Missa da Ceia do Senhor 2022 - Homilia de Dom Virgílio

MISSA DA CEIA DO SENHOR 2022

Caríssimos irmãos e irmãs!

Nesta noite fazemos memória da última ceia de Jesus com os seus discípulos, antes de passar deste mundo para o Pai, antes do seu êxodo segundo a linguagem bíblica. Tal como decorre do Evangelho de S. João, Ele quis manifestar por meio de um grande sinal, que os amava até ao fim, ou seja, até ao último momento da sua presença no meio deles e com toda a intensidade, como mais ninguém podia amá-los.

O gesto do lava-pés, inserido no decorrer de uma ceia antes da Páscoa é o sinal revelador da decisão tomada por Jesus de se entregar à morte. O que os discípulos tinham visto e ouvido até ali já apontava para o sentido total da vida de Jesus, mas precisavam daquele momento decisivo, mesmo que não plenamente esclarecedor para Pedro e para os outros.

O gesto do lava-pés, mais do que um gesto ritual de caráter social ou higiénico, simboliza a sua entrega à morte por amor, que se está a aproximar e O levará à sua glória. Vencido o demónio, que metera no coração de Judas a ideia de O entregar, Jesus, que saíra de Deus, prepara-se para voltar para Deus.

O diálogo entre Pedro e Jesus parte de um equívoco: Pedro pensa no lavar dos pés como um gesto social e religioso comum entre o seu povo; Jesus realiza-o como um gesto que simboliza a sua entrega à morte e a sua vontade de salvar aqueles discípulos e amigos, que estão ali presentes e os que virão depois. Pedro, que ama Jesus, acaba por aceitar que Jesus lhe lave os pés ou o corpo todo, quando entende que essa é a condição para tomar parte na vida de Jesus de quem não quer de modo algum apartar-se.

O gesto de Jesus e o diálogo com Pedro pretendem ainda demonstrar que tipo de relação já os une: são mestre e discípulo, Senhor e amigo, numa relação de unidade e comunhão que não é possível entre duas pessoas iguais entre si. Ali se desenha o tipo de relação que os discípulos hão de manter uns com os outros quando Jesus passar deste mundo para o Pai. Ali se anuncia o modelo do que há de ser a relação entre os irmãos dentro da comunidade cristã fundada por Jesus, a relação entre os discípulos e membros da Igreja.

No fundo, Pedro precisa de acompanhar Jesus na sua morte, para poder entrar com Ele na sua glória. No entanto, o significado pleno daquele momento há de compreendê-lo mais tarde, quando juntamente com a comunidade dos discípulos receber o dom do Espírito Santo e a fé pascal lho vier a revelar. Nessa altura compreenderá o significado das palavras de Jesus que declara ser Senhor e Mestre, a nova relação que há de ter com Ele quando estiver na sua glória e a relação típica daqueles que serão, de facto, irmãos e irmãs na mesma fé e na mesma Igreja.

As últimas palavras do texto de João são um convite aos discípulos para que realizem o mesmo gesto simbólico de lavar os pés uns aos outros, e mantenham a mesma atitude de oferta da sua vida em favor dos irmãos: “também vós deveis lavar os pés uns aos outros”.

Torna-se claro que a morte de Jesus ali simbolicamente anunciada manifesta a sua atitude de serviço aos discípulos e a toda a humanidade. Torna-se claro pelo convite à sua imitação, que essa é a atitude que se espera dos verdadeiros discípulos em relação aos seus irmãos, sintetizada nas expressões: amá-los até ao fim, dar a vida por eles, servi-los sem reservas.

No fundo, Jesus pede aos seus discípulos que façam em sua memória o que Ele mesmo fez e que é o distintivo da sua vida. A regra de vida dos cristãos funda-se na regra de vida de Jesus e nasce d’Ele, de acordo com o testemunho e com o mandato que nos deixou: “dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu fiz, vós façais também”.

Nesta noite, fazemos também memória da morte e ressurreição de Jesus consumadas em Jerusalém e que constituem o sacramento da nossa salvação.

Uma vez que o Evangelho de S. João não nos oferece a narração da instituição da Eucaristia, lemos o texto da Primeira Epístola aos Coríntios, considerado o relato mais antigo da Ceia do Senhor. Jesus tomou o Pão... e disse: «Isto é o Meu Corpo entregue por vós»”; depois tomou o cálice e disse: «Este cálice é a nova aliança no Meu Sangue». E acrescentou: «fazei isto em memória de Mim».

Em resposta a esse mandato continuamos a tomar o Pão e o Cálice do Senhor na celebração da Eucaristia e a anunciar a morte do Senhor, até que Ele venha. Continuamos a fazer memória da oferta da sua vida ao Pai, por nosso amor e até ao fim.

Esta memória ritual e sacramental encontra-se em perfeita ligação e harmonia com a memória existencial simbolizada no lava-pés narrado no Evangelho de S. João. Na teologia e na espiritualidade da Igreja as duas memórias são indissociáveis e não podem andar separadas na vida dos discípulos de Jesus, na vida dos cristãos. Elas correspondem aos dois mandatos de Jesus: como Eu vos fiz, fazei-o vós também – segundo a narração do lava-pés – fazei isto em memória de Mim – na narração da instituição da Eucaristia.

A vida dos cristãos é sempre participação no único amor de Jesus Cristo, que se oferece por nós. Celebramo-lo e atualizamo-lo no sacramento da Eucaristia, que realizamos em sua memória; celebramo-lo e atualizamo-lo nas expressões quotidianas de amor aos homens e mulheres nossos irmãos, que também perpetuam a sua memória.

Nesta missa da Ceia do Senhor renovamos a nossa certeza de que nada há mais contrário à Eucaristia do que a nossa falta de amor, porque ela desfigura o mistério da oferta de Cristo ao Pai por todos nós, que nos revela o que é e como é o amor divino.

O Senhor dirige-nos hoje dois apelos muito concretos que brotam do mistério que estamos a viver e da Palavra de Deus que escutámos.

O primeiro vai no sentido de crescermos no amor à Eucaristia, mistério em que acreditamos, que celebramos e que vivemos. Esse amor exprime-se na fé na presença real de Cristo, no cuidado que pomos na participação na missa dominical, nos momentos de adoração ao Santíssimo Sacramento, na pureza de coração que procuramos sempre que acedemos à sagrada comunhão, no sentido da centralidade desse mistério pra a totalidade da nossa vida cristã.

Como diziam os antigos padres, não podemos viver sem a Eucaristia, porque ela é Sacramento da presença de Cristo na sua Igreja, como consolação, perdão, esperança, amor e oferta de salvação. Quando ficamos mais débeis no acolhimento do mistério da Eucaristia, começamos a ficar mais débeis na fé e no sentido de comunhão com a Igreja, Corpo Místico de Cristo.

Agora, que passaram os piores tempos da pandemia e das limitações impostas pela necessidade de cuidarmos da saúde uns dos outros, voltemos à assembleia dominical em força, sem faltas e sem procurar subterfúgios ou desculpas para a ausência. Regressemos à casa de Deus, à casa da Igreja, à casa dos irmãos e casa da Eucaristia, mas com amor e com fé no Senhor, que nos acolhe como irmãos e como amigos para tomarmos parte na sua paixão e na sua glória.

O segundo apelo vai no sentido do serviço aos irmãos, com a humildade que aprendemos de Jesus no lava-pés e na Última Ceia.

Temos, hoje, entre nós, representantes de instituições que assumem este serviço de caridade com os irmãos, sinal da caridade de Deus, e, por isso, verdadeiramente eucarístico. Não basta que a Igreja ou as instituições tenham esta vontade ou este ideal: é preciso que cada um de nós, que conhece Jesus, tome a água da purificação, use a toalha da caridade, abra as mãos da consolação, dobre os joelhos do serviço.

Esta é a atitude de vida que aprendemos de Jesus, o servo da humanidade, diante de tantas pessoas que encontrou à espera de uma palavra ou de um gesto do coração. Uma vida cristã eucarística encontra a sua maior autenticidade na prática da caridade material e espiritual.

Todos nós que nesta noite acreditamos, celebramos e vivemos a Eucaristia, sairemos daqui com um coração mais disponível para amar e servir os nossos irmãos por quem Jesus continua a oferecer-se.

Coimbra, 14 de abril de 2022
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra


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