenha formalmente
abandonado (cân. 1086). Como o não baptizado continua a ter um
direito fundamental a contrair matrimónio, há a possibilidade de
dispensa, se se cumprem determinadas condições.
5. A Ordem
sagrada (cân. 1087), após a recepção do diaconado. Este impedimento
aplica-se também ao diácono permanente que tenha enviuvado. A
dispensa está reservada à Santa Sé.
6. Os votos religiosos,
quando se trata de voto público e perpétuo de castidade num
instituto religioso (cân. 1088). A dispensa está reservada à Santa
Sé.
7. O rapto: nenhum matrimónio pode existir entre o homem
que rapta e a mulher raptada ou apenas detida, até que, libertada,
ela consinta espontaneamente nessa união (cân. 1089). Deve tratar-se
de um varão raptor e de uma mulher raptada, e não a situação
inversa. A acção pode consistir tanto na condução ou transferência
da mulher, contra a sua vontade, para outro lugar, como na retenção
violenta no lugar em que já se achava. Tem de existir a intenção de
contrair matrimónio. Cessa o impedimento pela separação da mulher do
seu raptor e pela constituição da mulher em lugar seguro.
8.
O conjugicídio ou assassínio do cônjuge incómodo, perpetrado por
um só ou por entendimento dos dois futuros cônjuges (cân. 1090).
9. A consanguinidade ou parentesco natural, torna nulo
qualquer matrimónio em linha recta e, na linha colateral, até ao 4.º
grau, o que, na nova maneira de contar os graus de parentesco, se
aplica aos primos-irmãos ou ao caso menos provável de um casamento
entre tio-avô e sobrinha-neta (tia-avó e sobrinho-neto) (cân.
1091). É sempre impedimento na linha recta (pais, filhos, netos,
bisnetos...); na linha colateral, até ao quarto grau inclusivé
(primos direitos): existe sempre impedimento entre irmãos (2º grau),
entre tios e sobrinhos (3º grau), entre primos direitos (4º grau). A
dispensa compete ao Ordinário, mas não se dispensa nunca na linha
recta nem em segundo grau da linha colateral (irmãos).
10. A
afinidade ou parentesco por aliança torna nulo o matrimónio em
todos os graus da linha recta (cân. 1092). Só é impedimento na linha
recta. Na colateral até pode ser aceite pois «com muita frequência
o casamento entre afins é a melhor solução para a prole que
porventura se tenha tido no primeiro casamento». A dispensa compete
ao Ordinário.
11. A honestidade pública, que nasce de um
matrimónio inválido após instauração da vida comum ou de um
concubinato público ou notório, torna nulo o matrimónio no 1.º grau
da linha recta entre o homem e as consanguíneas da mulher: sua mãe
ou sua filha e vice-versa (cân. 1093). Pode ser dispensada pelo
Ordinário, tendo em conta o cân.1091§4. Nunca se permite o
matrimónio, enquanto subsistir dúvida sobre se as partes são consanguíneas em algum grau da linha recta ou em segundo grau da
linha colateral.
12. O parentesco legal originado pela
adopção torna nulo o matrimónio em linha recta (por exemplo,
adoptando e adoptada) ou no segundo grau da linha colateral (por
exemplo, entre filhos adoptados ou filho legítimo com filho
adoptado).
II. CAUSAS PELA QUAL UM MATRIMÓNIO PODE SER
NULO
Visto que o matrimónio assenta no consentimento das
partes, são incapazes de contrair matrimónio:
1. Aqueles que
não gozam de suficiente uso da razão. Ou seja, aqueles que, afectados por
uma doença mental, estão privados, no momento de prestar o
consentimento matrimonial, do uso expedito das suas faculdades intelectivas e volitivas imprescindíveis para emitir um acto humano.
Consideram-se também neste caso aqueles que, no momento de
consentir, sofrem de uma tal perturbação psíquica (estados tóxicos,
drogados, alcoólicos, sonambulismo, hipnose) que, quer constitua
doença mental ou não, em qualquer caso provoca neles uma falta de
posse de si e do uso das suas faculdades intelectivas e volitivas,
equiparável em direito à falta de suficiente uso da razão.
2.
Aqueles que sofrem de grave falta de discernimento para apreciarem
os direitos e os deveres essenciais do matrimónio, que os cônjuges
devem dar e receber mutuamente. Refere-se ao grau de maturidade
pessoal que permite ao contraente discernir para se comprometer
acerca dos direitos e deveres fundamentais do matrimónio. O decisivo
não é tanto a doença ou transtorno psíquico, que gerou o defeito
grave, quanto o facto de o ter produzido efectivamente.
3. Aqueles que, por motivos de natureza psíquica, não podem assumir as
obrigações essenciais do matrimónio (cân. 1095). Carece da posse ou
domínio de si necessários para encarregar-se e responder das
obrigações matrimoniais essenciais.
A validade do
consentimento matrimonial pode ser afectada:
1. Pela
ignorância que incide sobre a própria natureza do matrimónio,
sociedade permanente entre o homem e a mulher, com vista à
procriação de filhos por uma cooperação carnal. Esta ignorância não
se presume depois da puberdade (cân. 1096);
2. Pelo erro, quer
acerca da pessoa (quando o contraente, querendo casar-se com uma
pessoa certa e determinada, se casa por erro com outra distinta)
quer acerca de uma qualidade da pessoa que tenha sido directa e
principalmente pretendida (cân. 1097). Se o objecto do erro padecido
por um contraente são qualidades que julga que adornam o outro,
ainda que a falsa apreciação das mesmas tivesse sido a razão que
motivou o seu propósito de contrair, o matrimónio é válido. O erro
acerca duma qualidade invalida o matrimónio quando tal qualidade,
falsamente avaliada, tenha sido directa e principalmente pretendida.
O determinante desta figura não é a importância objectiva da
qualidade, mas que tenha sido directa e principalmente pretendida.
Exemplo: Queria casar, na presunção de que o meu marido é
arquitecto... mas não é... Isso não invalida. Só invalida se essa
qualidade fosse directa e principalmente pretendida.
3. Pelo
dolo ou engano, perpetrados para obter o consentimento e incidindo
sobre uma qualidade que pela sua natureza comprometa gravemente a
comunidade de vida conjugal (cân. 1098). Por exemplo, a
esterilidade, que foi ocultada propositadamente, ainda que essa
qualidade não fosse pretendida directa e principalmente.
4. Pela exclusão voluntária de um elemento essencial ou de uma
propriedade essencial do matrimónio, por exemplo a exclusão da
fidelidade, unidade ou da indissolubilidade (mas não o simples erro
que não determinasse a vontade) e a exclusão da prole (quando se
exclui para sempre). Se esta exclusão da prole afecta os actos de si
aptos à gestação, ainda que esta exclusão seja por algum tempo,
invalida, pois este direito deve ser perpétuo e exclusivo.
5. Por
uma condição aposta ao consentimento (cân. 1102); não se pode
contrair validamente matrimónio sob condição de um facto futuro.
Pode haver condições quanto ao passado e presente. Esta condição não
se pode apôr licitamente a não ser com licença do Ordinário do
lugar, dada por escrito. O matrimónio é válido ou nulo segundo se
verifique ou não a existência ou não do facto ou acontecimento que é
objecto da condição.
6. Pela violência ou medo que impõem o
matrimónio (cân. 1103).
O consentimento deve ser expresso
oralmente pelos esposos, ou por sinais equivalentes, se eles não
puderem falar (cân. 1104, § 2). Há casos em que o consentimento pode
ser dado por procuração ou por meio de um intérprete (cân. 1105 e
1106).
Em todos os casos, o consentimento interno da alma
presume-se conforme com as palavras ou sinais empregados na
celebração do matrimónio (cân. 1101, § 1), e presume-se que o
consentimento dado persevera até prova da sua revogação, mesmo se o
matrimónio for inválido devido a um impedimento ou defeito de forma
(cân. 1107).
Bibliografia:
El Matrimonio en el
derecho de la Iglesia. Lo que debem saber los contrayentes, in
CONFERENCIA EPISCOPAL ESPAÑOLA, Preparación al matrimonio cristiano,
Madrid, 2001, 124-140.
ROGER PALAU, Guia Prático do Novo
Código de Direito Canónio, Gráfica de Coimbra, 1984,
138-159.
UNIVERSIDADE DE NAVARRA. INSTITUTO MARTIN DE
AZPILCUETA, Código de Direito Canónico anotado, Ed. Theologica,
Braga 1984. |