PORQUE TAMBÉM ISTO É SER - Ser cidadão do mundo quase em sair de casa - Antonino Silva

Em 2004, por razões profissionais, tive de participar numa conferência na Universidade Livre de Berlim, uma cidade já então unificada, com quase 3 milhões de habitantes. Na altura, a unificação era essencialmente emocional, porque se notava claramente a diferença arquitetónica urbana de uma e outra parte. Mas, como ia dizendo, durante os trabalhos que decorriam, em ritmo intensivo, encontrava sempre uns momentos de fim de tarde que me permitissem conhecer um pouco a cidade, aproveitando o facto de saber que tão cedo não voltaria a pisar as suas ruas.
Num desses passeios, quando saía de uma das estações do U-Ban, o metro, ouço alguém gritar “Antonino! Antonino, de Coimbra!”. A evocação do meu nome em alta voz numa cidade enorme fez-se saltar para uma dimensão ilógica. Não poderia ser! E afinal era: uma ex-aluna do programa Erasmus, que frequentara cinco anos antes a Universidade de Coimbra, acabava de se cruzar comigo.
Relembrando esta história, penso hoje como sou um felizardo por trabalhar na área da Língua Portuguesa. Todos os anos acolho e ensino sensivelmente 250 alunos estrangeiros, dos programas de mobilidade da UC, alunos que nos procuram porque querem aprender a língua e a cultura do país que os acolhe; alunos que querem ser mais Homens (António Vieira dizia que por cada língua que falamos somos outro Homem, porque o Homem é quantas línguas fala), que querem conhecer o outro, ter sonhos em português.
Desde que me iniciei nestas lides há 20 anos, conheci mais de cinco mil alunos e recordo muitos dos seus nomes, histórias e peripécias. Recordo o Alessio, de Pisa, que vestia traje académico e quis sofrer a praxe como se caloiro fosse, o mesmo Alessio que levou para a aula uma palavra da nossa língua com 4 hífens, encontrada num acórdão do Tribunal de Coimbra: «Se houvesse pena maior, dar-se-vo-la-ia»; recordo o Torsten, o alemão mais latino que vi até hoje: alemão só na altura, porque, de resto, era moreno, de olhos pretos, detestava cerveja, adorava vinho e namorava (casou) com a Francesca, uma italiana de Milão. Recordo o Bernardo Gutiérrez, hoje editor do El Pais na América Latina; recordo o Marcos, hoje músico conhecido em Espanha; recordo tantos, porque todos deixaram em mim um traço indelével, o traço das boas memórias. Alguns voltam periodicamente a Coimbra (na altura da Queima), com mulheres, maridos e filhos e juntamo-nos em cavaqueira saudosista.
São eles que me fazem sentir cidadão do mundo sem quase sair de casa. Costumo dizer que devo ser dos portugueses que mais estrangeiros conhece e com ‘conhecer’ quero dizer isso mesmo: saber-lhes o ser, o rosto e o nome.

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