Solenidade do Sagrado Coração de Jesus - Homilia do Bispo de Coimbra na Assembleia Diocesana do Clero

SOLENIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS 2018

ASSEMBLEIA DIOCESANA DO CLERO

PAMPILHOSA DA SERRA

 

Caríssimos irmãos!

A Solenidade do Sagrado Coração de Jesus constitui um verdadeiro programa de vida para todo o cristão porque traz de novo à nossa meditação as fundamentais atitudes de Jesus, o Mestre que queremos seguir. Mais ainda, é um programa de vida para todo o ministro ordenado, para aquele que, pelo sacramento da Ordem, se deve configurar de forma mais visível e radical com o sacerdote e profeta de Deus, com Aquele que em todos os momentos da sua vida pública e de modo especial na paixão e na morte segue a vontade do Pai.

O programa de Jesus é o programa do coração, porque é o programa do amor de Deus, muito mais do que o da letra da Lei. Animado pelo Espírito Santo, o coração de Jesus revela como é o Deus em quem acreditamos e que temos a missão de dar a conhecer à humanidade, como  o Deus Amor.

Nas presentes circunstâncias em que nos encontramos, não temos outra via de progresso na fé e de evangelização do mundo, senão a via do coração, como bem intuíram os grandes santos da atualidade e como nos indica, de forma tão eloquente, o ensino do Papa Francisco.

O caminho do ministério que recebemos tem de ser o caminho da conversão do coração ao amor de Deus, que nos impele a proclamá-lo com palavras e com obras, ou seja, com um estilo de vida verdadeiramente cristão, no sentido de incarnação do estilo de vida de Jesus, crítico da escravizadora e fria letra da Lei, mas defensor da força da Lei do amor, que liberta pelo poder do Espírito.

 

As metáforas bíblicas do coração e das entranhas, presentes na linguagem desta Solenidade, ajudam-nos a interiorizar os caminhos da conversão a que somos chamados.

A Profecia de Oseias oferecia-nos a imagem das entranhas, sede dos sentimentos mais nobres e puros, sede da misericórdia, enquanto comoção de Deus, que ama com amor eterno e divino todos e cada um dos seus filhos, a totalidade do seu povo. Fala-nos, por outro lado, do coração, que estremece de compaixão, pois conhece a situação de cada pessoa e de todo o povo, perdidos nas teias da morte no meio de um deserto hostil, vazio, sem água nem alimento que possa sustentar a vida.

A voz de Deus que, do Egito chama o seu filho, ilustra bem o Deus que conhece o que se passa com o seu povo, que se comove com misericórdia, que estremece de compaixão e que toma a única decisão divina: “não cederei ao ardor da  minha ira, nem voltarei a destruir Efraim, porque Eu sou Deus e não homem”. O seu povo nunca se teria posto a caminho para O seguir, se não tivesse tido a possibilidade de O conhecer com o coração e de se deixar comover com Ele nas suas entranhas.

A nós, é-nos oferecida uma possibilidade de conversão que vai muito para além de uma formalidade, de uma convenção, de um conjunto de ideias religiosas ou morais, de uma identidade cultural ou de qualquer outra ideia que defendamos. A conversão autêntica leva-nos à comunhão com Deus, a ponto de podermos chegar a um conhecimento transformador de tudo o que somos - a metáfora do coração -, a ponto de nos comovermos com a sua misericórdia – a metáfora das entranhas.

Não raro empenhamo-nos seriamente na mudança de comportamentos, de atitudes externas, no desejo de nos adequarmos às normas, aos métodos de trabalho, às estruturas organizativas... e empenhamo-nos menos seriamente na mudança do coração e das entranhas. Podemos tornar-nos perfeccionistas, impecáveis na ação, cumpridores exemplares de todas as obrigações, e, porventura, sem um coração capaz de conhecer a verdadeira identidade de Deus ou sem umas entranhas capazes de se comoverem com o seu amor, indelevelmente inscrito na nossa alma.

 

A dramática cena do Evangelho que escutámos, segundo a qual o soldado,  vendo Jesus já morto, lhe trespassou o lado com uma lança e logo saiu sangue e água, revela-nos como é sublime o amor misericordioso de Deus, que dá tudo o que é e o que tem de mais precioso, o seu corpo e o que o constitui, o sangue e a água.

Segundo a tradição da Igreja, do lado aberto de Jesus nasce a Igreja, que continua a conduzir a humanidade às fontes da salvação, a Jesus Cristo, o salvador do mundo.

Esta cena oferece-nos, por isso, a outra dimensão da conversão do coração e das entranhas, a conversão à Igreja, enquanto Corpo vivo de Cristo, que nos oferece constantemente a torrente que nos vivifica e nos conduz ao mistério da comunhão com Ele. Neste sentido, conversão à Igreja é muito mais do que uma questão funcional, não tem simplesmente como objetivo o bom funcionamento de uma instituição; não é uma estratégia adequada para obter sucesso pessoal ou comunitário. A conversão à Igreja é adesão a um mistério de comunhão de Deus connosco, de comunhão de todos nós com Deus e de comunhão entre nós, o seu povo amado.

Caríssimos irmãos, a conversão à Igreja há de levar-nos à identificação com ela enquanto Corpo de Cristo, a sentir com ela, a amar com ela, a estremecer de amor e de misericórdia com ela por todos e cada um dos seus filhos, a dar a vida por ela, à imagem de Jesus, de cujo lado trespassado por uma lança, saiu sangue e água.

 

Serão muitas as consequências que havemos de retirar para a nossa caminhada de cristãos e de ministros ordenados: ao nível do que somos, do que fazemos e das motivações que nos animam.

Como proposta, sugiro apenas algumas linhas de inspiração para nossa meditação, que poderemos aceitar com humildade, tendo em conta o desejo ardente que nos foi dado, em ordem a progredirmos espiritualmente, pastoralmente e eclesialmente.

Que oração fazemos e como a fazemos quando nos recolhemos na meditação e contemplação da Palavra de Deus?

Como celebramos a liturgia e que convicções temos sempre que nos aproximamos da assembleia reunida para a Eucaristia ou para os outros sacramentos?

Que motivações temos diante da missão de evangelizar ou quando propomos a catequese às crianças, aos jovens ou aos adultos?

O que entendemos por comunidade cristã, quando programamos ações orientadas para a sua edificação e crescimento?

O que queremos dizer quando falamos de unidade na fé, na esperança e no amor, ou quando nos referimos à comunhão como distintivo fundamental da nossa condição de membros de Cristo?

Que presbitério estamos dispostos a edificar e que tipo de laços estamos a construir na relação uns com os outros e com os demais membros do Povo de Deus?

Como entendemos os desafios presentes no Plano Pastoral Diocesano, que nos orienta para o dinamismo da sinodalidade, para a promoção da corresponsabilidade de todos, para a unidade e comunhão na fé e na ação pastoral?

Que lugar e que sentido damos aos objetivos delineados no Plano Pastoral: a espiritualidade, a evangelização, a organização?

 

Caríssimos irmãos! Embora datada, a expressão Sagrado Coração de Jesus ajuda-nos a intuir um programa para o futuro dos cristãos e da Igreja, um programa de vida para cada um de nós leigos, consagrados ou ministros ordenados: bispo, presbíteros e diáconos.

Deixo, como conclusão, duas expressões de outros tantos teólogos Conciliares, Rahner e Ratzinger, que nos apontam para caminhos proféticos a percorrer, respetivamente:“o cristão do futuro ou será místico ou não será cristão”; e ainda: a Igreja do futuro “será uma Igreja mais espiritual”.

Que a contemplação do Sagrado Coração de Jesus nos ajude a progredir neste caminho de conversão à fé em Cristo, pois nela, como ouvimos na Carta aos Efésios, “podemos aproximar-nos de Deus com toda a confiança”.

Coimbra, 08 de junho de 2018
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra

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