Por uma Igreja Sinodal: Igreja, corpo de Cristo com muitos membros - Catequese de Dom Virgílio (3 de Abril)

CATEQUESES QUARESMAIS DO BISPO DE COIMBRA
IGREJA DE SANTA CRUZ DE COIMBRA

 

IV. POR UMA IGREJA SINODAL: IGREJA, CORPO DE CRISTO COM MUITOS MEMBROS

  1. A sinodalidade e a renovação da Igreja

O movimento de renovação da Igreja tem dado muitos passos, mas continua longe de alcançar os seus objetivos. A reflexão teológica e o processo de voltar às fontes da revelação e da tradição, tal como desejados pelo Concílio Vaticano II, fizeram grande caminho, mas a passagem à realidade sentida e vivida pelas comunidades cristãs obteve resultados mais modestos.

Progredimos na tomada de consciência da dimensão sobrenatural da Igreja, na descoberta da Igreja como mistério em íntima relação com a Santíssima Trindade, no conhecimento do Espírito Santo como alma da Igreja, na consideração da Igreja como Povo de Deus enriquecido por carismas e ministérios, no entendimento da Igreja presente no mundo como pequeno rebanho, como sal, fermento e luz e ao serviço da missão evangelizadora.

O aspeto mais visível dos caminhos de renovação da Igreja a partir do séc. XX tem a ver com o lugar dos leigos na sua vida e ação, tanto no que respeita à edificação interna como no que se refere ao seu lugar e testemunho no mundo. A consciência de que a Igreja nem é clerical nem laical, mas Povo de Deus em comunhão, tem feito caminho, mas ainda não conseguimos encontrar a verdadeira harmonia na relação entre todos os membros, de modo que não se sintam concorrentes, mas cooperadores de Cristo na realização da mesma vocação e missão.

Falta-nos sobretudo chegar a uma compreensão adequada do lugar e da responsabilidade de todos os membros no processo de elaborar e tomar as decisões importantes para a vida da Igreja situada nos diversos lugares e tempos em que se incarna. Temos dificuldade de mudar de categorias mundanas de pensamento para categorias teológicas e espirituais, ou seja, de passar da expressão “quem manda na Igreja” à realidade “que tipo de serviço é pedido a cada um na Igreja, de acordo com o dom que recebeu”.

Já nos sentimos uma comunidade com muitos membros ativos e chamados a trabalhar na edificação da comunidade cristã e a dar testemunho no meio do mundo, mas temos ainda dificuldade de nos organizarmos no sentido da verdadeira corresponsabilidade eclesial, que há de chegar até ao assumir das decisões mais relevantes para a vida da Igreja.

A sinodalidade leva-nos a renovar a Igreja por meio da participação ativa dos seus membros, como refere o Documento Preparatório da Comissão Teológica Internacional: “a sinodalidade significa que toda a Igreja é sujeito tal como todos na Igreja são sujeitos. Os fiéis são synodoi, companheiros de caminho, chamados a ser sujeitos ativos enquanto participantes do único sacerdócio de Cristo e destinatários dos diversos carismas que o Espírito Santo distribui em vista do bem comum” (nº 55).

O caminho em ordem a uma Igreja sinodal que estamos a realizar pela primeira vez com esta amplitude constitui um passo importante para que compreendamos e ponhamos em prática nas diversas instâncias eclesiais o que significa a corresponsabilidade de todos os membros do Povo de Deus, do Corpo de Cristo ou da comunidade dos crentes. Refletirmos juntos sobre a sinodalidade como modo de ser da Igreja é fundamental para o aprofundamento teológico e espiritual da sua identidade, mas também para passarmos à ação de modo diferente, o que requer muita coragem, muita disponibilidade para a conversão pastoral e muito respeito pela igual dignidade de todos os cristãos.

  1. Igreja: muitos membros, um só corpo em Cristo

A Primeira Carta aos Coríntios, no capítulo 12, oferece-nos a visão teológica de Paulo acerca da Igreja, que nos leva a fundamentar devidamente o modo de participação responsável de cada cristão e de todos os cristãos na vida da comunidade cristã a que pertencem pela ação do Espírito Santo e pela força da Eucaristia.

Paulo apresenta em primeiro lugar a realidade comum a todos os cristãos que, iluminados pelo Espírito Santo, podem proclamar “Jesus é o Senhor” (1 Cor 12, 3). O mesmo é dizer, ninguém pode professar a fé no Ressuscitado por sua própria iniciativa ou pelas suas próprias capacidades humanas, pois ela é um dom de Deus ao qual se acede e responde pela força do Espírito.

Se alguém professa que Jesus é o Senhor ou se alguém vive na esperança e na caridade, como se dirá no Hino à Caridade do Capítulo 13, é porque foi agraciado com os dons comuns a todo o povo de batizados no Espírito e participa da riqueza oferecida pela generosidade de Deus. Trata-se de afirmar que Deus dá a todos os fiéis os dons necessários para crescerem na vida cristã, para chamarem a Deus seu Pai, para reconhecerem Jesus como o Senhor, para viverem na fé, na esperança e no amor.

Depois de afirmar que é o Espírito quem concede a possibilidade de alguém confessar a fé em Cristo, Paulo passa à afirmação seguinte: o mesmo Espírito distribui os seus carismas de acordo com a largueza do seu amor divino, assegura a diversidade dos serviços sendo sempre o mesmo Senhor, inspirando os diferentes modos de agir, sendo o mesmo Deus que realiza tudo em todos (cf 1 Cor 12, 4-6).

Finalmente, Paulo declara qual a finalidade dessa manifestação variada do Espírito que generosamente oferece carismas a alguns membros da comunidade: é para proveito comum (cf 1 Cor 12, 7), ou seja, para o bem espiritual de todos ou dos outros crentes, em ordem à edificação da Igreja e ao crescimento dos seus fiéis.

Nas epístolas pastorais, concretamente na primeira e segunda a Timóteo (1Tm 4, 14 e 2Tm 1, 6), refere-se a ligação entre carisma pastoral e a imposição das mãos, ou seja a ligação entre carisma e ministério ordenado. Deste modo entendemos que segundo a teologia do Novo Testamento não há oposição entre a Igreja dita institucional e a Igreja dita carismática. O Novo Testamento reconhece a estrutura carismática e institucional da Igreja, pois a par com as referências aos dons do Espírito segundo a sua liberalidade, encontramos as referências fundamentais à eleição dos Doze que, cheios do Espírito Santo, são enviados a proclamar o Evangelho e edificar a Igreja.

Tanto Timóteo como Tito sentem-se a exercer um ministério que dá continuidade ao serviço apostólico de quem o receberam e sentem que estão a edificar a Igreja no exercício dos ministérios que lhes foram conferidos pelos apóstolos. É sempre o mesmo Espírito a fazer crescer a Igreja como Corpo de Cristo por meio do anúncio do Evangelho, da celebração dos sacramentos, da realização das diferentes funções por parte dos seus membros, nomeadamente por parte dos que receberam a imposição das mãos para continuar a missão apostólica.

Na mesma Primeira Carta aos Coríntios, 12, Paulo compara a comunidade cristã a um corpo humano, mas edificada pela força criadora do Espírito que lhe foi dado no batismo e não pela iniciativa de cada um dos seus membros. Sendo construída pela pluralidade de muitos membros solidários entre si, estão numa dependência recíproca, pois precisam uns dos outros e cuidam uns dos outros numa relação de complementaridade.  Desse modo, são muitos membros, mas constituem um só corpo unidos por Cristo a quem pertencem, de tal modo que podem chamar-se Corpo de Cristo.

Trata-se da unidade na pluralidade de muitas pessoas que ultrapassam a dimensão de uma simples comunidade humana para formar a Igreja, a comunidade cristã, fruto da presença de Cristo e do único Espírito em que todos foram batizados. Esta sua caraterística particular sobrepõe-se a todas as outras, de tal modo que as circunstâncias pessoais de cada um deixam de ser relevantes: não se distinguem mais por serem judeus ou gregos, escravos ou livres, homens ou mulheres, de uma proveniência geográfica e cultural ou de outra. A diversidade dos membros dá lugar à unidade do corpo, à comunidade de Cristo, a Igreja.

Todos os que estão em Cristo e pertencem a Cristo participam da sua morte e da sua glorificação. Todos assumem a sua responsabilidade solidária na relação com os outros e, de acordo com os carismas recebidos, colaboram em ordem ao bem espiritual comum, à edificação da Igreja e à realização da sua missão salvadora no meio do mundo.

Paulo faz questão de explicar que dentro do Corpo todos os membros são necessários e nenhum é dispensável – particularmente os que são considerados mais fracos ou menos honrosos e menos decentes – todos devem ter “a mesma solicitude uns para com os outros” (1Cor 12, 25).

  1. Participação e corresponsabilidade na Igreja Sinodal

No tempo presente, somos chamados a trabalhar todos ativamente para a renovação da Igreja, fiéis a uma eclesiologia que valorize a sua condição de Povo de Deus em que todos são efetivamente Corpo de Cristo, alicerçado no batismo e no Espírito.  A Eucaristia é o nosso alimento e o sacramento da unidade, na pluralidade dos membros que, sendo muitos participam do mesmo Pão e do mesmo Cálice, ou seja, no mesmo Cristo morto e ressuscitado. No respeito pelo amor do Espírito que oferece dons e carismas para a santificação pessoal e o crescimento da Igreja, seremos comunidade evangelizadora no meio das realidades que é preciso transformar neste mundo que Deus quer salvar.

Em primeiro lugar, somos chamados, pessoalmente, a acolher os dons de Deus e a testemunhar as razões da nossa fé. Segundo a formulação da visão para a nossa Igreja Diocesana, “alicerçados em Cristo, formamos uma comunidade de discípulos para o anúncio do Evangelho”. Somos muitos, carismas diferentes a partir do batismo, sentimos que Cristo unifica a pluralidade das nossas pessoas numa única comunidade, em que todos de forma corresponsável querermos trabalhar ativamente na edificação da Igreja e no anúncio da verdade que nos salva.

A sinodalidade reclama também da nossa Diocese um conjunto de mudanças que a levem à corresponsabilidade assumida, por meio da participação, da reflexão, do discernimento dos sinais dos tempos, da escuta da voz do Espírito e da construção das respostas necessárias para a renovação sempre em curso.

As comunidades já fizeram grandes progressos quando assumiram na pluralidade dos seus membros, sacerdotes, consagrados e leigos, ministérios e serviços ligados à evangelização, à catequese, à liturgia, à ação social e caritativa, à administração, à dinamização cultural. Esses caminhos são para aperfeiçoar e alargar de forma ousada, não à maneira de quem concede um privilégio, mas na certeza de que estamos diante de um direito e de uma obrigação que vem da igual dignidade de todos os batizados.

Mais tímidos têm sido os caminhos percorridos no que se refere ao exercício da corresponsabilidade no discernimento que prepara as decisões pastorais que cabem aos Pastores. Aí há muito a fazer, sendo necessário derrubar barreiras que vêm da nossa história, do modo como se tem vindo a exercer o ministério ordenado, do peso de um tradicional estatuto de certa menoridade conferido aos consagrados e leigos.

O aprofundamento da teologia da Igreja Povo de Deus, mistério de comunhão, Corpo de Cristo animado pelo Espírito Santo que concede a abundância de carismas e ministérios orientados para o bem espiritual dos fiéis é caminho seguro a percorrer.

Na nossa Diocese de Coimbra temos vindo a valorizar os órgãos de corresponsabilidade como lugares privilegiados de participação mais plena dos cristãos nas instâncias de discernimento e decisão. Dentro dos objetivos propostos, os nossos Planos Pastorais têm apontado como prioritário o cuidado com a dimensão organizativa da vida da Diocese e das Unidades Pastorais, segundo um modelo que favoreça a participação ativa do Povo de Deus na condução da sua própria vida.

O Conselho Pastoral, tanto da Diocese como das Unidades Pastorais ou das Paróquias é um órgão de grandíssima importância, criado pelo Concílio Vaticano II, e destina-se, de acordo com o Decreto Christus Dominus (nº 27), a “pesquisar os assuntos que se relacionam com as obras pastorais, examiná-los diligentemente e tirar deles as conclusões práticas.”

Este Conselho integra representantes dos ministros ordenados, dos consagrados e dos leigos, e tem por missão discernir os caminhos pastorais que a comunidade deve assumir sob a condução dos pastores, seja o bispo seja o pároco.

Numa Igreja clerical e estática não se sente a sua falta; numa Igreja de rosto sinodal, ministerial e disponível para a dinâmica da evangelização, do crescimento e da corresponsabilidade, é indispensável.

A nossa Diocese de Coimbra criou também a Equipa de Animação Pastoral, que propõe a cada Unidade Pastoral como “um órgão local de corresponsabilidade eclesial, de âmbito paroquial ou de unidade pastoral, que programa, dinamiza, anima, acompanha e avalia tudo o que diz respeito à vida da respetiva paróquia ou unidade pastoral” (Equipa de Animação Pastoral, Orientações, §1).

Esta Equipa trabalha “sempre em estreita ligação com o conselho pastoral, ao qual cabe propor o plano pastoral. Além de ser um especial meio de exercício da corresponsabilidade eclesial, é também lugar de partilha da solicitude pastoral do pároco e um precioso auxílio ao ministério ordenado” (Bispo de Coimbra, Nota Pastoral “Comunidade de discípulos corresponsáveis”).

Temos, pois, diante de nós, o caminho da Igreja sinodal que o Espírito nos diz que devemos fazer juntos, como Igreja viva, Corpo de Cristo que havemos de edificar, na corresponsabilidade, como sinal luminoso da salvação oferecida a toda a humanidade.

Coimbra, 3 de abril de 2022
Virgílio do Nascimento Antunes
Bispo de Coimbra


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